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“Que por você se lamente o Tigre” é retrato doloroso de um país em guerra

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Que por você se lamente o Tigre da fotojornalista francesa Emilienne Malfatto acompanha jovem iraquiana que se vê condenada à morte

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

Uma mulher está condenada à morte. Não por um tribunal. Um julgamento tão definitivo se dá dentro do seio familiar. O culpado é o amor, a entrega ao outro e o fruto desse encontro. Um crime de honra que só poderá ser limpo com um assassinato. Ela, que lida com o luto pelo homem que amou, mais uma estatística de uma guerra aparentemente sem fim, aguarda a própria morte. Mas o tempo parece estagnado. Seguimos, ao longo da leitura, na expectativa do encontro com o algoz, o irmão mais velho, a figura masculina de autoridade no lar. “Em nosso país, mais vale uma menina morta do que uma menina mãe”. “Que por você se lamente o Tigre” é o primeiro romance da francesa Emilienne Malfatto, lançado pela Editora Nós com tradução de Raquel Camargo. O livro foi vencedor do Prêmio Goncourt de primeiro romance.

Emilienne Malfatto (Foto Philippe Malfatto)
Emilienne Malfatto (Foto Philippe Malfatto)

Breve e polifônico

Apesar de breve, “Que por você se lamente o Tigre” surpreende pela polifonia. São muitas as vozes que constroem um verdadeiro mosaico tanto de uma estrutura familiar, quanto das tradições e normas que direcionam o funcionamento de toda uma sociedade, de todo um país. Além da voz da jovem protagonista enlutada, ouviremos os seus três irmãos homens, sua mãe e sua cunhada – duas mulheres para quem a submissão é a norma – , sua irmã caçula – aquela por quem se mata, para preservar sua honra – e o próprio Rio Tigre, que corta o território do Iraque, onde esta breve e intensa história se desenvolve. “Sou a testemunha silenciosa dos juramentos e dramas que se encenam em minhas margens. Esta história também acabará mal. A morte chegará a tempo”.

Escrita a partir do fotojornalismo

A experiência de Emilienne Malfatto como fotojornalista em um Iraque em guerra adiciona uma camada de profundidade na narrativa e na maneira como ela constrói suas cenas. Seu olhar jornalístico, aliado ao olhar de ficcionista, constrói cenas que parecem impressas em papéis fotográficos, em cores vivas, apesar dos tons sombrios da guerra que parecem ocupar o horizonte. O livro é, por vezes, brutal, se aproximando ao máximo de uma possível realidade, ainda que saibamos que nenhuma ficção é capaz de dar conta do horror do real.

“Que por você se lamente o Tigre” é um trabalho intenso e doloroso, onde questões como os supostos valores da masculinidade, a submissão feminina, a guerra e, não menos importante, o amor são postos em cena. Se nos atinge com a violência que estas páginas podem carregar, Emilenne Malfatto é também dotada de um profundo lirismo na construção desta personagem irremediavelmente atingida pela marca da morte. 

Que por você se lamente o tigre (Editora Nós)
Que por você se lamente o tigre (Editora Nós)

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Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

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