Nova publicação de Annie Ernaux pela editora Fósforo, volume amplia análise política, social e cultural presente no trabalho da Nobel de Literatura
Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
Sabe quando você gosta tanto de uma escritora ou escritor que diz: “Eu leria até a lista de compras”? Pois então, a francesa Annie Ernaux é, para mim, um desses casos. O novo livro da escritora lançado pela Fósforo, “Olhe as luzes, meu amor”, é, provavelmente, o mais próximo que já cheguei desse desejo – secreto, mas nem tanto – de admirador-leitor. O livro tem tradução de Mariana Delfini.
O breve volume compila um diário escrito por Annie Ernaux entre 2012 e 2013, onde a escritora registrou visitas regulares à hipermercados franceses, num processo de observação atento e singular sobre esse verdadeiro fenômeno da contemporaneidade que, como ela nos aponta, talvez não tenha sido analisado com a devida atenção por meios como a literatura ou o cinema. “Um livre registro das observações, sensações, para tentar capturar alguma coisa da vida que se desenrola ali”.
O passeio por corredores de um hipermercado – ora abarrotados, ora entregues ao mais completo vazio – é um terreno fértil para a análise política, social e cultural da autora francesa. O que se esconde sob as engrenagens de um hipermercado? Em quais condições subsiste sua mão de obra? Até quando essa mão de obra existirá, quando caixas automatizados se transformam em uma realidade cada vez mais comum? Como o desabamento de um edifício em Bangladesh – e a morte de centenas de pessoas, cujo o trabalho extenuante na indústria têxtil era recompensado com salários irrisórios – se relaciona com o êxito de um hipermercado e seus preços baixos? O que um carrinho de compras diz sobre uma pessoa, sobre uma família? “Ao pôr meus produtos na esteira, penso com certo incômodo que ela vai olhar o que comprei. De repente cada produto passa a ter muito sentido. Revela meu modo de vida”.
Como a autora destaca, os grandes mercados são atravessados pela História. Pela história da economia, pela história da moda e dos gostos, pela história das migrações e, também, pela história do trabalho. “Olhe as luzes, meu amor” é uma reflexão original sobre o capitalismo neoliberal, sobre a sociedade do consumo, sobre o desejo, sobre as relações de classe e, por último, mas não menos importante, sobre o nosso próprio cotidiano – aquilo que, de tão comum e rotineiro, deixamos de observar com atenção.
Encontre “Olhe as luzes, meu amor” aqui.
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel