Novo romance de Daniel Gruber, A noite do cordeiro une suspense e rigor histórico para reconstruir passado brasileiro que apresenta espelhamentos com o presente.
Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
Um padre jesuíta, uma mulher escravizada e uma jovem reclusa aparentemente enfeitiçada formam um interessante triângulo narrativo neste novo romance de Daniel Gruber: “A noite do Cordeiro”. Após um acontecimento incomum na mata que circunda sua residência, Mariana retorna ao lar como que possuída por algo ou alguém. Muda, a jovem passa a pronunciar poucas mas estranhas palavras para os pais e o irmão. Talvez não seja exatamente Mariana que esteja ali.
A Inquisição no Brasil
Vicente, um jesuíta atento à ciência e às investigações acerca da própria humanidade no século XVII – período em que tal interesse não é bem visto pela Igreja Católica, ainda com ampla dominação tanto na Europa quanto nas colônias situadas no além mar – busca respostas para o desaparecimento e o estranho retorno de Mariana. Mas uma outra peça é posta no tabuleiro: a chegada de um comissário da Inquisição portuguesa, responsável por uma verdadeira caça às bruxas a todo comportamento supostamente desviante neste povoado baiano.
“A noite do cordeiro” é tanto um bem construído suspense, quanto um romance histórico rigorosamente desenhado.
Daniel Gruber remonta a presença do Santo Ofício da Inquisição por aqui, trazendo um olhar surpreendente para o Brasil colônia e seus efeitos na construção política, social e, sobretudo, religiosa no país.
O horror na realidade
Se o catolicismo era a regra, uma série de outras manifestações religiosas marcam a construção da identidade brasileira ao longo dos séculos. Uma das personagens mais interessantes no romance é Awa Ndongo, uma mulher escravizada angolana recém chegada ao país, após uma interminável viagem entre dois continentes. De Angola, Awa traz consigo a revolta, o desejo de liberdade e o trato com as ervas e os espíritos que curam e protegem. É neste ponto que Vicente desconfia que ela possa ser uma importante aliada em sua investigação.
Mais do que a possibilidade do sobrenatural, o horror de “A noite do cordeiro” está firmado, sobretudo, na própria realidade. Do passado escravocrata à dominação do corpo feminino, Daniel Gruber mergulha num passado que segue influenciando de maneira nefasta o presente. Em conclusão, no caldeirão narrativo do romance, o fanatismo, a paranóia e a perseguição aos corpos e condutas desviantes se misturam e, no fim, talvez não falem apenas de um Brasil colonial, não é mesmo?
Encontre “A noite do cordeiro” aqui
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)