Ainda bem que existem os filmes leves, né? Sobretudo nesses temos em que nossa atenção não está nem difusa mais, ela está é restrita mesmo. Por isso, Yesterday (2019), o longa dirigido por Danny Boyle (Quem quer ser um milionário?), me fez muito bem. Cumpriu a função de entreter, mas, ao mesmo tempo, estimula reflexões sobre ética e a força das obras de arte ao longo do tempo. Bem, pelo menos foi o que ficou forte em mim.
O longa narra a história de Jack Malik (papel do ótimo Himesh Patel), que tenta a carreira de músico. É aquela luta, né? Toca em barzinho, ninguém presta atenção nele, somente os amigos na plateia. No dia em que sofre um acidente, o mundo passa por um apagão geral. O planeta inteiro. Ele acorda no hospital e aos poucos se dá conta de que determinados ícones da cultura de massa foram simplesmente excluídos da memória cultural do planeta. Os Beatles entraram no pacote.
A trama
O argumento de Jack Barth e roteirizado pelo veterano das comédias românticas Richard Curtis, responsável por clássicos como Simplesmente amor (2003), Quatro casamentos e um funeral (2004) é genial, mas carrega um problema ético. É que Jack Malik, talvez até por forças do destino, começa a se certificar de que realmente um absurdo desses pudesse ter acontecido. Ou seja, ninguém – absolutamente ninguém, nem o Google – conhecer o legado de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr.
A medida em que Malik vai se lembrando das canções, vai sendo “engolido” pela indústria do entretenimento. Há sim uma discreta crítica aqui à essa máquina de produzir sucessos. É aí que surge outro ícone em carne e osso: Ed Sheeran, que até surpreende como ator.
Até aqui o filme é só divertimento. É engraçado o processo de Malik recordar as letras, arranjos e etc. Tem graça também a cara de surpresa de cada um que é impactado pelo som dos Beatles sem saber disso. Nem precisa acrescentar que a trilha sonora é uma delícia, né? Mas, ainda assim, Yesterday carregava, no meu ponto de vista, um problema ético: como assim uma figura aparece, assume todo o repertório dos Beatles e fica por aí?
O problema
Claro que a questão não fica por aí e digamos que a solução encontrada é bem sintonizada com a vibe “Paz e amor”, que Ringo Starr tanto fala. Danny Boyle faz uma reflexão sobre que pena seria um mundo sem os Beatles. É uma saída ingênua e até romântica, com direito a uma participação surpresa.
Embora divertido, Yesterday não é perfeito. Isso de acordo com o meu ponto de vista, claro. Vale ressaltar, mais uma vez, o histórico – e o gabarito – que Richard Curtis tem com as comédias românticas. Mas será que precisava? O envolvimento de Jack Malik com Ellie Appleton (Lili James) segue quase o passo a passo do manual do gênero. Mocinho tem crush secreto pela mocinha, que também gosta dele, mas são tímidos e precisam de fatores externos para a revelação do amor. Se o tempo em que o filme leva para desenvolver o relacionamento deles fosse dedicado ainda mais para a parte musical, Yesterday teria mais fluidez. Lamento opinar, românticos de plantão, mas o romance enrolou a narrativa.
Aprovado?
Mas, é preciso reforçar, esse é só um detalhe. Danny Boyle arrasou mais uma vez entregando um filme leve e que contribui para a importante discussão sobre o bem que a música de qualidade faz para qualquer um.
Em tempo: Paul McCartney diz que viu Yesterday no cinema, já que o longa estreou antes da pandemia. Ele e a mulher Nancy foram secretamente a uma das sessões em Hamptons (EUA). “Pegamos dois ingressos e entramos quando o cinema ficou escuro. Apenas duas pessoas nos viram. Estávamos na fila de trás, rindo, especialmente com todas as menções de Paul McCartney. Duas pessoas à nossa frente nos viram, mas todo mundo estava assistindo o filme. Nós amamos isto”, contou ao site NME.
Yesterday está disponível para aluguel no YouTube por R$ 11,90.