
Foto: Alexandre Stheling
Durante uma carreira que percorreu décadas, o Skank construiu uma relação genuinamente especial com os fãs
Por Caio Brandão | Repórter
A música mexe com o imaginário do ser humano de uma forma única. Agindo como uma janela que mostra uma paisagem que transcende a realidade, ela estimula e permite encarar o empírico com uma dose de romantismo.
Talvez seja por isso que tenha tomado as proporções que tomou, desde tempos imemoráveis. A história humana é indissociável da história da música, tornando-se algo praticamente indispensável para viver, como se fosse uma espécie de alimento abstrato.
A expansão desenfreada do consumo de informação elevou ainda mais o status dessa forma de arte. Sendo assim, a relação entre fã e artista alcançou níveis de devoção nunca antes vistos.
Contudo, na maioria das vezes, existe uma separação entre essas duas partes. A figura do artista, seguindo aquela lógica de suspensão da realidade, vira uma entidade separada do plano mortal. Sim, a devoção existe e é genuína, mas não é sempre que se forma uma conexão pessoal dentro dessa relação.
Pertencimento e cumplicidade
Então, entra em cena o Skank. Claro que a banda se ergue como uma das maiores do país, conquistando milhões de fãs por todo o Brasil. Sendo assim, para alguns, o conjunto pode parecer algo distante, como se estivessem em um olimpo acessível apenas para artistas do mesmo calibre.
Porém, Skank veio de Belo Horizonte, e, dentro da capital mineira, esse raciocínio simplesmente não se aplica. Converse com qualquer habitante de BH que adora Skank que dá para entender claramente o que eu quero dizer.
O fã de Skank não fala da banda com aquele tipo de reverência quase religiosa. Falam como se fosse um membro da família.
Os mais velhos tratam como um amigo de infância com o qual cresceram juntos. Inserem o conjunto em suas histórias cotidianas, como se fosse realmente uma pessoa que estava presente fisicamente na situação. Alguém com quem compartilharam experiências, engajaram em conversas, construíram uma relação de amor e companheirismo genuíno.
Já os mais novos veem o grupo como uma espécie de pai, por terem travado contato com o grupo quando os integrantes já estavam mais “maduros” (em termos de idade mesmo). Pessoas que já viveram milhares de experiências em momentos nos quais o fã mais jovem talvez não fosse nem nascido – mas agora esse garoto está ali presente, partilhando a vivência, na plateia.
Toda essa perspectiva é acentuada pela já citada origem do Skank: Belo Horizonte, cidade na qual, aliás, o grupo optou por ficar, mesmo no auge da fama.
A população de BH é marcada pela sua tradicionalidade e pelo orgulho de ter as origens que tem. Nesse sentido, a exaltação das raízes é um componente notável da formação de um belo-horizontino. Desse modo, o Skank ter vindo de onde veio fez com que a cidade os acolhesse naturalmente.

O lugar onde tudo termina
O tempo é inexorável. A máxima de que “tudo passa” se aplica a tudo e a todos, e a carreira do Skank não é exceção. Como resultado, a banda se viu em instantes derradeiros, e assim foi anunciado: depois de décadas, a banda faria sua turnê de despedida.
Tendo em vista tudo o que foi falado nos parágrafos anteriores, o impacto dessa notícia foi imenso. Sem dúvida, é estranho pensar que o conjunto não irá mais habitar o panorama cultural brasileiro, mas tudo tem seu fim.
A turnê de despedida percorreu todo o Brasil, mas é lógico que o destino final só poderia ser um: a capital mineira. O local do show teria que ser o maior, bem como o mais prestigiado, espaço da cidade. Consequentemente, o Mineirão foi escolhido, lugar que, assim como a banda, tem uma história que se confunde não apenas com a cidade, mas também com seu povo.
A cena estava completa: tínhamos quem, tínhamos o lugar e tínhamos a data. Restava apenas aguardar.
Reciprocidade e gratidão
Obviamente, todos que estavam no Mineirão são apaixonados por Skank. Sendo assim, não foi nenhuma surpresa o clima agridoce que se instaurou ali. O evento foi a apresentação definitiva da banda, a culminação de uma carreira que percorreu décadas, mas também foi o fim de tudo.
Todavia, o amor que permeava o ambiente não era um aspecto exclusivo dos fãs. Um sentimento, tão forte quanto o que emanava do público, também era transmitido do palco.
Era nítido o quão recíproca era a afeição por parte do Skank. Se a presença do público gigantesco era um atestado de estima, a performance era uma resposta à altura. Todas as interações com a plateia eram carregadas de emoção, ativamente compartilhando todas as sensações que a noite pôde proporcionar.
A gratidão, porém, não se limitava a fenômenos posteriores à existência da banda. A memória é fundamental para entender a si mesmo e o que nos cerca, e é partindo disso que surge a gratidão por aqueles que nos moldaram.

Bituca
Por mais que o Skank seja um conjunto gigantesco, esse processo também se aplica a eles, e esse fato foi exposto da maneira mais bela possível. A noite já era emotiva, mas, quando Milton Nascimento ascendeu ao palco, simplesmente não houve quem não estivesse comovido.
O que acontecia ali era uma subversão de toda a lógica que definia a noite. A banda deixou de ser o alvo da adoração e se juntou ao público em um tributo àquele que foi, mesmo que indiretamente, o responsável por toda a festa.
Samuel Rosa fez questão de deixar claro que, sem Bituca, não haveria Skank. Em seguida, aconteceu o que foi, provavelmente, um dos grandes momentos da história da música belo-horizontina: Skank e Milton performando, juntos, a música “Resposta”, configurando algo verdadeiramente arrebatador, tanto para os fãs apaixonados de ambos, quanto para quem esteve no evento despretensiosamente.

Legado e permanência
A proposta da noite era que a celebração marcaria a despedida do Skank, mas o efeito foi justamente o contrário. De fato, o que aconteceu foi a afirmação da banda enquanto uma das maiores que surgiram no país, e com certeza a presença dela é sentida intensamente na memória dos fãs, e assim será até que o último admirador respire.
Somado a isso, essa apreciação supera os limites da música, já que – vale novamente frisar – a banda está fortemente atrelada a Belo Horizonte. A performance foi marcada pelos constantes estímulos para querer, sempre, uma cidade melhor. Assim, exaltar Skank também é exaltar BH, seu povo, sua cultura, enfim, todas as suas particularidades.
Não é uma questão que se resume à arte, artistas e fãs. Também diz respeito ao que é ser humano, o que é verdadeiramente fruir de uma vivência, tanto nos grandes momentos, quanto nos pequenos prazeres que passam em um semi-anonimato. É contemplar aquilo que nos constrói, e o que pode ser construído depois a partir disso.