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Gastronomia

O Ecossistema da Gastronomia pauta palestra de Rafael Tonon

Rafael Tonon em palestra na Bienal de Gastronomia, no Sesc Palladium (Foto: Patrícia Cassese)

Rafael Tonon em palestra na Bienal de Gastronomia, no Sesc Palladium (Foto: Patrícia Cassese)

O jornalista e pesquisador Rafael Tonon, autor do livro “As Revoluções da Comida”, esteve em BH para falar sobre a crise climática e alimentar

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Dentro da programação da Bienal de Gastronomia de Belo Horizonte, encerrada no dia 31 de outubro, a palestra “Revoluções da Comida – O Ecossistema da Gastronomia Diante da Crise Climática e Alimentar”, ministrada pelo jornalista de gastronomia Rafael Tonon, atraiu, na plateia, muitos interessados em se aprofundar mais sobre o tema. Realizada no Grande Teatro do Sesc Palladium, na segunda-feira, dia 30, a conversa teve a apresentação da jornalista (especializada em moda e gastronomia) Lorena K. Martins.

Na ocasião, Rafael Tonon – que é autor do livro “As Revoluções da Comida – O Impacto de Nossas Escolhas à Mesa” (Todavia) -, elencou algumas das iniciativas que, mundo afora, tentam dar conta dos danos que incidem na agricultura diante das mudanças climáticas em curso. Assim, termos que devem se popularizar cada vez mais – como “alimentação climateriana” – foram mencionados com ênfase.

Iniciativas

Em dado momento da palestra, Rafael Tonon reconheceu que trouxe, ao evento, uma perspectiva de um mundo muito difícil. “Um mundo muito colapsado, no qual é difícil manter perspectivas positivas”, admitiu. No entanto, acrescentou que, ao mesmo tempo, a fala dele tem o objetivo de apresentar novas perspectivas. “Assim, iniciativas que são importantes para a gente tentar enxergar o cenário não com olhos de otimismo, porque penso que não há mais razão para tal, mas pelo menos com a expectativa de buscar algum tipo de solução para mudar o que temos hoje”.

Amigos do clima

E foram várias, as iniciativas citadas por Rafael Tonon, inclusive algumas vindas por parte da própria indústria, caso dos alimentos intitulados “amigos do clima”. Caso inclusive de alguns snacks que já são encontrados no mercado. Alimentos que, como lembrou o jornalista, são feitos geralmente com ingredientes orgânicos e locais. Assim, a produção não traz, no bojo, tanta demanda de descolamento ou de ingredientes. Ou, ainda, caso de fabricantes que pregam a compensação das emissões de carbono. “Enfim, de alguma forma, a indústria também se aproxima disso (do movimento)”, pontuou, referindo-se aos setores que, juntamente à sociedade civil e aos ambientalistas, têm se preocupado com a questão.

Estragos

Evidentemente, os produtores respondem por um dos setores mais preocupados com a questão ambiental, posto que as alterações climáticas vêm provocando perdas consideráveis nas produções, assim como, por vezes, o abandono de algumas terras. Rafael Tonon citou, por exemplo, o estrago produzido por chuvas torrenciais nas videiras de algumas vinícolas da Califórnia. A alta incidência de luz solar, por seu turno, está queimando plantações de frutas em todo o mundo. Não bastasse, ainda há o surgimento de novas pragas, “com as quais os agricultores até então nunca tinham se preocupado, e que estão tomando os campos”.

Isso porque, a partir do momento em que uma região fica mais quente, os insetos também se deslocam, invadindo outras, na tentativa de se adaptarem. “E isso causa um contato de novos animais com as plantações, o que gera um desequilíbrio enorme. A gente tem que lembrar que as pragas também vão ser cada vez mais frequentes. Tal qual, cada vez mais difíceis de combater. O produtor tem um histórico de combater alguns tipos de praga, mas uma nova, que chega numa plantação, numa produção, nem sempre ele vai saber o que fazer”.

Iniciativas

Tonon também falou de iniciativas mundo afora que vêm obtendo bons resultados. Algumas das quais aliam as novas tecnologias a antigas soluções. Um dos exemplos citados por Tonon foi o de uma fazenda de limão localizada na Calábria, Itália, no qual os proprietários criaram tendas de energia fotovoltaica que, além de gerar sombra para a plantação, ao mesmo tempo gera energia para ser utilizada na propriedade.

Rafael Tonon com a jornalista Lorena K. Martins, no Sesc Palladium (Foto: Patrícia Cassese)
Rafael Tonon com a jornalista Lorena K. Martins, no Sesc Palladium (Foto: Patrícia Cassese)

Ou, ainda, uma agrofloresta de pecuária sustentável na região do Alentejo, em Portugal. “É uma região que a gente chama de ‘montada’, uma geografia que foi constituída dessa forma e que agora está sendo resgatada por muitos produtores, porque eles perceberam que a natureza já tinha respostas para muitas questões. E que o ser humano tentou fazer métodos mais massivos de produção, uma pecuária mais extensiva e mais intensiva. Mas hoje é percebido que a relação do terroir com os animais pode apontar soluções importantes para esse ecossistema e para a produção de carne”.

Sementes autóctones

Outra iniciativa é o retorno a algumas plantações cujo cultivo foi abandonado, tempos atrás, por conta do lucro. É que, no curso do tempo, lembra Rafael Tonon, alguns produtores deixaram de plantar algumas espécies em prol daquelas vistas como “mais lucrativas”. “Assim, deixamos de lado algumas sementes autóctones, ou seja, que já estavam adaptadas àqueles climas. Logo, muitas faculdades do mundo estão, agora, voltando a essas variedades nativas, para entender a relação que essas sementes guardam nos seus DNAs com os terroirs”.

Exemplos

Na palestra ministrada no Sesc Palladium, Rafael Tonon trouxe três exemplos, entre eles, uma cereja, que lembrou, foi desenvolvida para resistir melhor à elevação das temperaturas no planeta. “A cereja, como se sabe, precisa de verões quentes, mas também de uma temporada que seja mais fria antes da colheita. Então, ela não tem conseguido mais se adaptar ao clima”, explica.

“A gente também tem, como exemplo, um melão criado por um departamento da Universidade do Texas, que necessita de menos água para o cultivo – porque o melão, como se sabe, é uma fruta que precisa de muita água. E, assim, conseguiram reduzir a necessidade de ao menos um terço da água indicada para o cultivo do melão”, cita Tonon. O jornalista também exemplificou com uma couve-flor “Andrômeda”, criada na Suíça, após uma edição de DNA, e que é mais branca, e, assim, consegue refletir os raios solares. “Logo, é possível fazer com que ela chegue aos supermercados sem que esteja queimada ou danificada”.

Novo conceito

No caso dos restaurantes, Rafael Tonon entende que os que usam a chancela “sustentável” irão mudar de conceito. Isso porque, analisa, essa palavra já foi tão usada que ficou vazia de significado. “Acredito que os restaurantes vão trabalhar mais com menus preparados à base de alimentos ‘amigos do clima’, porque essa vai se tornar cada vez mais uma preocupação das pessoas”.

Climaterianos

Sim, neste ponto, entra em cena o consumidor, o comensal. “Eu acho que as pessoas estão cada vez mais preocupadas com o que comem. Inclusive porque veem, na TV, ou leem, as várias notícias sobre as mudanças climáticas, e isso tem assustado muito a todos. Inclusive, existe um grupo de pessoas que se autodenomina climaterianos, que busca uma alimentação que seja mais favorável ao clima ou que tente erradicar ou diminuir o papel negativo que a sociedade exerce no clima”.

Um dos pilares dos climaterianos é um posicionamento contrário a alimentos importados. “Porque todo alimento que precisa de muito deslocamento acaba por poluir muito mais o meio ambiente Então, eles são contra a ideia de comer (aqui, no Brasil), por exemplo, a trufa. (Defendem que) A gente não precisa ter caviar. Pregam nesse sentido de que a gente come o que está disponível ao nosso lado”.

Insegurança alimentar

Evidentemente, tais iniciativas, mesmo somadas, não são suficientes para reverter o quadro dramático. Rafael Tonon entende, pois, que os tempos difíceis podem levar a uma elevação do preço dos alimentos que, desse modo, poderá gerar insegurança alimentar e afetar a saúde humana. “Qualquer tipo de mudança climática que acontece em uma região, a gente precisa ressignificar e mudar toda a cadeia de produção. E isso, claro, custa dinheiro também, o que resvala no nosso bolso. E assim podemos ter um futuro de maior insegurança alimentar e um colapso dos sistemas alimentares”.

Nesse sentido, um paliativo seria obter um aumento da eficiência da utilização dos recursos escassos, caso principalmente da água; e dos sistemas produtivos, para a construção de meios de subsistência mais resilientes. “Ou seja, isso também vai exigir de nós, como sociedade, novas legislações, novos acordos”, reflete Tonon.

Economia azul

Uma pergunta que se impõe, neste contexto, é “Que mundo que a gente está querendo construir?”. Tal qual, “Como a gente vai produzir os alimentos do futuro?”. Tonon pondera: “Existe um consenso dos ambientalistas de que talvez os oceanos possam indicar um novo futuro para a produção de alimentos no mundo. É o que eles chamam de ‘economia azul’, que é tentar, já que a gente afetou a agricultura no solo, buscar nos oceanos uma gestão um pouco mais sustentável da produção alimentar”.

O jornalista gastronômico e pesquisar Rafael Tonon (Foto: Patrícia Cassese)
O jornalista gastronômico e pesquisar Rafael Tonon (Foto: Patrícia Cassese)

Tão importante quanto, aumentar a resiliência dos sistemas agrícolas. Rafael Tonon lembra que o tema foi tratado em outros momentos da Bienal de Gastronomia. “Ou seja, sobre como os agricultores ainda sofrem com a insegurança alimentar, como ainda passam fome. Então, a gente precisa de políticas públicas que ajudem agricultores, pescadores e, principalmente, os habitantes das florestas. Pessoas que necessitam do apoio dos governos e do setor privado, mas também da sociedade civil, para que continuem a produzir esses alimentos”.

Sobre Rafael Tonon

Brasileiro residente em Portugal, Rafael Tonon é jornalista de gastronomia, contribuindo com as mais importantes publicações do tema. Recebeu o prêmio de Melhor Food Writer 2023 (Identità Golose) e é coordenador do Master in Food Journalism and Communication, no Basque Culinary Center (Espanha).

Capa do livro "As Revoluções da Comida" (Todavia), de Tonon (Foto: Patrícia Cassese)
Capa do livro “As Revoluções da Comida” (Todavia), de Tonon (Foto: Patrícia Cassese)

Sobre a Bienal de Gastronomia

A primeira Bienal da Gastronomia de Belo Horizonte contou com palestras, mostras culinárias, seminários e projetos especiais. A edição homenageou Maria Stella Libânio Christo (1917-2011), Dona Lucinha (1932-2019) e Nelsa Trombino (1938-2023), guardiãs da cozinha mineira. Nomes importantes da gastronomia, como Leonor Espinosa, Janaína Rueda, Maria Eulália e Bruna Martins, participaram do evento e compartilharam experiências.

Na abertura da Bienal, a jornalista Lorena Martins lançou o documentário “Três Marias”, disponível no canal do Portal Belo Horizonte. A produção aborda, com a ajuda de registros de acervo e depoimentos de familiares, a trajetória de Maria Stella Libânio Christo, Dona Lucinha e Nelsa Trombino, assim como a importância delas para a culinária mineira e nacional.

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