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Cinema

‘Trama Fantasma’: os múltiplos entendimentos para um grande filme

Cena de 'Trama Fantasma', de Paul Thomas Anderson. Crédito: Universal Pictures/Divulgação

Quem experimentar fazer um giro entre as críticas publicadas sobre Trama Fantasma vai detectar algo interessante. Realmente há uma multiplicidade de olhares.

O perfeccionismo, tanto do protagonista como do diretor, chamou a atenção de . , destacou o “trânsito” que a honestidade pode ter entre amor e arte. Para Mário Abbade, do Globo, o filme conta sobre uma relação de ciúmes, amor doentio e codependência.

As interpretações no exterior também foram diversas. A crítica publicada no compara o novo filme de Paul Thomas Anderson aos longas de mistério dos anos 1950 e cataloga: Hitchcock de luxo. A.O Scott, do New York Times, escreve sobre os paralelos entre a obsessão artística do protagonista e do diretor. O foi mais para o lado da moda e a semelhança que o personagem tem com figuras da sociedade britânica desta área.

O que todos os textos têm em comum? A constatação de que se trata de um grande filme, que Daniel Day-Lewis está perfeito no papel e que será uma sacanagem com quem gosta de ver bons atores em cena se ele levar essa história de aposentadoria para frente.

A história

Trama Fantasma conta a história do estilista de luxo, Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis). Ele é sistemático, exigente. Atende a altíssima classe britânica com a ajuda administrativa da irmã Cyril (Lesley Manville, ótima). Além de ser um homem bem-sucedido, parece ser muito mimado também por todas as mulheres que o cercam. É machista.

A primeira coisa que me chamou atenção no filme foram enquadramentos (). Em geral, os personagens aparecem em primeiríssimo plano, ou seja, a câmera destaca do ombro pra cima. Entendo como desejo do diretor que nos aproximamos daquelas pessoas na tentativa de decifrá-los.

Nestes quadros bem próximos, principalmente nas primeiras cenas, observa-se que o olhar de Woodcock nunca é frontal. Ele está sempre levemente com a cabeça baixa. Isso vai até conhecer Alma (Vicky Krieps).

A garçonete do interior cai nas graças do estilista. Tem o corpo perfeito para o que ele precisa. O tempo todo Paul Thomas Anderson deixa claro o tanto que a relação mais intensa da vida de Woodcock é com a profissão e não com as pessoas. O tesão parece estar mais no que o corpo dela pode servir à arte dele do que a ele mesmo.

Cena de ‘Trama Fantasma’, de Paul Thomas Anderson. Crédito: Universal Pictures/Divulgação

Acordos tácitos

Com toda sua simplicidade Alma entende isso desde o princípio. Para ela está ok. Nós é que só vamos compreender tudo no final do filme. Ok, sem spoilers.

Por isso, para mim, Trama Fantasma fala muito sobre os acordos tácitos existentes nas relações. De qualquer natureza. Entre Reynolds e a irmã Cyrill. Entre Woodcock e as clientes. Entre o estilista e as costureiras. E, de maneira mais intensa, entre o homem e a mulher. Entre Reynolds e Alma.

Esses acordos tácitos podem ser desequilibrados, doentes, e até absurdos. Mas eles dizem respeito apenas às pessoas que os firmam. Por isso é difícil entender os relacionamentos dos outros estando de fora.

Paul Thomas Anderson tem maestria ao ir tecendo discretamente todas as camadas. A sóbria fotografia dialoga com a trilha sonora criada por Jonny Greenwood (sim, o guitarrista do Radiohead), tão elegante quanto o universo que cerca Reynolds Woodcock.

 

Interpretações

Daniel Day-Lewis é um caso a parte. A composição dele para Woodcock está nos detalhes. Como o enquadramento em primeiríssimo plano é frequente, as nuances estão no rosto. Só com a expressão dele entendi o quanto aquele homem que se diz todo poderoso, também guarda suas inseguranças. Alma soube usar isso a favor dela.

Vicky Krieps é uma surpresa. Além de também ter a expressividade do olhar, a atriz de Luxemburgo tem uma questão fisiológica que fez bem à Alma. Sabe gente muito branquinha que fica vermelha com facilidade? Eu sou assim. Vicky e Alma também. As tensões e as emoções vão todas para o rosto.

Não acho que Trama Fantasma seja um filme apenas sobre amor e ódio. Vejo mais como estes e diversos outros sentimentos como admiração, medo, coragem e outros formam nossa complexidade. Se é difícil para cada um se entender, é muito mais complicado tentar interpretar e julgar as relações que os outros estabelecem com pessoas, com o trabalho, com a vida.

Para mim, foi esse o recado de Paul Thomas Anderson.

 

 

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