O teatro é a arte do encontro. Sendo assim, quando não é possível ser realizado, será que as experiências “teatrais” que podemos ter online continuam sendo teatro? É uma pergunta difícil de responder já que o momento tem sido de experimentação. De linguagens e de formatos. Neste período de isolamento, temos nos deparado com várias notícias que envolvem a busca por novas possibilidades para esta arte tão transformadora e milenar.
Já chegaram, por exemplo, notícias de grupos que disponibilizam seus acervos, como é o caso do Grupo Galpão. Outros apostam na moda das lives, como é o caso do projeto do Cine Theatro Brasil e Festival E-cena. Tem até novos eventos nascendo já com vocação digital. É este o caso do Festival Mini Cenas Web, idealizado por Kayete com apoio do Culturadoria. O que todos eles tem em comum é a busca pelo novo. São tentativas de fazer com que o teatro também passe pela tão falada transformação digital.
Mas será que dá?
“O presencial é diferente do online para tudo. Não acho a live de teatro um modo ruim. O interesse e a graça continuam, mas é outra coisa do teatro de palco. A plateia é parte essencial do espetáculo, sem ela, é diferente. O bom da live é que atinge um público maior. Contudo, temos que ver que não é um feito novo, há mais ou menos dez anos o Festival de Teatro de Curitiba já oferecia teatro pela internet. Agora é esperar e ouvir as autoridades para saber do futuro do teatro”, comenta o crítico de teatro Miguel Anunciação. Embora experiências envolvendo internet já existam há algum tempo, agora é a hora que o público vai realmente testar. Antes, era uma opção, uma escolha. Agora, por enquanto, é o que tem dado para fazer. Sendo assim, é o que muita gente tem tentado fazer.
Formatos
Por exemplo, todas as segundas, quartas, sextas e domingos o Sesc, por meio do perfil @sescaovivo no Instagram, faz uma transmissão teatral. Atores como Celso Frateschi, Georgette Fadel e Sergio Mamberti apresentaram monólogos diretamente de suas casas. Depois da transmissão ao vivo, as “encenações” ficam disponíveis no YouTube.
O E-cena, promovido pela Associação dos Produtores de Teatro do Rio (APTR) é outra iniciativa do tipo. O evento tem uma programação transmissões marcadas até o dia 31 de maio. São entrevistas, performances de poemas e textos e até mesmo apresentações musicais com atores, diretores, produtores. Já participaram nomes como Grace Passô, Heloísa Périssé, Denise Fraga, Caio Blat, Ney Latorraca e outros. Além de interessantes, as discussões promovidas são importantíssimas para o período que estamos enfrentando. Todas as lives, programação completa e demais informações são transmitidas pelo Instagram, Facebook e YouTube.
Confira um dos debates promovidos:
Live para rir
Em Belo Horizonte, o projeto Live Para Rir, do Cine Theatro Brasil, começou no final de abril. A cada quinze dias uma peça é apresentada ao vivo pelo YouTube e as pessoas podem ver em casa e de graça. Pérolas do Tejo, de Carlos Nunes, e Guara-pa-rir, de Kayete e Guilherme Reis, foram peças que participaram da ação. Funciona assim: o espetáculo é feito no palco e uma equipe técnica é contratada para realizar a transmissão.
Segundo Sandra Campos, Gerente de Planejamento e Ação Cultural do espaço, esta é uma forma de manter o teatro vivo, mesmo o efeito não sendo o mesmo do presencial. “O encontro no teatro é uma experiência única. São emoções partilhadas com o artista e com a plateia. Isso é insubstituível. O futuro ainda é vago, contudo, a criatividade do setor é rica e nos dará novas experiências”, salienta.
Teatro na palma da mão
Fernando Bustamante, diretor artístico da Cyntilante Produções, também concorda que o efeito e a forma de produzir não são os mesmos. Pioneiro em transmitir lives de teatro em Belo Horizonte, em tempos de isolamento social, o artista conta que teve que se reinventar e começar do zero. As transmissões são realizadas simultaneamente no Instagram, Facebook e Youtube. Cada ator fica na sua casa e usa um cenário em chroma key, ou seja, um fundo é aplicado digitalmente e funde o ambiente.
“Começamos as lives no final de março. Reunimos e pensamos em uma forma de manter as apresentações e de continuar fomentando o setor. Quebramos a cabeça, fizemos cursos e vimos que tínhamos que desenvolver uma linguagem diferente da dos palcos. Vimos que a interação na live era fundamental, o texto, cenário e a forma também seriam outras. Não é o teatro propriamente. O que a gente aproveita é o personagem e parte da encenação”, explica.
Teatros na íntegra na internet
Além dos festivais e lives, alguns grupos e companhias resolveram disponibilizar seus acervos na internet. Uma outra forma de levar o teatro para a web e para quem está em casa. O Grupo Galpão é um exemplo. Disponibilizou no canal do Youtube os espetáculo Nós, De Tempo Somos, Romeu e Julieta e Os Gigantes da Montanha. Tem ainda o Teatro Oficina que colocou no Youtube diversas peças como Os Sertões, As Bacantes e Para Dar um Fim no Juízo de Deus. Da mesma forma fez Os Satyros. A companhia liberou no canal do Youtube espetáculos completos e algumas cenas. Clique aqui e confira uma lista que fizemos sobre peças para ver online.
Recepção
O público tem gostado do formato live, mas também reconhece que é diferente do presencial. A advogada Monah Ghader, tem uma filha de sete anos e acompanha o trabalho da Cyntilante tanto no presencial quanto no online. “Achei uma inovação. Além de fortalecer os laços com o público, visa a remuneração dos artistas. Uma atitude louvável. É muito bom para as crianças ociosas em casa. A essência do teatro surgiu para acontecer ao vivo, mas, considerando as limitações, acho que tem sido muito legal”, conta.