Literatura

Obras de autoras latino-americanas para você conhecer hoje

Em sentido horário - Vera Giaconi (Manuela Aldabe) - Selva Almada (Saul Ruiz) - Teresa de La Parra (Divulgação) - María Gainza (Rosana Schoijett)

Que tal colocar mais literatura escrita por mulheres na sua lista de leituras? E se forem autoras latino-americanas, que tal? 

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

A literatura da América Latina sempre surpreende. Hoje alguns lançamentos recentes de autoras vizinhas merecem nossa atenção. Três delas são contemporâneas e uma fez história ao lançar um clássico em 1929, que é, enfim, lançado no Brasil.

Entes queridos, de Vera Giaconi

Nos contos de “Entes queridos”, Vera Giaconi escreve sobre aqueles laços que, por vezes, parecem firmes e imutáveis. Porém, são construídos sobre alicerces frágeis: as relações familiares. O novo trabalho de uma das autoras latino-americanas que indicamos hoje chega ao Brasil com tradução chega ao Brasil com tradução de Bruno Cobalchini Mattos, pela DBA Editora.

No conto “Survivor”, duas irmãs se encontram em países diferentes. É uma relação marcada por ressentimentos guardados. Enquanto uma rumava para um novo país, a terra natal se desfazia em pedaços. “Há muito mais mérito em resistir do que ir para algum lugar onde tudo é mais fácil”, nos diz a irmã que ficou.  A ditadura argentina e o exílio são matérias para contos atravessados por separações forçadas e repentinas.  Por exemplo, em “Às escuras”, dois irmãos nada sabem sobre paradeiro do pai. “Já se passaram três anos e sete meses desde aquela ligação, como é possível que seu pai esteja viajando há quase quatro anos e jamais tenha voltado”. 

O sobrenatural ganha as páginas finais. A última narrativa, “Reencontro”,  é um exercício de gênero primoroso. Em cena, uma amiga observa um casal e suas infrutíferas tentativas de gerar um filho. O trauma da perda é aparentemente superado com a adoção de uma criança de comportamento estranho e insondável para a narradora.

Vera Giaconi domina nosso olhar e nossa atenção, ao longo das narrativas de “Entes queridos”, numa atmosfera onde a inquietude é um sentimento constante. Sob a aparente harmonia da vida familiar, o dito e, sobretudo, o não dito tensionam as relações entre seus personagens. Ou seja, aquilo que é guardado no mais profundo de si – como mágoa, rancor  – até que transborde.

Entes queridos (DBA Editora)
Entes queridos (DBA Editora), de Veria Giaconi está entre as autoras latino-americanas indicadas

Encontre “Entes queridos” aqui:

Não é um rio, de Selva Almada

“Não é um rio” se passa em um pequeno vilarejo. Lugar marcado pelo calor abrasante e úmido, margeado pelas águas de um rio que é mais que um espaço onde a ação ocorre: é ele próprio protagonista. Nesta terra, e nestas águas, a argentina Selva Almada constrói personagens repletos de força e vida. O romance é lançado com tradução de Samuel Titan Jr. pela Todavia Livros.

Sua narrativa acompanha o convívio de três homens: um jovem e dois mais velhos, amigos de infância do falecido pai do primeiro. Ou seja, um círculo de amizade que ultrapassa décadas e gerações. Acampados nas margens do rio de um território próximo para pescarem, conhecemos o presente e o passado desses personagens e as diferentes relações que criam com alguns habitantes deste local. Mesmo vizinho, o espaço parece os receber como estrangeiros.  

Selva Almada se interessa por personagens brutos, espelhos da própria aspereza da terra que habitam. Ou seja, este interior de regras rígidas, de respeito e de relações de poder bem demarcadas. Encontramos homens e mulheres marcados pela dor e pelo arrependimento, por um passado que assombra e que segue definindo suas ações no presente. Curiosamente, sua escrita, de poesia marcante, parece contrastar com a aspereza dos personagens que descreve. Assim, “Não é um rio” é um romance sobre a culpa, sobre a amizade e sobre os violentos códigos da masculinidade. 

Não é um rio (Todavia Livros)
Autoras latino-americanas: Salva Almada, autora de Não é um rio (Todavia Livros)

Encontre “Não é um rio” aqui:

O nervo óptico, de María Gainza

Ao longo dos contos de “O nervo ótico”, a argentina María Gainza passeia pela história da arte e pela história pessoal de sua narradora. Seus contos tem, assim, uma unidade na forma e nos temas, funcionando como uma espécie de romance fragmentado. Cada narrativa é como um capítulo, que traz como foco uma situação pessoal da narradora. Esta é colocada em diálogo e debatida à luz de um artista ou de uma obra de arte, de sua experiência com esses trabalhos. Com tradução de Mariana Sanchez, este é o primeiro trabalho da autora lançado por aqui pela Todavia Livros.

Há aqui o prazer de se perder numa galeria de arte, esquecer do tempo observando um trabalho artístico. Conhecemos nos textos trabalhos de artistas como Alfred De Dreux, Mark Rothko, Cándido López, Gustave Courbet e Henri Rousseau. Um dia, Buenos Aires amanhece com uma neblina densa. Não uma neblina qualquer, era quase como se um pano de linho cobrisse o mundo. Inquieta, a narradora decide ir ao museu. “Não sabia bem aonde ir, mas meu instinto de sobrevivência sempre me leva aos museus, como as pessoas na guerra corriam para os abrigos anti-bombas”.

“O nervo óptico” é uma verdadeira aula de História da Arte. Mas uma aula marcada pela leveza, sem academicismos. Assim, numa linguagem poética, María Gainza passeia com um olhar aguçado pela ficção, pela memória e pelo ensaio. Dessa maneira, ela nos diz daqueles momentos em que o trabalho artístico rompe com suas molduras e as paredes do museu. E, assim, passa a ocupar nossas lembranças, experiências e a maneira como nos relacionamos com o mundo.

O nervo óptico (Todavia Livros)
Autoras latino-americanas: María Gainza, autora de O nervo óptico (Todavia Livros)

Encontre “O nervo ópitco” aqui:

Memórias de Mama Blanca, de Teresa de La Parra

Teresa de La Parra publicou este clássico da literatura latino-americana, “Memórias de Mama Blanca”, em 1929. O trabalho é pioneiro na representação da sociedade venezuelana da época. Apresentando, inclusive, pontos de contato com outros vizinhos do país, como o próprio Brasil. Com tradução de Lizandra Magon de Almeida, o livro ganha edição em português pela Editora Oficina Raquel.

Conhecemos Mama Blanca, primeiramente, pelas lembranças de uma narradora: a própria Teresa de La Parra, talvez. Ela rememora o dia em que, criança, conheceu aquela senhora de cabelos brancos, solitária, de sorriso generoso e jeito hospitaleiro. Como presente pela amizade, a jovem recebe uma herança. É o bem mais precioso de Mama Blanca: suas memórias, registradas em cadernos, já na velhice. 

Mama Blanca nos pega pelas mãos e nos transporta para a Venezuela de sua infância. Por exemplo, a vivacidade de suas cores, seus cheiros, seus sabores e suas dores. Se as memórias de sua personagem são permeadas pela nostalgia do campo da infância, Teresa de La Parra também joga luz nas contradições da Venezuela da época. Dessa forma, nas aparentemente doces lembranças de sua Branca de Neve às avessas, a autora aborda questões como a condição feminina, o racismo, o colonialismo e o apagamento de raízes negras e indígenas.

Memórias de Mama Blanca (Oficina Raquel)
Memórias de Mama Blanca (Oficina Raquel)

Encontre “Memórias de Mama Blanca” aqui.

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural, sempre gasta metade do seu horário de almoço lendo um livro. Seu Instagram é @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel/)

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Publicado por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura | @tgpgabriel

Publicado em 11/02/22

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