Elis Regina é considerada por muitos a melhor cantora do país e, quiçá, a melhor cantora de todos os tempos. Os breves 36 anos de vida foram suficientes para elevar a artista ao topo da lista de intérpretes mais marcantes do Brasil. Ela nasceu em Porto Alegre no dia 17 de março de 1945. A data nos instiga a recontar a história dela e refletir sobre as razões que ainda a mantém no topo da lista entre as intérpretes brasileiras.
Elis começou a cantar muito nova. Aos 11 anos já embarcou na carreira musical ao participar de programa infantil de rádio chamado O Clube do Guri. Aos 16, gravou o primeiro disco, Viva a brotolândia (1961), e não parou mais. Deslanchou com uma carreira intensa, cheia de parcerias, sucessos e foi responsável por revolucionar a MPB com a sua voz e interpretação.
Para o cantor, compositor e produtor musical Bob Tostes, foram algumas características pessoais de Elis que a fizeram destacar. Entre elas estão: a inteligência musical, a capacidade de adaptação a ambientes e estilos e também a voz, é claro.
Versatilidade
Um dos primeiros pontos destacados por Bob é a versatilidade. Ele lembra também da junção de talentos múltiplos de Elis. “Ela conseguia ser doce, agressiva, introspectiva… colocar a emoção que quisesse e que fosse preciso em cada interpretação. A emoção aflorava a ponto de ela chorar”. Exemplo disso é o fim da canção Carta ao mar, de Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal. Na gravação, dá para ouvir como a cantora se emociona e no final fica clara a voz embargada. “Ela soluça de uma forma tão bonita no fim da música, tão musical e ainda é dentro do tempo”, observa Tostes.
Além disso, cantava em inglês, francês, espanhol e “no que ela quisesse”, segundo Bob, e passavam pelo samba, rock, jazz, bossa nova e MPB.
Inteligência musical
Outro fator fundamental na carreira de Elis Regina foi a capacidade que ela tinha em identificar o que funcionaria ou não artisticamente para ela. “Ela conseguia identificar e descobrir os talentos, como foi o caso do Fagner, por exemplo. Ninguém o conhecia e ela gravou”, relata Bob. Além disso, Elis dava vida às canções. “Quando ela gravou Mucuripe, composta por ele, parecia que a música era dela e de mais ninguém”.
O mesmo aconteceu com outros artistas como João Bosco, Milton Nascimento, Belchior, Renato Teixeira e Ivans Lins. Os duetos e parcerias perduraram durante toda a carreira. Só para destacar alguns de grande sucesso: Jair Rodrigues, Rita Lee e Tom Jobim. O encontro com o maestro rendeu o álbum Elis e Tom que recebeu o título de um dos melhores LPs da história da Música Popular Brasileira.
Elis e Tom
Lançado em 1974, o disco tem arranjos do pianista e então marido de Elis, César Camargo Mariano. Em resumo, o álbum contém momentos de dueto e de Elis cantando sozinha acompanhada no violão ou piano. O maior sucesso do disco foi a gravação dela para Águas de março. Outros sucessos: Corcovado e Inútil paisagem também estão presentes.
Só para ilustrar o quão gigante é o registro do encontro entre Elis Regina e Tom Jobim, o álbum é aclamado por crítica e público, inserido em livros, enciclopédias e compêndios nacionais e internacionais de música. Também foi escolhido por críticos e jornalistas como o 11º melhor disco de música brasileira pela Rolling Stone. No contexto educacional Elis e Tom é tema obrigatório no Vestibular da Universidade do Rio Grande Sul.
A voz
Afinação é uma das características básicas para os cantores. Então, a comentar a partir deste ponto vale destacar o poder da voz de Elis Regina. A extensão vocal ia do grave ao agudo, transitando entre a técnica refinada, a emoção e a teatralidade. Dessa forma, improvisava melodias junto à banda. Ela também foi a primeira pessoa a inscrever a própria voz como um instrumento na Ordem dos Músicos do Brasil. “Ela reunia características de intérpretes brancos, negros, brasileiros, internacionais”, afirma Bob.
Curiosidades
Bob Tostes teve alguns momentos curiosos e marcantes ao lado de Elis Regina. Isso porque é amigo de Roberto Menescal, que, por sua vez, foi produtor e amigo de Elis Regina. Foi assim que ele se aproximou da cantora. Um belo dia, todos foram para a casa de Bob Tostes e ele ofereceu a típica goiabada com leite para um pequeno lanche bem mineiro. “Mas ela estava colocando a goiabada dentro do copo de leite. Então, eu disse que não era assim, que deveria misturar dentro da boca: uma mordida na goiabada e um gole de leite”, relembra aos risos.
O exemplo mostra como a personalidade da artista era leve e irreverente. Ademais, neste ponto, Tostes relembra também da altura de Elis. “Ela só media 1,52 e disse mais de uma vez que gostaria que Deus a tivesse feito um pouquinho mais alta”, conta Bob. A questão da altura nos leva a uma das características artísticas de Elis. Ela era baixinha, mas se tornava uma gigante no palco durante as interpretações.
A era dos festivais
Até 1963, Elis gravou um total de quatro discos, que não fizeram muito sucesso. São eles Viva a brotolândia (1961), Poema de amor (1962), Elis Regina (1963) e O bem do amor (1963). No entanto, essa história começou a mudar em 1965 quando se apresentou no festival de música da TV Excelsior. Ao interpretar Arrastão, de Vinicius de Moraes e Edu Lobo, encantou. Isso garantiu um convite para trabalhar na televisão e ainda rendeu o título de primeira estrela da canção popular brasileira.
O título veio quando passou a apresentar o Fino da Bossa ao lado de Jair Rodrigues. O programa é o mais importante do estilo. A realização e consagração da carreira artística de Elis Regina no festival da TV Excelsior foi o ponto de partida para um período de efervescência artística na produção cultural brasileira. Não podemos ignorar que em 1965 o Brasil sofria com o primeiro ano de Ditadura Militar e as severas consequências do AI-5. Mesmo assim, ao longo de 20 anos, diversos artistas foram revelados nos festivais promovidos pela televisão. Só para exemplificar, nomes como Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil surgiram no período.
O mais interessante é que a era dos festivais foi importantíssima para a produção dentro da música popular brasileira, mas, além disso, ajudou a promover a difusão e formação da idade nacional. Você pode saber mais sobre os festivais e a sua cronologia neste artigo no site do Musica Brasilis.
Elis Regina na Literatura
Não só na música que Elis Regina tinha diferentes versões de si mesma. Uma dessas facetas é contada no livro Elis e eu – 11 anos, 6 meses e 19 dias, escrito por João Marcello Bôscoli, filho mais velho da artista. Na obra, João Marcello conta quem foi Elis Regina a partir das suas percepções de criança, já que conviveu com ela até os onze anos apenas. Uma das motivações para escrever o relato é a questão que sempre ouviu: “você se lembra da sua mãe?”.
De acordo com o autor, a pergunta sempre era feita em situações corridas e sem muito espaço responder. Dessa forma, sem pesquisa externa, entrevistas ou consultas bibliográficas, colocou no papel as memórias. Acompanham o livro fotos raras dos momentos entre mãe e filho. Elis e eu foi publicado pela Planeta de Livros e está à venda por R$ 41,90.
Além deste, outros livros foram lançados retratando a trajetória de Elis Regina na música e na vida pessoal. No blog da Estante Virtual você encontra cinco livros que relembram a trajetória da artista.