A nova edição do Sempre um Papo acontece nesta quinta-feira, a partir das 19h30, na Livraria Jenipapo
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Nesta quinta-feira, o projeto Sempre um Papo, capitaneado por Afonso Borges, assume um formato um pouco diferente do tradicional – entretanto, mantendo o mesmo espírito
Tendo como convidadas as escritoras Giovana Madalosso e Paula Carvalho, o evento acontece na Livraria Jenipapo, na Savassi, a partir das 19h30.
Vale lembrar que, recentemente, como noticiado por alguns veículos, o espaço foi invadido durante a noite por ladrões, que levaram um notebook, uma caixa de som e outros pequenos objetos.
Todavia, ao anunciar o ocorrido no perfil da livraria no Instagram, um dos proprietários, Frederico Pinho, resolveu ficcionalizar o evento com a inserção de alguns títulos de livros, como “Tudo Pode Ser Roubado”, de Giovana, e “Direito à Vagabundagem”, de Paula, que, brincou, no post, teriam sido também levados. E, consequentemente, o episódio deu o que falar.
Na Jenipapo
O escritor e jornalista Afonso Borges, gestor do Sempre um Papo, logo teve a ideia de reunir as duas escritoras para uma edição do projeto, que, deste modo, em resumo, não terá como foco um lançamento específico.
O livro de Giovana Madalosso citado por Frederico, da Livraria Jenipapo, na postagem, foi lançado pela editora Todavia em 2018. Em 2020, a mesma casa editorial publicou, dela, “Suíte Tóquio”.
Já o de Paula Carvalho, “Direito à Vagabundagem”, é do ano passado, e foi lançado pela Editora Fósforo.
Por serem duas autoras, o Culturadoria resolveu enviar as mesmas perguntas a ambas as convidadas desta edição do Sempre um Papo. E as respostas – ricas que só – mostram, em suma, o quanto o bate-papo desta quinta-feira à noite certamente será saboroso (para dizer o mínimo).
Confira, a seguir, um perfil em resumo das duas e, logo depois, as respostas
Giovana Madalosso
Nascida em Curitiba, em 1975, Giovana Madalosso é escritora, roteirista e jornalista. Ela é também autora do volume de contos “A Teta Racional”, finalista do Prêmio Biblioteca Nacional, e “Suíte Tóquio”. Giovana é, ainda, uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.
Paula Carvalho
Paula Carvalho é historiadora, jornalista, editora da revista Quatro Cinco Um e colaboradora do blog da editora Tabla.
Ela é mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF).A gênese de tudo
Entrevista
Inicialmente, gostaria de saber como nasceu, na mente de vocês, a história dos livros que as trazem nesta quinta-feira a BH, para participar do projeto Sempre um Papo
Paula Carvalho. “Direito à Vagabundagem” é um livro de não ficção que surgiu da minha pesquisa de historiadora com viajantes disfarçados. É sobre a viajante suíça Isabelle Eberhardt (1877-1904), que se disfarçava como um estudante muçulmano árabe chamado Mahmoud Saadi. E assim ela viajou por países como a Tunísia e Argélia durante o período do colonialismo francês.
Ela vivia, então, ao mesmo tempo como Isabelle e como Mahmoud – inclusive com seu companheiro, o oficial argelino Slimène Ehnni.
Era escritora também e, assim, ao longo da sua breve vida (morreu aos 27 anos, afogada, em decorrência das nas inundações ocorridas em Aïn-Sefra), escreveu desde contos de ficção e relatos de viagem a cartas e um romance inacabado.
Liberdade
Paula. Eberhardt viveu a liberdade das formas mais extremas possíveis, defendendo primeiramente o “direito à vagabundagem”. Assim, o direito a vagar como nômade por aí, sem ficar preso a qualquer tipo de fronteira.
O livro é dividido em duas partes. Primeiramente, quatro ensaios de minha autoria, um de cunho autobiográfico, outros dois analisando as identidades de etnia e de gênero que assumiu.
E, no último, mostro como seus escritos foram apropriados, após sua morte, pelo editor Victor Barrucand. Ele modificou seus manuscritos e criou uma personagem de uma nômade sedutora e exótica, ao gosto do público francês dos anos 1930.
A segunda parte é formada por uma seleção de textos que ela mesma escreveu em francês. Esses foram belamente traduzidos por Mariana Delfini. O conjunto traz vários gêneros textuais pelos quais percorreu.
Livros raros
Giovana Madalosso. Geralmente, um romance nasce da amarração de diversas pontas. São ideias que vão aparecendo ao longo de um período de tempo e que geralmente o romancista amarra depois. Todavia, é um processo que às vezes pode durar dias, meses ou até anos.
No caso de “Tudo Pode Ser Roubado”, foi um processo de anos, já que foi há quase duas décadas que, estando em Portugal, meio por acaso caí num alfarrabista. Um negociador de livros raros.
E, ali, descobri que a primeira edição de algumas obras tinha um valor muito alto. À época, a primeira edição de “Dom Quixote” estava sendo negociada por 500 mil euros.
Se não me engano, a de “Os Luzíadas” estava a 200 mil euros. E eu fiquei muito intrigada naquele dia, pensando em quem comprava aquelas obras.
O que, especificamente, te intrigou?
Giovana. É que, ao contrário de outras peças de arte, como quadros ou esculturas, pelas quais um colecionador paga uma fortuna, mas pelo menos pode contemplá-las, esses livros raros, essas primeiras edições costumam já chegar muito danificadas, com a costura soltando.
Então, não dá nem pra manusear um livro desses. E fiquei com isso na cabeça. Com essa pergunta: Quem será que compra isso? Muitos anos depois, fui morar em São Paulo. Um dia, achei, na minha gaveta, uma história que acabei tirando fora do meu livro de contos. Achei que ela não cabia, inclusive por uma questão de tamanho. Mas este conto tinha uma narradora que achava muito interessante: uma garçonete que roubava objetos de luxo.
Assim, pensando em usar essa garçonete em um romance, eu pensei que que ela poderia roubar algo além desses pequenos objetos. E, assim, amarrei isso com aquela velha ponta que trouxe de Portugal. Pensei: ela pode roubar um livro raro.
Assim, esse romance nasceu primeiramente disso. Da minha vontade de falar sobre o acúmulo de coisas materiais, sobre esse mundo com qual me deparei quando eu morei em são Paulo, que é uma cidade onde as pessoas ganham muito dinheiro.
E, assim, as pessoas têm muitas coisas, mas, mesmo acumulando e obtendo conquistas profissionais, parece que há um vazio existencial que nunca se extingue, né? Uma insatisfação que nunca se extingue.
Reflexões
Por meio da história que contam, que temas são abordados nestes dois livros de vocês? Há, na narrativa, algumas questões sobre as quais ensejam que o leitor reflita?
Giovana. “Tudo Pode ser Roubado” é um livro que nasce desse questionamento que citei. Do acúmulo material. E também é um livro para falar que tudo pode ser roubado, né? Que a gente, na verdade, no fundo acha que possui algumas coisas. Mas nós somos muito frágeis, no fundo, nós não temos nada, né? A gente pode perder tudo a qualquer momento, se é que de fato algum dia a gente possuiu alguma coisa.
Paula. “Direito à Vagabundagem” trata, ao final, sobre liberdade, nas suas mais diversas facetas. Assim, a liberdade de ir e vir, liberdade para ser quem se quer ser, para ser quem se é, não importando o corpo, a origem com que nascemos.
Claro que isso é contextualizado no livro, trazendo as complexidades do caso específico de Eberhardt. Para mim, ela é tão transgressora até hoje porque parece sempre ter recusado qualquer tipo de rótulo.
Acho admirável isso, ainda mais para uma mulher na virada do século XIX para o XX.
Feedback
Como foram, e têm sido, os feedbacks sobre estas obras, em particular?
Paula. Primeiramente, devo dizer que “Direito à Vagabundagem” é um livro de nicho, não tem pretensões de ser best-seller, além de ser o meu primeiro livro e de eu não ser muito conhecida.
Dito isso, ao meu ver, o livro tem vendido bem. As pessoas ficam intrigadas com o título e a capa, feita pela Tereza Bettinardi, e, daí, ficam ainda mais perplexas ao descobrirem a história de Isabelle Eberhardt.
Muitas não acreditam que ela tenha realmente existido ou que a vida dela tenha se passado do jeito que passou, pois é muito dramática e trágica.
Giovana. A resposta ao livro foi muito boa. “Tudo Pode Ser Roubado” foi o meu primeiro romance e foi muito bem vendido no Brasil. Aliás, os direitos foram vendidos para cinema. É um livro que também já foi lançado em Portugal. Enfim, uma obra que me trouxe muitos leitores.
E também preparou os meus leitores para chegada de “Suíte Tóquio”, meu segundo romance. Aliás, esse último é até um romance de mais sucesso, mas há muitos leitores que realmente preferem “Tudo Pode Ser Roubado”. Gente que ama a narradora dele e que não o troca pelo outro de forma alguma.
Assim, eu acho que “Tudo Pode Ser Roubado” já entra, dentro das minhas obras, como um romance quase cult. Primeiramente, essa personagem estranha, essa temática enviesada. Um livro da noite. Um livro mais soturno. Eu acho que é esse o lugar que ele ocupa hoje.
Projetos
Em que projetos trabalham atualmente?
Giovana. Olha, atualmente eu estou envolvida em vários projetos. Estou escrevendo um novo romance. Também sou colunista da “Folha de S. Paulo”, onde escrevo uma crônica semanalmente, o que às vezes acaba tomando um pouquinho da minha energia.
Também sou uma das organizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras, que, de um ano pra cá, fotografou 2.250 mulheres em 50 cidades do Brasil e do mundo. Uma das atividades que eu faço hoje é preparar a celebração disso.
Vamos lançar um livro de fotos, agora, na metade do ano, com o material de todas essas milhares de escritoras e um podcast narrativo para contar não só a história desse movimento, mas também mostrar para o Brasil que a gente tem uma literatura riquíssima, feita por mulheres – inclusive fora do eixo Rio-são Paulo.
Mulheres que a gente nunca ouviu falar, que estão produzindo no Brasil inteiro e que merecem, muito, ser lidas.
Paula. Muitos. Sou editora de podcasts da revista Quatro Cinco Um, para a qual escrevo ainda de vez em quando. Sou editora da Tinta-da-China Brasil, selo editorial da Associação Quatro Cinco Um. E também sou colaboradora do blog da editora Tabla, que trabalha com literatura árabe e temas ligados ao Oriente Médio e ao Islã, que são pautas que me interessam.
Terminei agora uma tradução do inglês para a editora Âyiné, de um livro de um grande historiador contemporâneo, pouco conhecido no Brasil: o indiano Sanjay Subrahmanyam. Também faço a mediação, junto com a escritora Ana Rüsche, do Leituras Extraordinárias, um clube de leitura voltado a “livros estranhos”. E, junto à Giovana Madalosso, minha companheira neste Sempre um Papo, trabalho no movimento Um Grande Dia para as Escritoras.
Neste ano, vamos lançar um livro e um podcast em torno do aniversário de um ano do projeto, além de site, exposição, prêmio…
Encontro com leitores
Na opinião de vocês, que caminhos o Sempre um Papo, que acontece nesta quinta, em BH, vai percorrer?
Paula. Acho que podemos falar sobre o ato de caminhar, vagabundear por aí, algo que está presente em Eberhardt e na protagonista Rabudinha, de “Tudo Pode ser Roubado”; assim como tratar de identidades de gênero tanto de Eberhardt quanto da personagem Tiana, amiga de Rabudinha, do livro da Giovana Madalosso.
Tiana fala em algum momento que não vê porque precisa se definir como homem ou mulher, porque a sociedade exige isso, é algo que conversa diretamente com a experiência de Eberhardt. A invisiblização de figuras históricas femininas, escritoras e até personagens ficcionais.
Também seria legal conversar sobre a escrita feita por mulheres, tanto na ficção quanto na não ficção, para desembocar no Grande Dia para as Escritoras, movimento que Giovana e eu organizamos e que trata justamente desse tema.
Giovana. Ah, eu não faço ideia para onde vai o bate papo vai nos levar. Eu acho que certamente passaremos pelas questões literárias, mas o Afonso é um homem muito livre, com senso de humor bastante afiado, e eu espero ser surpreendida por esse Sempre um Papo que é sempre um papo também é sempre um papo diferente.
Serviço
Sempre Um Papo recebe Giovana Madalosso e Paula Carvalho
Dia 11 de maio, quinta-feira, às 19h30
Local: Livraria Jenipapo (R. Fernandes Tourinho, 241, Savassi)