Já disponível nas plataformas, o novo disco de Thelmo Lins traz oito faixas e dá início às comemorações dos 40 anos de trajetória artística do mineiro
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Décimo disco da carreira de Thelmo Lins, “Aguaceiro” de certo modo também entra em cena dando início às comemorações dos 40 anos de trajetória artística do mineiro – o marco, na verdade, será completado em 2024. Da mesma forma, baliza os 60 anos de vida do intérprete, que conversou com a reportagem do Culturadoria sobre o trabalho. De pronto, Thelmo Lins descreve o processo do novo álbum como “bem tranquilo”. “E o que eu quero dizer por ‘tranquilo’? É que é a primeira vez que fiz um disco estando mais relaxado, sabe? Sem a preocupação que trabalhar sobre um repertório dedicado a um determinado autor ou poeta, com todas as implicações e tensões que essa escolha carrega”.
Thelmo Lins pode falar de cátedra. Afinal, no curso da carreira, ele já dedicou elogiados trabalhos a nomes como os de Henriqueta Lisboa ou Cecília Meirelles, além de Carlos Drummond de Andrade. Desta vez, Thelmo optou por colocar na roda, expressão que ele próprio usa, algumas músicas de autoria própria. “Assim, foi um disco que acabou saindo de uma maneira muito, muito suave”.
Música-título
Aliás, entre as músicas próprias, ele primeiramente destaca a que justamente dá nome ao disco. “Na verdade, é uma canção de 1998, 1999, que apresentei em um show, o ‘Sons de Minas’, na época do projeto ‘Sons do Horizonte'”, relembra. Curiosamente, desde então, ele nunca mais havia cantado. “Mais recentemente, encontrei a partitura e, como eu tinha gostado muito do resultado, veio a ideia de resgatar essa canção. Tive quase que recompô-la, porque me lembrava de alguns trechos, mas outros não estavam assim, tão claros na minha cabeça. Enfim, fui recompondo, inclusive porque acho que a mensagem da letra é bastante atual”, diz, referindo-se ao teor ecológico.
Oito faixas
Ao todo, “Aguaceiro” abarca oito faixas. Outra que ele cita é “Ai, Não Me Deixes, Não!”, poema de Gonçalves Dias que Thelmo musicou. “Ele remete à minha infância, e (a escolha) está dentro dessa minha proposta do poema musicado, que faz parte da minha trajetória artística”. Da mesma forma, o artista também cita “Um Grito de Dor”, canção que fez originalmente para um show no qual prestava homenagem a Fernando Brant. “Portanto, musiquei um poema do Fernando. Só que, na época, a família achou por bem não autorizar a transformação, porque ele já tinha falecido. Desse modo, fiquei com aquele material guardado. Tempos atrás, Wagner Cosse relembrou essa canção. E assim, para que pudesse vir à tona, ele mesmo fez uma letra para ela”.
O título ecoa uma tragédia a que o país assistiu no ano passado. “Naquele momento, a gente estava muito impressionado com ela questão do genocídio dos Yanomamis, a gente fez como se fosse uma oração pelos povos indígenas”, contextualiza Thelmo. A faixa conta com a participação especial do violoncelista Antonio Viola e do baterista André “Limão” Queiroz.
“Pra Que Chorar?”
Além das autorais e do poema de Gonçalves Dias musicado, Thelmo Lins gravou “Para que chorar”, de Léo Mendonza. “É uma canção que o Léo fez para o musical infantil ‘Pluft, o Fantasminha’, da Maria Clara Machado – no caso, uma produção aqui, de Minas Gerais. Eu fiquei muito encantado quando vi o espetáculo. Depois, quando apresentava um programa na TV Horizonte, levei o elenco lá. E eles cantaram essa música. Isso ficou na minha memória. Assim, já há um tempo estava querendo gravar, inclusive porque essa música nunca havia tido um registro”.
Thelmo conta que, atualmente, Mendonza está morando em Portugal. “Mas mandei o resultado, e ele ficou muito emocionado, porque a gente deu uma cara, digamos assim, bastante camerística. Assim, usamos um violão junto a um quarteto de cordas. E é uma música muito romântica. Muito, muito bonita, muito delicada. Me lembra aquelas coisas meio Jovem Guarda, anos 1960. Não sei exatamente o motivo, mas, quando canto, tenho esse clima na cabeça”.
“Habanera”
Outra canção presente é “Habanera”, ária da ópera “Carmen”, de Bizet. Thelmo explica a escolha. “Eu tinha um projeto com o Geraldo Vianna de fazer um disco todo dedicado a óperas, árias de óperas. Chegamos a aprová-lo no Fundo Estadual de Cultura, só que, na época, foi um imbrólio danado. Confesso que foi até uma decepção muito grande, porque o projeto foi aprovado, mas o recurso não saiu. A gente chegou até a fazer alguns arranjos e a gravar algumas coisas, só que realmente ficamos muito decepcionados com o fato de o Estado não ter cumprido o lado dele, da liberação do dinheiro”.
Alguns anos se passaram e Thelmo admite que até se desinteressou pela história. “No entanto, agora, quando eu fui fazer essa comemoração, me lembrei disso. E a ideia é gravar essas óperas com ritmos brasileiros, bossa nova, samba e tal. Assim, ‘Habanera’ tem esse clima de bossa nova – que ficou muito gostoso, por sinal. Daquele jeito de cantar macio, baixinho. Quem já ouviu, gostou muito. E ficou muito surpreso com o resultado”.
Pastel de Angu
Um dos petiscos mais característicos da cozinha mineira, o Pastel de Angu, lembra Thelmo, é um dos carros-chefes da culinária da cidade natal dele, Itabirito. “Assim, desde pequeno a gente convive com ele. Só que eu não sabia que era uma iguaria criada em Itabirito. À medida que você cresce, amadurece, pensa ‘que legal, a cidade na qual você nasceu tem uma iguaria típica’. Claro, várias outras cidades têm o Pastel de Angu, mas o de Itabirito, digamos, talvez seja o mais famoso”.
E o que tem esta história a ver com o disco “Aguaceiro”? É que, nas etapas de pensar o trabalho, Thelmo se lembrou da canção “Vatapá”, de Dorival Caymmi. E logo veio a ideia de fazer uma música falando do prato de sua terra. “Inclusive, na pesquisa que fiz, peguei a receita original, lá do século 19, do jeito que o pastel foi criado. Aliás, as mantenedoras do pastel de angu de Itabirito confirmaram (a originalidade da receita). Na verdade, até gravaram comigo o clipe”. Assim, Thelmo canta a receita do pastel. “A pessoa pode até acompanhá-la, no clipe, e aprender a fazer. Foi uma forma que achei também de homenagear a o centenário da cidade”.