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Vander André Araújo lança o livro “Sobre Mim Uma Sentença”

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O escritor Vander André Araújo autografa neste sábado, na Livraria da Rua, o romance, que tem como espinha dorsal a mazela do preconceito

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Foi durante a conclusão da graduação em Filosofia, na UFMG, que o escritor mineiro Vander André Araújo passou a se aprofundar ainda mais em tema que já há tempos o instigava. Precisamente, as raízes de preconceitos ainda vigentes no país, não obstante estarmos no século 21. Caso do racismo e do preconceito de gênero. “Na verdade, meu trabalho de conclusão de curso partiu da teoria da filosofia do horror. Assim, me envolvi em um universo de pesquisa sobre vários tipos de preconceitos, caracterizados pelo nojo, horror ou repugnância em relação ao outro”, conta ele.

Vander André Araújo, que lança "Sobre Mim Uma Sentença" neste sábado, 9 de março (@caiodiasvideomaker/Divulgação)
Vander André Araújo, que lança "Sobre Mim Uma Sentença" neste sábado, 9 de março (@caiodiasvideomaker/Divulgação)

Tal qual, na época, Vander observava, horrorizado, o recrudescimento de casos de transfobia no Brasil. “Aliás, o país onde mais se mata pessoas LGBTQIA+”, lembra. A partir daí, ele se dedicou à leitura de diversos relatos de pessoas que sofreram discriminações. Do mesmo modo, a livros contemporâneos, como as “crônicas da travessia” de Paul B. Preciado, bem como obras do início do século 20, de Han Ryner. Não bastasse, mergulhou nas páginas de livros outros norteados pela temática LGBTQIA+. Foi quando se deu conta da pulsão de escrever sobre o tema. Surgia, assim, o embrião de “Sobre Mim Uma Sentença” (Editora Ramalhete), que ele autografa neste sábado, 9 de março, das 11 às 14h, na Livraria da Rua.

Questões

No momento em que se decidiu a perscrutar esta temática, o também autor de “Roupa Suja de Inconfidente” (Ramalhete, 2020) e “Pode durar o tempo de uma música” (Gulliver, 2022) já sabia que seria um romance. “Porque eu pretendia falar do amor (ou da falta dele), dos desejos reprimidos, das distâncias, sejam elas geográficas ou de língua. Do mesmo modo, queria que a trama abarcasse situações difíceis de serem encaradas pela maioria dos leitores”, diz Vander, referindo-se a temas como transfobia e racismo estrutural.

Semente

Um retorno temporal até o ano de 1986 flagra Vander André aos 15 anos, quando morava em Bom Despacho, na Rua Capivari, bem próximo a Cruz do Monte. Lá, convivia com a realidade e a cultura da comunidade do quilombo da Tabatinga. “São amigos, antigos conhecidos, pessoas com as quais convivia. Aliás, até hoje, ainda passo por lá, seja indo de Belo Horizonte para Bom Despacho, pela Estrada do Pica-pau, ou atravessando o bairro até o problemático lixão.

Deste período, Vander diz guardar boas lembranças, em particular, dos “camoninhos”, parceiros de lutas em tempos de dificuldade econômica e social. Ao mesmo tempo, conheceu o trabalho de pesquisa linguística da professora Sônia Queiroz, realizado em Bom Despacho, no livro “Pé Preto no Barro Branco – A língua dos negros da Tabatinga”. “Assim, me encantei ao revisitar alguns significados de palavras que faziam parte do meu dia a dia e dos moradores de lá, também listadas no dicionário elaborado pelos bom-despachenses Benício Cabral e Comodoro”.

Pesquisas

A esse material, se juntaram também os frutos de pesquisas relacionadas a manifestações de preconceito, que Vander realizou ao longo do curso de graduação. Parte desse trabalho teve como fonte alguns canais da Internet e perfis de redes sociais. Ali, Vander buscou um material atualizado que denotasse as ações de apoio à causa dos (das) transgêneros, bem como conquistas recentes de variados segmentos, seja no Brasil ou em outros países. “Isso, em oposição ao grande número de ataques e atos de violência, com relatos de crimes, desrespeito ou até mesmo incentivo à prática fóbica pelo representante máximo do governo brasileiro até 2020”.

Sentença

Apesar de a história do novo livro de Vander André Araújo contar com o recurso de ter vários narradores e dos respectivos pontos de vista deles, o personagem central é um menino negro, “que foi sentenciado pelas pessoas no meio em que vivia naquela região”. Desse modo, o personagem é condenado à exclusão, à marginalização.

Ou seja, segregado por conta das escolhas de vida, da orientação sexual e, ainda, em relação ao gênero. “Escolhas que, aos olhos de ‘doutores da lei dos homens’, eram inconcebíveis e erradas por aquelas bandas. Recebeu, assim, uma sentença, um despacho que poderia ser bom ou mau, mas que, de qualquer forma, foi proferido por várias pessoas, inclusive os próprios pai dele”.

Caminhos

Por outro lado, pontua Vander, escrever uma sentença sobre alguém “seria também realizar uma análise sintática”. “Ou seja, atribuindo uma ação a esse sujeito, ciente de que dessa maneira ele acabará sendo rotulado com tantos predicados, o que pode prejudicá-lo. Isso pode ter ocorrido com esse personagem, que neste momento da história passa a ser uma ‘ocaia’”.

Ao mesmo tempo em que vive transformações corporais, a personagem também decide se aventurar, por amor, mudando-se para o exterior. Porém, também acaba sendo abandonada, restando somente o retorno ao lar, em busca das raízes. “E novamente terá dificuldade em ser reconhecido no restrito meio familiar”.

Reflexões

A narrativa de “Sobre Mim Uma Sentença” representa, para Vander, um apelo. “Assim, um pedido para que, ao julgarmos alguém antecipadamente, ao atribuirmos um veredito – ou um despacho, com o perdão do trocadilho sobre a cidade onde a história começa (Vander se refere a Bom Despacho) – sobre o outro, possamos desenvolver a empatia”. Assim, ao chegar ao ponto final, ele gostaria que o leitor refletisse sobre quem realmente é neste mundo. E, desse modo, se despisse de preconceitos, de visões preconcebidas sobre o outro. “Gostaria que ele (leitor) passasse a ficar mais aberto ao novo, que respeitasse a diversidade e, acima de tudo, realizasse um exercício de autoanálise”.

Do mesmo modo, Vander repara: “Considero importante atribuir a nós mesmos essa sentença”. E, desse modo, cumprindo a pena que o próprio julgamento interior conceda pelas ações ou omissões enquanto membros de uma sociedade que, lembra, se tornou tão intolerante e racista ao longo da história. “Ou seja, antes de sair por aí, julgando comportamentos ou constituições corporais de terceiros”.

Ilustrações

O livro de Vander André Araújo conta com várias ilustrações internas, como um desenho com giz em pastel seco, da artista mineira Michelle Campos, que ilustrou a capa do segundo livro do autor, “Pode durar o tempo de uma música”. Do mesmo modo, uma pintura digital do artista visual alagoano Diogo Cavalcanti, residente em Bom Despacho. A obra é intitulada “Diga-me com quem andas que eu te direi axé” (2022).

E, ainda, duas reproduções em óleo sobre tela do artista paraense Ismael Nery: “Figura e Namorados” (1927). “Além delas, uma surpresa, um poema da esposa dele, Adalgisa Nery, de 1962”, completa Vander.

Produção gráfica

O poeta e designer Bruno Brum assina a produção gráfica editorial do livro de Vander André, chancelado pela Editora Ramalhete. Tal qual, a capa. Em entrevista, ele disse: “O projeto buscou a todo momento dialogar com a própria obra, o livro apresentado. Parti da história do personagem, dos deslocamentos, das transformações dele”.

Prossegue Bruno: “A história vai transcorrendo e o Vander traz diversas discussões para o livro, como o mundo contemporâneo, a linguagem, o lugar de cada um, as transformações”. Assim, diz Bruno Brum, o projeto gráfico procurou traduzir isso sobretudo na capa, ainda que se desdobre também no miolo. “Busquei trabalhar com esses fragmentos, com texturas, sobreposição de sentidos, com sobreposição de elementos que ora se complementam, ora entram em conflito”, situa.

Serviço

“Sobre Mim Uma Sentença” – Lançamento do novo livro de Vander André Araújo

Quando. Neste sábado, dia 9 de março, entre 11 e 14h.

Onde. Livraria da Rua (Rua Antônio de Albuquerque, 913, Funcionários)

Os interessados poderão adquirir o livro no local, ao preço promocional de R$ 50. O escritor estará presente para conversar com os convidados e escrever dedicatórias.

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