Programação de aniversário da Zula acontece ao longo de todo o mês de maio e inclui apresentação de espetáculos, congresso e oficinas
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Com início neste sábado, 4 de maio, a Mostra Zula 13 Anos festeja o aniversário da Zula Cia. de Teatro compartilhando, com o público, os espetáculos que integram o repertório do grupo. Tal qual, com a realização de um congresso, uma oficina e um workshop. Desse modo, a maratona começa neste final de semana, com “As Rosas no Jardim de Zula”, montagem que será apresentada na Sede da ZAP 18, no sábado e no domingo.
A obra, vale lembrar, tem como foco a história de Rosângela, mãe de uma das atrizes da Zula Cia, que, em dado momento da vida, começa a viver em situação de rua. Assim, passa a vivenciar todo o universo das drogas, da prostituição e da violência urbana. Em cena, a proposta é mergulhar nessa história real e, desse modo, tentar desmistificar, de forma poética, a figura materna. A partir daí, refletir a condição do feminino e da mulher na sociedade atual.
“Mamá” e “Banho de Sol”
O segundo espetáculo da trajetória da Zula Cia. de Teatro, “Mamá”, com direção de Grace Passô, não está mais no repertório presencial do coletivo, mas poderá ser acessado em formato virtual, durante o mês de maio. A peça reúne muitas vozes e depoimentos de mães, recolhidos pelas atrizes da Zula por meio de entrevistas. Assim, variadas formas de se relacionar com o universo materno são abordadas. A terceira montagem, “Banho de Sol”, volta a ser encenada primeiramente nos dias 11 e 12 de maio, no Centro de Arte Suspensa Armatrux – CASA.
E, depois, nos dias 18 e 19 de maio, no Galpão Cine Horto. A dramaturgia dá-se a partir do encontro das integrantes da Zula com a realidade de mulheres em situação de cárcere. Lembrando que as atrizes do espetáculo conviveram de perto com algumas delas durante as aulas ministradas por meio do projeto “A Arte como Possibilidade de Liberdade”.
“CASA”
Fechando a mostra de espetáculos, nos dias 24 e 25 de maio, o grupo apresenta a obra “CASA”, mais recente trabalho. A iniciativa parte de relatos autobiográficos das atrizes-criadoras Andréia Quaresma, Gláucia Vandeveld, Kelly Crifer, Mariana Maioline e Talita Braga, que, depois, foram transformados em material cênico. Desse modo, além da continuidade da pesquisa do teatro documentário com foco em histórias de mulheres, a Cia Zula passou, ali, a experimentar uma nova relação com o público, ao levar o acontecimento teatral para dentro de uma casa.
Mas tem mais. Portanto, além dos espetáculos, a “Mostra Zula 13 Anos” também compartilha, com o espectador, por meio de links virtuais, um vídeo documentário e um podcast (em cinco episódios). São trabalhos que foram criados como desdobramentos da experiência do grupo no já citado projeto “A Arte como Possibilidade de Liberdade”.
Agora, no presencial
Ao Culturadoria, Talita Braga, uma das integrantes, conta que muitas pessoas perguntam por quê comemorar o marco de 13 anos, posto que não se trata de uma chamada “data redonda”. “Mas consideramos que é bem simbólico, em um pós-pandemia, pós um governo desastroso, a gente querer comemorar 13 anos”. A atriz lembra ainda que, durante a pandemia, a Zula realizou uma mostra virtual de 11 anos e meio de existência, já que, por conta da Lei Aldir Blanc, foi possível propor projetos de festivais e mostras. À época, porém, “CASA” ainda não havia estreado. (abaixo, foto de divulgação do espetáculo, feita por André Veloso)
Portanto, a programação que vai acontecer agora, presencialmente, nessa mostra de 13 anos, foi compartilhada em formato virtual, sem o mais recente espetáculo. “Por ter sido durante a pandemia, teve também um outro significado, já que havia um movimento muito grande de trazer vida e, ainda, possibilidades de trabalho, num momento tão difícil para o país, para o mundo. Veja, nós, trabalhadores da cultura, a gente sofreu muito. Assim, a iniciativa, à época, foi muito especial. Na verdade, de início, a gente achava que ninguém aguentava mais assistir a lives, essas coisas (referindo-se ao fato de terem ficado receosas quanto à adesão do público). Mas tinha. Também teve muita gente fazendo as oficinas, o congresso online… E muito público vendo”.
Celebrar o encontro
Sendo assim, pontua Talita Braga, foi possível, para a Zula Cia de Teatro, estabelecer uma conexão e mostrar um trabalho que preservou a qualidade do presencial, ainda que formato virtual. “Ao fim, foi tão bonito que a gente pensou: Assim que acabar a pandemia, essa mostra tem que acontecer no formato presencial, para celebrarmos. Tal qual ali, no virtual, porém, celebrando o encontro. Ou seja, sendo o teatro mesmo (na acepção do termo), como a arte da presença. E aí, eu escrevi esse projeto em 2022. Só está sendo possível realizar agora em função mesmo da agenda do grupo – portanto, estamos festejando os 13 anos”. (abaixo, reprodução de foto do flyer de “As Rosas no Jardim de Zula”/CS Comunicação/Divulgação)
Ao celebrar a presença, celebra-se a vida. “Porque a gente já havia dado aquele passinho no formato virtual e viu o quanto é potente revisitar a caminhada do grupo. Todas as histórias, as memórias que a gente encontra, as pesquisas. É muita coisa na nossa caminhada. E aí, era preciso mesmo brindar. É, como disse, o significado da presença, do encontro, nesse pós-pandemia”.
Resistência
Talita Braga também entende que os 13 anos da Zula Cia de Teatro se configuram um ato de resistência. “Claro, a gente (as integrantes) já faz teatro há muito mais tempo (que os 13 anos da Zula). Mas o marco de 13 anos acreditando nessa forma de fazer teatro de grupo, de uma maneira continuada, com pesquisas tão profundas assim… Penso sim, que é um ato de resistência, de amor à arte. É um ato de amor. Mas é isso, o amor caminha junto com a resistência. Porque, olha… As dificuldades para se manter vivendo de arte e cultura… Principalmente com as questões todas que a gente enfrentou nos últimos anos. Ou seja, um governo que era totalmente contra a cultura e contra os fazedores da cultura”.
Além, claro, da já mencionada pandemia. “E, em meio a tudo, a gente, da Zula, não desistir de existir como grupo. Não desistir de comunicar temas. E criar e nos debruçarmos sobre temas tão importantes a partir do teatro… Sendo essa a nossa forma de estar no mundo e de encontrar com as pessoas… E de tentar mudar alguma coisa que a gente acha injusto. Tentar levar, à plateia, olhares humanos e empáticos para realidades invisibilizadas e ignoradas. Colocar a mulher em pauta. Treze anos acreditando nisso. Penso que é muita resistência mesmo. E muito amor”. Não temos dúvida, Talita.
Balanço
Sobre um balanço da trajetória da Zula, Talita Braga diz. “Veja, vou falar por mim, portanto, é uma coisa pessoal. Mas, no que me diz respeito,, a trajetória da Zula foi uma maneira pela qual encontrei, no teatro, um modo de viver muitas experiências nessa vida. Porque todos os trabalhos da Zula – e aí eu acho que isso expande para as demais atrizes -, eles partem de experiências vividas pela gente. Mesmo que as histórias não sejam nossas, a gente propõe uma experiência a ser vivida ao lado de outras mulheres. Então, o ganho pessoal disso, o tanto que a gente se transforma a partir de cada espetáculo, é muito diferente. Muito diferente do que qualquer outro trabalho que eu já tenha feito antes – ou continue fazendo – fora da Zula”.
Isso porque, observa Talita, a dinâmica do grupo muda a própria forma de ela estar no mundo, a visão de mundo, as experiências. “Desse modo, contar a história da Rosângela, que é a minha mãe. Deu um movimento muito grande, não só de palco, não só de arte, estética, de um espetáculo. Todas as coisas, elas extrapolam o palco, inundam e saem transformando vidas. Não só as nossas, que estão ali, envolvidas no processo. Mas, no caso, de ‘As Rosas no Jardim de Zula’, teve transformações profundas, por exemplo, na minha mãe, que era a personagem desse espetáculo. A mulher cuja história a gente contou. E foram mudanças de estrutura familiar mesmo. De histórias ancestrais também, que foram chegando”.
Teatro de muitas vozes
Em “Mamá”, acrescenta ela, as integrantes tiveram a oportunidade de dialogar com muitas mulheres, seja em workshops, por cartas, e-mails, entrevistas. “Ou seja, ali, foi todo um movimento de mulheres querendo contribuir, com um depoimento pessoal, para tentar mudar uma estrutura machista, opressora, violenta… Acaba que essas vozes todas vão com a gente para o palco. Assim, acho que a Zula é teatro de muita gente, de muitas vozes. Teatro que extrapola o palco e transforma vidas, muitas vidas. E aí teve ‘Banho de Sol’, que foi uma coisa inesperada para a gente. O sucesso de público e crítica que foi esse trabalho! E ele começa como um projeto de arte-educação que a gente nunca pensou que fosse mexer tanto com nós mesmas”, admite.
Ou seja, Talita confessa que, lá atrás, ao dar início, as integrantes do Zula não imaginavam o que iriam encontrar por trás daqueles muros. “E (não imaginavam) como que a gente, com a arte, quando acabou o projeto lá, dentro da penitenciária, poderia, de alguma maneira, reverberar aqui, fora, um pouco do que foi aquele encontro. Da mesma forma, foi um pedido das próprias meninas lá de dentro, das nossas alunas que estavam ainda encarceradas”.
Responsabilidade
Talita se refere ao fato de, em certo momento, as alunas em situação de cárcere terem falado: “Já que vocês não podem voltar (quando a experiência, ali, chegou ao fim), contem da gente, falem de nós lá fora”. “Desse modo, a gente, da Zula, começou a criar ‘Banho de Sol’. Na verdade, elas fizeram a cena ‘Banho de Sol’ lá, dentro (do centro de detenção). Só que a gente não conseguiu circular com elas. No entanto, saímos com essa responsabilidade social enorme. Era uma coisa mesmo de responsabilidade social. Se a gente como artista, pessoas de classe média, brancas… Se a gente tem o privilegio de ter um dia da semana para fazer o trabalho voluntário lá, como usar esse privilégio para, aqui fora, fazer chegar, ao máximo de pessoas, aquela experiência?”.
Ela prossegue: “Como lançar um olhar humano também para aquelas mulheres? Inclusive porque, ‘uma vez mulher encarcerada, o resto da vida mulher encarcerada’ (Talita se refere ao estigma). E a gente está sempre se perguntando: E o que mais sobre elas?”. Por isso, nesse balanço da trajetória, Talita Braga diz que, na Zula, vida e arte se misturam. “Posso dizer que eu fui me transformando e crescendo como mulher nesta caminhada. E acho que todas da companhia também”. (Abaixo, outra foto da montagem: Guto Muniz/Divulgação)
Por outro lado, ela pontua que, na trajetória da Zula, vem ocorrendo um fenômeno: organicamente, um trabalho puxa o outro. “Assim, a gente não tem que inventar muita moda, não. É tudo tão de verdade, é tudo tão de alma, da urgência, que um processo vai levando ao outro de maneira muito fluida. No geral, a gente não parte da forma e da linguagem (para estruturar um novo espetáculo). A gente parte da urgência – e, depois, vem a forma, a maneira de contar para o público”, explana.
Serviço
O que: Mostra Zula 13 Anos! – mostra de espetáculos
Quando: De 4 a 25 de maio
Onde: ZAP 18, Casa – Centro de Arte Suspensa e Armatrux, Galpão Cine Horto e Fazendinha Dona Izabel
Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada). À venda no Sympla.
Mais informações: