Beagá Decô tem projeto editorial formado por 10 livretos que registram e inventariam este estilo de arquitetura na capital mineira
Por Carol Braga
Qual o impacto do tempo e das transformações urbanas no cenário arquitetônico de uma cidade? Essa é uma das reflexões que surgem a partir do livro Beagá Decô – Patrimônio gráfico da cidade ao papel, de Fernanda Goulart. O trabalho, que será lançado no próximo sábado, 26 de outubro, no Mercado da Lagoinha, não é apenas um convite a uma volta no tempo. Também é um chamado a uma análise crítica do diálogo entre passado e presente na paisagem urbana.
Beagá Decô – Patrimônio gráfico da cidade ao papel reúne cerca de 700 fotografias de fachadas e platibandas de imóveis inspirados no movimento Art Déco em Belo Horizonte. O estilo marcou a ornamentação de prédios comerciais e residenciais da capital mineira a partir da década de 1930.
Desde 2008, Fernanda Goulart se dedica à investigação e documentação da arquitetura na cidade. O livro Beagá Decô traz um inventário cuidadoso das edificações, principalmente aquelas não tombadas, compondo um registro detalhado da herança gráfica que está em risco de desaparecer. Ao longo desse tempo, foram várias fases. A primeira etapa incluiu a produção de fotografia das fachadas.
Os bairros
Os 15 bairros escolhidos para o levantamento, como Santa Efigênia, Santa Tereza e Horto, foram mapeados em caminhadas entre 2017 e 2018. Nessas regiões, ainda é possível encontrar exemplares significativos do estilo Art Déco, embora muitas das edificações estejam sujeitas a intervenções ou degradações. Por isso, o livro é também um convite para viver a cidade.
“Definimos os quinze bairros no eixo leste-oeste, que chamamos de “Decô Leste-Oeste”. Esses bairros, nesse eixo imaginário, tinham mais construções do estilo Art Déco”, conta Fernanda. Sendo assim, a pesquisa começou no bairro Santa Efigênia e seguiu até o Calafate. “Nosso foco era inventariar e catalogar as fachadas das casas, especialmente aquelas mais simples, que representavam a arquitetura popular, com poucos elementos geométricos”, acrescenta.
A obra é composta por diversos fascículos, que abrangem temas variados. Entre eles, destaca-se, por exemplo, a apresentação da diversidade cromática das edificações. Tem, também, reflexões sobre a relação entre a arquitetura popular Déco e o abstracionismo brasileiro.
Entrevistas
Embora a pesquisa seja prioritariamente visual, depois da primeira fase de catalogação, Fernanda Goulart começou a bater campainha em algumas casas e estabelecimentos para recuperar a história das edificações com as pessoas que ali vivem ou trabalham. Os relatos de moradores e comerciantes contribuem para humanizar a obra.
O DJ Roger Dee é morador de uma das casas inventariadas por Fernanda. Ele vive no local desde 1994 e, em 2004, fez uma grande reforma para preservar o estilo. “Eu tentei preservar ao máximo o estilo da fachada, mas não foi fácil. Mão de obra especializada nesse tipo de arquitetura é rara”, revela.
Proprietária de uma das lojas Cemitério dos Azulejos na Avenida Pedro II, Cristiane Sena também foi uma das personagens entrevistadas pelo projeto. Para ela, o “Beagá Decô” desperta um novo senso de preservação nas pessoas ao valorizar a história e a identidade da cidade.
“A gente precisa aprender isso, né? A valorizar, preservar e saber contar nossa história”, destaca. Esse olhar sensível, descrito por ela como “poesia” e “sentimento”, é fundamental para resgatar a memória coletiva e reforçar a conexão das pessoas com seu entorno, contribuindo assim para a valorização do patrimônio cultural e arquitetônico da cidade.
Diversidade
Durante a pesquisa, Fernanda Goulart se surpreendeu com a singularidade das casas do estilo Art Déco popular. Assim, mesmo apresentando apenas um ou dois pavimentos e poucos elementos decorativos, são todos diferentes entre si.
“Foi impressionante perceber que não há duas casas iguais“, comenta Fernanda. Ela destaca ainda que, ao observar uma casa Art Déco, é possível reconhecer o estilo pelas linhas verticais que se elevam em contraste com a base horizontal, criando uma sensação de “coroação” na fachada. Essa geometria característica reflete o momento industrial da época, marcando um distanciamento dos ornamentos vegetais tradicionais, com curvas e volutas, para formas mais geométricas e simples, típicas do Art Déco.
As grades
Ao longo da carreira, Fernanda Goulart tem se dedicado a traduzir e reinterpretar a arquitetura de Belo Horizonte. Sendo assim, o trabalho anterior, Urbano Ornamento (2014), documentou cerca de cinco mil fachadas e resultou na criação de um extenso banco de imagens com mais de três mil desenhos vetoriais de grades, cercas e janelas. Com Beagá Decô, a artista continua o esforço em democratizar e eternizar o patrimônio arquitetônico da cidade.
Assim, cada página do livro revela não apenas a beleza arquitetônica, mas também as histórias de vida que permeiam esses espaços, evidenciando a importância de preservar a memória coletiva diante da crescente urbanização e modernização. Deste modo, Beagá Decô se torna uma ferramenta vital para estimular o debate sobre a conservação do patrimônio e a necessidade de valorizar a identidade cultural que molda a cidade.
SERVIÇO – LANÇAMENTO BEAGÁ DECÔ
Quando: 26/10/24, a partir das 10h, conversa com autora e autógrafos
Onde: Mercado da Lagoinha – Avenida Antônio Carlos, 821, Lagoinha – BH