
Cena de Bacurau. Foto: Victor Jucá/ Divulgação
A trilha sonora tem papel fundamental no cinema. Ela, muitas vezes, é responsável por ditar o ritmo da narrativa, dialogar com as situações e até mesmo contar histórias. Durante a 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, por exemplo, o cineasta Gabriel Martins e o compositor e guitarrista Heberte Almeida conversaram com o público sobre como a música dialoga com o cinema.
O bate-papo teve como ponto de partida a experiência da trilha sonora do longa No coração do mundo, dirigido por Gabriel Martins e Maurílio Martins. Além disso, os artistas trataram sobre o processo de composição e escolha da trilha para o filme.
“Existem filmes minimalistas, mas eu e o Maurílio falamos que o nosso é maximalista, porque já tinha muita coisa apontada no roteiro. Exemplo disso é uma cena pós-assalto que toca Mordida de amor, do Yahoo”, explica Gabriel Martins. A ideia sempre esteve presente, já que a música se relacionaria com um canções de rádio que a personagem Selma (Grace Passô) ouve. Outra característica bastante explorada é a utilização do som ambiente, que também já estava presente na ideia inicial.
Além disso, é fundamental dizer que boa parte da trilha sonora é original. Em uma parceria com os artistas Heberte Almeida, Kim Gomes e Robert Frank, a produção optou com músicas que dialogassem com as expressões da periferia. “Foi a primeira vez que eu trabalhei efetivamente na criação de uma trilha sonora, na criação em conjunto”, destaca Heberte Almeida. Ademais, canções como Negro Drama, dos Racionais MCs e Texas, do MC Papo estão no longa.
Sendo assim, pensando na importância da trilha sonora para a realização de uma produção cinematográfica, pedimos para que alguns realizadores que passaram pela da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes dissessem qual filme brasileiro tem a trilha sonora mais marcante e qual o motivo. O cinema contemporâneo foi o mais citado. Confira.
Inferninho (2018)
Já que estamos falando de Gabriel Martins, ele foi o primeiro a indicar um filme com trilha sonora que acha incrível. A escolha foi Inferninho, de Guto Parente e Pedro Diógenes. O longa retrata a história de Deusimar, dona do bar que é refúgio para fantasias e sonhos, que quer deixar tudo e ir embora. No entanto ela conhece um marinheiro que acaba de chegar e quer se estabelecer no local. A partir daí, a história do bar Inferninho muda completamente. “Eu escolhi esse filme porque, sem dar spoilers, uma cena com a protagonista fica linda com a música Vermelho azulzim, de Soledad. Além de gostar bastante da canção eu admiro muito o trabalho do Guto Parente”, relata Gabriel Martins.
O filme também conta com trilha sonora original, feita por Vitor Colares e Felipe Lima. O filme, inclusive ganhou o prêmio de Melhor Trilha Sonora Original no For Rainbow (Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual) em 2018.

Temporada – Foto: Wilssa Esser/ Divulgação
Temporada (2018)
O cinema mineiro contemporâneo foi a escolha de Clarissa Ramalho, diretora do longa Natureza Morta, exibido na Mostra Aurora. Para ela “a trilha sonora é pontual, pois tem algo de descritivo que completa a imagem, mas, ao mesmo tempo independente. Ou seja, se tirar a música o filme continua igual”, comenta.
O longa dirigido por André Novais foi o vencedor do Festival de Brasília, está disponível na Netflix e conta a história da personagem vivida por Grace Passô. Juliana é uma mulher que se muda do interior para Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A ideia da trilha sonora já permeava a mente de Novais, que queria algo com clarinete. Assim, a partir de pesquisas inseriu uma composição de Bach, que serviu de referência para o que viria depois. O músico Pedro Santiago, de São Paulo, fez a trilha original, tendo sempre como base a ideia do clarinete.
Bacurau (2019)
Um dos maiores sucessos de 2019 não poderia ficar de fora. Bacurau foi o filme escolhido por Mariana Campos, diretora do curta Minha história é outra, exibido na Mostra Foco. De acordo com ela, o longa de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles é visceral e a “trilha sonora traduz essa mensagem por meio da música, complementa os sentidos”, explica.
A trilha sonora conta com grandes sucessos da música brasileira, como Não identificado, de Gal Costa, Night, de John Carpenter, e Réquiem para Matraga, de Geraldo Vandré. As composições originais ficaram por conta de Tomaz Alves Souza e Mateus Alves (já disponível nas plataformas de streaming e lançada em vinil).
Rap do pequeno Príncipe contra as almas sebosas (2000)
Déo Cardoso, diretor do longa Cabeça de Nêgo, que concorreu à Mostra Aurora, é nordestino e por esse motivo citou o filme de Paulo Caldas e Marcelo Luna. Em formato de documentário a narrativa conta a história de Helinho é Garnizé. O primeiro é um justiceiro popularmente conhecido como Pequeno Príncipe. É acusado de já ter matado 65 bandidos. Por outro lado, Garnizé é componente da Faces do Subúrbio, uma banda de rap. Além disso, é líder comunitário em Camaragibe e militante político. Usa como ferramenta de sobrevivência a cultura. “Eu escolhi esse filme porque mostra a cena do manguebeat e suas vertentes, tudo que fez parte da minha infância e formação”, conta Déo Cardoso.
Grande parte da trilha sonora foi feita por Alexandre Garnizé, que é compositor e já atuou em outras produções cinematográficas. Como o documentário passa pela história da música, especificamente do rap, reggae e hip hop, o filme conta com Racionais MCs, DJ Dolores e Alexandre Garnizé. Tudo isso também passando pelas influências de Chico Science e Nação Zumbi, Fred 04 e demais vertentes do movimento manguebeat.

Foto: Vitrine Filmes / Divulgação
Sinfonia da Necrópole (2016)
“Juliana Rojas e Marco Dutra, na minha opinião, conseguem refletir o teatro musical americano em seus filmes. E a forma com que a música move a narrativa para mim é muito interessante”, conta Felipe André Silva, diretor do curta-metragem Cinema Contemporâneo, exibido na Mostra Foco. Sinfonia da necrópole mostra a relação entre um coveiro que está prestes a pedir demissão e uma funcionária do serviço funerário. A trilha sonora do filme foi feita pela própria diretora Juliana Rojas, por Marco Dutra e por Ramiro Murilo, que já compôs para outras séries e filmes.