Adaptação da série “Colônia” (disponível na Globoplay, e também dirigida por Ristum), o filme está em cartaz em BH
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Em 2021, estreava a minissérie “Colônia”, que mostrava os horrores do hospício de mesmo nome, localizado na cidade mineira de Barbacena, e que existiu por quase um século. No caso, por meio da personagem Elisa, vítima de uma internação injustificada – na narrativa, trata-se de uma garota solteira que engravida do namorado, deixando descontentes os pais, que já tinham um homem em mente como genro. Bem, mais recentemente, a minissérie (em P&B, e disponível no Globoplay) foi transformada em filme, que está em cartaz na cidade – pelo menos até está quarta-feira, dia 17, já que as salas de exibição mudam a programação na quinta-feira. O longa em questão é “Ninguém Sai Vivo Daqui”.
Mas, antes de prosseguirmos, alguns apartes se fazem necessários. André Ristum, diretor da série e do filme, explicou, no material de divulgação do longa, que sim, existem diferenças entre as duas obras. “No longa, as coisas são mais concentradas. Assim, acaba sendo mais impactante do que a série, que, no caso, vai aos poucos entrando naquele sofrimento, na dureza que é a vida daquelas pessoas. Ou seja, é uma experiência totalmente diferente, outra proposta sonora e conceitual, outra forma de entrar na história”, explanou.
Ainda de acordo com ele, no caso do filme, é possível chegar aos pontos mais fortes de maneira mais rápida. “E, também, tem cenas exclusivas, que foram feitas só para o filme. Assim, ambos contam a mesma história. No entanto, quem for ver ao filme vai encontrar uma história que, embora conhecida, aqui é contada de outra forma”, explica Ristum.
Abusos
A personagem central dessa narrativa que se passa nos anos 1970, como já marcado, é Elisa (Fernanda Marques), a jovem que está grávida. No elenco, também estão Augusto Madeira, Rejane Faria (foto abaixo), Naruna Costa, Andréia Horta, entre outros não menos importantes. Logo de início, o espectador vê Elisa perplexa por estar no manicômio. Ao adentrar a instituição, o médico que a atende de pronto diz que ela sofre de esquizofrenia, diagnóstico que Elisa refuta de forma veemente.
Pouco a pouco, o filme recria algumas das práticas abusivas que caracterizavam tais instituições, e que hoje são vistas como chocantes – tais como os banhos coletivos, nos quais aos internos, despidos, eram direcionados jatos de água por meio de mangueiras. Tal qual, o posicionamento nada empático dos funcionários. Elisa, por exemplo, tenta explicar que não precisa de medicação. Debalde. Ela acaba sendo obrigada a engolir o mesmo comprimido dado aos demais pacientes. Ou seja, o mesmo tratamento para quadros diferentes, que mereciam o diagnóstico correto e o tratamento adequado.
Aliás, no caso, à época, muitas pessoas inclusive eram internadas por motivos totalmente desvinculados da saúde mental, caso da personagem. Não bastasse, Elisa sofre outras violências, como ter os seios apalpados por um funcionário.
Conexão com figuras reais
André Ristum lembra que o livro “Holocausto Brasileiro”, da jornalista mineira Daniela Arbex, foi o calço inicial da narrativa seriada. No entanto, ele ressalva que, à época, também viajou para Barbacena, onde se conectou com várias histórias locais. “Visitei o museu (desde 1996, uma ala da edificação abriga o Museu da Loucura, voltado a não deixar que a memória daquele período de horror se esvaneça) e conversei com psiquiatras sobre o contexto da época. Também assisti a documentários, bem como acessei muitas fotos – entre as quais, algumas famosas, que saíram no (na revista) ‘Cruzeiro’ nos anos 1960. Tudo isso serviu de base para a construção de personagens ficcionais, mas em conexão com figuras reais”, salientou.
Atual, pertinente e necessário
Ristum também lembra, mesmo com a reforma psiquiátrica de 2001, o assunto ainda é pertinente. “O filme traz uma discussão que ainda é, infelizmente, muito atual e necessária”. Fato. Basta lembrar um caso recente, no funcionários de uma clínica de reabilitação para dependentes químicos praticaram tortura contra um paciente – Jarmo Celestino de Santana, 55. O caso aconteceu em Cotia, na Grande São Paulo, e ganhou repercussão na imprensa. Segundo um dos funcionários que participaram das agressões, Jarmo chegou “transtornado psicologicamente” à clínica.
Nesta semana, de acordo com o portal G1, um homem de 35 anos morreu após levar tiros de policiais militares em plena rua, em Araguaína, norte do Tocantins. Segundo a Polícia Militar, ele estava em surto psicótico. Portanto, há que se concordar com Ristum quanto à pertinência e a atualidade de filmes que abordam este viés, mesmo que se reportem a fatos passados décadas atrás.
Trajetória
O filme de Ristum estreou mundialmente na seleção oficial do Festival de Tallin Black Nights na Estônia. Depois, abriu o Festival de Brasília de 2023. Não bastasse, recentemente ganhou os prêmios de Melhor Filme e Melhor Roteiro no Social World Film Festival, na Itália. Tomara que, no Brasil, seu país de origem, faça boa carreira.
Confira, abaixo, o trailer
Serviço
“Ninguém Sai Daqui Vivo” (2023, 86 minutos)
Onde. No Una Belas Artes, às 18h40
Distribuidora: Gullane+
Classificação indicativa de 16 anos.