Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Todo dia a mesma noite: o que achamos sobre a série da Netflix

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Adaptação do livro sobre a tragédia da boate Kiss, Todo dia a mesma noite é experiência intensa que causa tristeza e revolta 

Carol Braga | Editora

De fato, não é fácil enfrentar os cinco episódios da série Todo dia a mesma noite, a adaptação do livro de Daniela Arbex sobre a tragédia da Boate Kiss. Mas para quem gosta de cinema, é uma jornada que vale a pena. Primeiro porque é uma produção muito bem realizada. Depois porque coloca o dedo em uma ferida brasileira crônica: a justiça – ou a falta de – deste país. Isso é sério. Muito sério e precisamos falar sobre isso.

Todo dia a mesma noite. Foto: Netflix
Todo dia a mesma noite. Foto: Netflix

Ver a ficcionalização do caso, dez anos depois, nos faz não apenas voltar no tempo e se lembrar onde estava quando tudo aconteceu, mas também fazer uma retrospectiva de diversos outros crimes – ambientais, inclusive – que também continuam sem punição. Como diz o advogado interpretado por Flávio Bauraqui, “A Justiça brasileira foi desenhada pelo Kafka. O processo é a pena e a pena é o processo”. Fato.

Roteiro

Contar a história sobre a morte de 242 jovens é um negócio pesado. E ainda mais com todos os revertérios jurídicos que a história carrega. Ou seja, tinha tudo para ser algo sensacionalista, demasiadamente dramático. Mas não é. A escolha do roteiro assinado por Gustavo Lipsztein (Polícia Federal: A Lei É para Todos) é ir além do sofrimento da perda e focar no sofrimento da impunidade.

A série pode ser dividida em duas partes. Os dois primeiros episódios focam no drama e os três restantes se dedicam ao calvário jurídico. O primeiro se ocupa de apresentar os personagens, que rapidamente conquistam nossa simpatia. Já o segundo – o mais pesado de todos – narra a busca das famílias pelos filhos, a dor da perda, da revolta. 

Todo dia a mesma noite Foto Netflix
Todo dia a mesma noite. Foto: Netflix

Direção

Julia Rezende é a diretora geral da série. O fato dela ter uma carreira construída basicamente na direção de comédias (De pernas para o ar 3, por exemplo) chama ainda mais atenção. Talvez até seja por isso a escolha por contar rápido os dolorosos fatos do caso. 

Cada episódio tem em média 40 minutos. Ou seja, Todo dia a mesma noite apresenta o drama no tamanho que ele precisa ter. Não esgarça. É uma objetividade que faz bem e evita cair nos clichês cabíveis do dramalhão. Depois disso, os três episódios restantes focam na busca por justiça, embates com Ministério Público e etc.

Humanização

Ao invés de mostrar cenas que por si só poderiam ser cruéis, Todo dia a mesma noite se humaniza ainda mais quando se dedica a contar sobre as consequências da tragédia. É aí que o elenco mostra muita força. É muito bom ver atores explorando outras possibilidades de registros. Por exemplo, Débora Lamm como Suzana Leal, mãe de uma das vítimas.

A atriz interpreta uma típica dona de casa do interior do Rio Grande do Sul que vive uma dor avassaladora que transforma o olhar para sempre. Para além das nuances de movimentos e da transformação da feição, observa-se cuidado com os detalhes como o sotaque. Se no primeiro episódio a voz da personagem é mais alta, mais alegre, tudo muda depois do incêndio que tira a vida de Marianne, interpretada pela revelação Manu Morelli. Vale ficar de olho nela! 

Análises parecidas poderiam ser aplicadas também a Thelmo Fernandez que interpreta Pedro, Raquel Karro (Lívia), Bianca Byington (Ana), Leonardo Medeiros (Geraldo). Mas, entre tantos bons momentos de interpretação, as mudanças na expressão de Paulo Gorgulho, que faz Ricardo, o pai do Marcos, me emocionaram muito. 

Não há como negar que a experiência como espectadora de Todo dia a mesma noite causa em nós um mix de sentimentos. Vamos da tristeza à revolta em um piscar de olhos. Ao final, o que fica, é uma desconfortável sensação de derrota, de vazio, causada pela impunidade. E, mais uma vez, voltamos à frase “O processo é a pena e a pena é o processo”.

Em tempo

Após a estreia da série, familiares das vítimas acusaram a Netflix de não ter solicitado autorização para a produção. Ou seja, a judicialização, mais uma vez, no caminho de quem já sofreu e sofre tanto. Até quando?

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