
Andréa Horta no filme Elis. Crédito: André e Carioba
É muito delicado escrever sobre um filme para o qual já existia expectativa. A experiência diante de Elis, cinebiografia dirigida por Hugo Prata sobre a cantora brasileira não escapou desse julgamento implacável. Esperava ver algo mais intenso e mais fiel do que imagino ter sido Elis Regina.
O desapontamento não tem nada a ver com o trabalho da atriz Andrea Horta e do elenco em geral, da recriação da época, a direção de arte, o figurino ou a fotografia. De que valem estes elementos impecáveis se o roteiro é superficial? Sim, o roteiro de Elis, o filme, é fraco. Não consegue dar conta do que aquela mulher foi e representa.
A própria Elis Regina se apresentava como “a maior – e menor ao mesmo tempo – cantora do Brasil.” Sinal de que humor também não faltava à artista conhecida pelo talento, claro, mas também pelo temperamento difícil, a personalidade forte, e uma obra insuperável.
Uma condição para ver Elis como uma personagem rica em nuances é se distanciar do mito. Fazer escolhas, em sua maioria, delicadas. O diretor Dennis Carvalho se aproximou bem mais disso no musical que circulou o País, batizado apropriadamente de Elis, a musical.
O longa tem lacunas. É um filme sobre o ícone da música popular brasileira ou sobre a mulher (suas inconstâncias, inseguranças) que deu vida a ele?

Elis foi dirigido por Hugo Prata. Crédito: André e Carioba
O roteiro de Elis não responde a essa pergunta. Assim, a produção de quase duas horas, fica no meio termo na tarefa de retratar um período histórico da cultura brasileira e ao mesmo tempo mergulhar nos conflitos pessoais da artista.Não faz bem uma coisa nem outra.
No quesito histórico deixa de fora, por exemplo, o encontro com Tom Jobim para a gravação do disco Elis & Tom. Ok, a gente releva porque estamos cansados de saber que um filme não tem obrigação de dar conta de toda a biografia. Mas fica a pergunta: por que cortar logo esse episódio da carreira dela?
E a amizade – e admiração – por Milton Nascimento. Também não aparece. Se existem lacunas na linha do tempo musical, elas são bem maiores ao falar da mulher.
INTENSIDADE
O jornalista do Estadão, Júlio Maria, biógrafo de Elis Regina (ele escreveu o livro Nada será como antes) fez uma crítica muito interessante. Foi publicada na ocasião da estreia do longa no Festival de Gramado. Recomendo a leitura.
O colega é preciso: falta ao filme de Hugo Prata um pouco mais de Elis Regina de verdade. É suave demais para contar a história de uma mulher que passou muito longe disso. Elis nunca foi “soft”.
Nos restam perguntas. Muitas. A principal delas: o que levou aquela mulher a sucumbir daquela forma? Claro que não existe resposta a essa questão. Quando entrei no cinema gostaria, ao menos, conhecer suas fragilidades, suas dicotomias ainda que ficcionalizadas, afinal, é cinema. Não encontrei. Será que o problema é meu? (ehehehe).
Apesar de tudo, devo reconhecer que se trata de uma obra bem realizada em sua forma. No início a dublagem gerou estranhamento (todas as canções são interpretadas pela própria Elis) mas passou rápido. Andrea Horta surpreende como atriz, mesmo que em alguns momentos seja caricatural na construção da personagem. Destaco também o trabalho dos atores Gustavo Machado (como Ronaldo Bôscoli), Lúcio Mauro Filho (quase irreconhecível como Miele) e Caco Ciocler (como César Camargo Mariano).
De maneira geral, estou de acordo com Júlio Maria: falta mais Elis Regina a Elis.