
Musical "Somos feitos de sonhos". Foto: Bendita Conteúdo & Imagem/Divulgação
Coletividade e cultura são palavras que conversam entre si. O festival ‘Somos Comunidade’, no último sábado (21), foi um exemplo dessa junção que desenvolve conhecimento, arte, humanidade e empatia na sociedade. Mais de 400 pessoas estiveram no palco do Parque Lagoa do Nado para ocupar o espaço público com música e dança. Artistas importantes do cenário cultural mineiro como Adrianna, Marcelo Veronez, Pedro Morais e Maurício Tizumba também marcaram presença.
A atração mais que especial ficou por conta do espetáculo musical “Somos Feitos de Sonhos”. O elenco, composto por artistas que integram os projetos socioculturais realizados pelo Instituto Unimed-BH, apresentou em pouco mais de uma hora, um repertório capaz de envolver o público e arrancar além de aplausos, lágrimas de emoção. Para finalizar com gosto de “quero mais”, a banda Chama o Síndico arrebentou no som e não deixou ninguém parado.
Abertura com Adrianna
Adrianna foi a primeira a subir ao palco, pouco depois das 15h, em um sol de 30ºC. Ela acaba de completar 25 anos de carreira, cinco desses dedicados ao backing vocal do Jota Quest e dez como integrante da banda Dib Six. “Tenho a honra e o prazer de fazer a abertura desse festival”, disse a artista, já pedindo para o público dançar junto com ela. “Pode mexer devagarzinho, não precisa ter vergonha não”, convidou.
Reconhecida como uma das maiores vozes da black music de Belo Horizonte, a cantora apresentou o show do primeiro DVD “Antes de Abrir os Olhos”. Dessa maneira, foram dez canções, sendo cinco autorais e cinco releituras. O repertório mostrou toda sua potência vocal. Música brasileira em sua grande parte mas também homenagem ao Rei do Pop. Ousadia pura. “Deixa eu chamar ele, vou chamar Michael”, disse a artista antes de cantar “Don’t Stop ‘Til You Get Enough”.

Marcelo Veronez no festival Somos Comunidade. Foto: Bendita Conteúdo & Imagem/divulgação
A vez de Marcelo Veronez
Assim que foi anunciada a entrada de Marcelo Veronez, gritos de “Veron, Veron” saíram da plateia. Um público que já esperava por ele foi a energia recebida e retribuída.
Entrega. Essa é a palavra que define Veronez no palco. Amor, paz, justiça, liberdade. Essa é a voz que Veronez entoa. Sem abandonar os gritos de luta, a performance sempre valente do artista encorajou muita gente que levantou punhos em apoio. No repertório, Marcelo Veronez apresentou um misto de seus últimos trabalhos, conectando o show “Não sou nenhum Roberto”, com clássicos do Rei, ao disco autoral “Narciso deu um grito”, além de algumas experimentações inéditas.
Intérprete conectado ao teatro e à música, Veronez levou ao palco um show vibrante, e cheio de energia. Caiu no chão em um solo de guitarra, jogou papeis de cartas. Em síntese: se jogou.
O gingado e estilo que facilmente lembra Ney Matogrosso, não é problema pra ele. No ano passado, eles se encontraram, mas não teve muita conversa. O que explica uma vida pessoal reservada e tímida. “Eu sou uma pessoa tímida, por incrível que pareça. Ele também. Juntos não conseguimos desenvolver muita coisa nas nossas ‘timidezes’. Ele é um artista de referência, só por isso eu já fico muito satisfeito com a comparação”, disse em entrevista, apesar de não concordar com muita semelhança, garante que muitas pessoas fazem a associação.
Sobre o projeto Somos Comunidade, Veronez contou do prazer em participar. “Esse projeto é muito lindo. Centenas de pessoas em harmonia, vindas de lugares completamente diferentes, situações econômicas e sociais completamente diferentes”, defendeu. “Não dá pra ficar gente ficar brigando entre si, enquanto a galera que tem o poder se refestela com o nosso dinheiro, nosso suor do trabalho”, completou.
Versatilidade de Pedro Morais
Pedro Morais se apresentou no anoitecer. O céu estava em transformação e alinhado ao seu show que mesclou canções de seus três álbuns, com destaque para o mais recente, Vertigem (2013). Sendo assim, seguindo a linha dos inrotuláveis, Pedro Morais é figura já conhecida no cenário independente da música e mostrou seu jeito inquieto, com letras contundentes, caminhando livre na busca por sua sonoridade subjetiva.
Na bagagem, Morais tem shows realizados por todo Brasil, incluindo apresentações pela Argentina e Colômbia. No parque Lagoa do Nado, um dos pontos altos foi a performance de “Sujeito de Sorte”, de Belchior. A releitura do belo-horizontino levantou o público. Um esquenta perfeito para a atração principal do festival.

Pedro Morais fez show no Somos Comunidade. Foto: Bendita Conteúdo & Imagem/divulgação
Somos feitos de sonhos
O espetáculo “Somos feitos de Sonhos”, estreou em 2018 na Praça Duque de Caxias, e foi um sucesso. Neste ano, voltou mais estruturado e com a mesma emoção. O elenco é composto por cerca de 400 artistas profissionais e amadores que integram os projetos socioculturais realizados pelo Instituto Unimed-BH.
São crianças e adolescentes do Morro das Pedras, acolhidos pela Escola de Artes Instituto Unimed-BH, viabilizada pelo Instituto Unimed-BH em parceria com o Grupo Cultural Arautos do Gueto e Núcleo Artístico. O projeto, que acolhe também crianças especiais, oferece balé, percussão e danças urbanas no Aglomerado Morro das Pedras. O espetáculo é o resultado de meses de aprendizado e ensaios.
Além de fazerem shows separadamente durante o Festival, os músicos Marcelo Veronez, Pedro Morais e Adrianna Moreira também integram o elenco do espetáculo, ao lado de Maurício Tizumba, um dos principais parceiros do Instituto Unimed-BH. O repertório teve canções como Passarinhos (Emicida e Vanessa da Mata), Felicidade (Marcelo Jeneci), Semente do amanhã (Gonzaguinha), Além do horizonte (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), Paciência (Lenine), Pescador de ilusões (O Rappa), Andar com fé (Gilberto Gil).
Reconhecimento
Familiares e amigos de alunos que estavam presentes conseguiram assistir o resultado da dedicação em acreditar nos sonhos. É o caso de Cláudia Regina Martins Ferreira, de 44 anos. A auxiliar educacional chegou cedo para garantir o primeiro lugar na fila e conferir a apresentação das filhas: Isabela, de 10 e Camila, de 12. As duas fazem balé no projeto.
“O projeto pra gente no Morro das Pedras foi um divisor de águas. Pra mim, como mãe, foi uma coisa muito importante. Eu falo que a Isabela estava em um casulo e virou uma borboleta”, contou Cláudia, que disse que o projeto se define em disciplina e responsabilidade.
Cláudia conteve a emoção ao reconhecer que o projeto é uma segunda família para as filhas. “Eu agradeço muito aos professores. Eles acolhem as crianças e graças ao projeto elas conseguiram também bolsa no Núcleo Artístico. Sou muito grata por tudo. É uma oportunidade ímpar pra todo mundo do Morro das Pedras”, agradeceu.
A mãe das bailarinas reuniu a família para prestigiar o festival. Dessa maneira, Cláudia foi com a irmã, a mãe e os sobrinhos. “Eu não conhecia esse parque, pra gente foi uma tarde maravilhosa. Prestigiar minhas filhas, chorar porque mãe chora e aproveitar. É um espaço muito bom pra família toda”, disse.

Cláudia Regina Martins Ferreira, 44 anos (centro), auxiliar educacional foi ao festival com a irmã, Lilian Martins, de 39 (a esquerda), a mãe, de 75 (a direita) e os sobrinhos, Isac, de 5 (centro), e Davi, de 2 (a esquerda). Foto: Bendita Conteúdo & Imagem/divulgação
Chama o Síndico: Carnaval na Primavera
Para finalizar com chave de ouro, foram reabertas as portas do carnaval. A banda do bloco Chama o Síndico apresentou o show “Um dia eu chego lá”. O grupo, criado, em 2012, a partir do bloco de Carnaval homônimo, fez adaptações de clássicos de Tim Maia e Jorge Ben Jor, com arranjos autorais e sotaque bem brasileiro.
A banda promoveu uma mistura rítmica capaz de não deixar ninguém parado. As cadeiras deram licença para os pulos da plateia ao som da bateria da pesada que se juntou a cordas, metais e um trio vocal potente.
Teve gritos de “Não é Não”, e pedidos de “mais um, mais um” sempre que a banda anunciava a última música. Foram três últimas músicas, chamada por eles de “saideiras”. Tudo isso porque o público não queria ir embora.
O show não economizou no espírito carnavalesco de Belo Horizonte. Chama o Síndico levantou poeira – literalmente – ao som de Tim Maia. E assim encerrou o festival. “Foi de graça mesmo?”, alguém da plateia perguntou, admirado com a qualidade da programação.
Diversão para todos
Além dos shows, o festival Somos comunidade ainda teve espaço para crianças de todas as idades se divertirem. Foram diversas oficinas, brincadeiras, e atividades de esporte e de lazer. O festival também seguiu a moda dos espaços ‘instagramáveis’ e separou pelo menos três estruturas que tiveram até fila para fazer foto. Aliás, quem não gostaria de guardar uma lembrança de um dia tão fantástico, não é mesmo?
A estrutura e organização do festival foi admirável para quem estava lá. A começar pela ocupação de um parque municipal fora da faixa Centro-Sul de BH, como o de costume em eventos na capital. Teve segurança com a Guarda Municipal, assistência médica com médicos da Unimed, barraquinhas de comida e bebida com oferta diversificada. No palco, a cenografia, figurino, imagem, som e luzes fizeram um dia transformador.
Pluralidade
O evento foi uma mistura de gentileza e respeito às diferenças. Essa foi a mensagem que o público recebeu e retribuiu. Juntos presentearam o festival com um ambiente plural e libertador.
Com uma chamada de “evento para todos”, o compromisso com a acessibilidade foi cumprido. Teve espaço para cadeirante, banheiro químico acessível e dois intérpretes de libras nem um pouco convencionais. Eles se revezaram e, além de traduzir o que era dito, mexeram o quadril e também divertiram o público.
A blogueira e influenciadora digital Laura Martins, de 50 anos, referência quando o assunto é acessibilidade, fiou satisfeita com a preocupação da organização. “Tinha tudo para oferecer conforto a quem estivesse participando. Recebi total atenção. Essa acessibilidade atitudinal é muito importante para suprir a deficiência do local onde o evento é realizado pra gente ter conforto, segurança e máximo de autonomia possível” elogiou, fazendo referência à falta de preparação do parque.
A autora de Cadeira Voadora ainda contou que, quando viu a divulgação do festival, não imaginava que seria tão bom e com tanta qualidade. “Eu não conhecia esse trabalho do Instituto Unimed. Achei fantástico, transformador e a forma como isso subiu pro palco foi extremamente feliz”, aprovou. Laura ainda contou que a emoção foi grande durante o espetáculo ‘Somos feitos de sonhos’. “O músicos escolhidos foram maravilhosos. Com destaque imenso para Gilvan e Tizumba. Foi muito emocionante. Chorei diversos momentos no espetáculo. Tudo muito bonito, bem feito, de bom gosto”, ressaltou.
Confira uma cena do show
O evento tem direção-geral de Lilian Nunes, direção musical e artística de Gilvan de Oliveira e direção de cena de Inês Amaral. Também integram o grande elenco artistas dos grupos patrocinados pelo Instituto: Orquestra Sinfônica de Betim e Sociedade do Riso; grupos parceiros: Cia Masculina e Mira, do Núcleo Artístico/Camaleão Grupo de Dança; grupos de médicos cooperados e colaboradores da Unimed-BH: Coral Unimed-BH, Bloco Saúde e Dança a Dois. No palco, uma banda base composta por Cleber Alves (sax), Gilvan de Oliveira (violão, voz e arranjos), Gustavo Figueiredo (teclado), Ivan Correa (baixo), Maurinho Rodrigues (flauta) e Serginho Silva (percussão) acompanha toda a apresentação. O cenário virtual é assinado pela Voltz, a luz é de Vicente Baka e o figurino, do Coletivo Déplacé, sob a condução de Priscila Gouthier.