
Teuda Bara, nos ensaios de "Quando a Noite Chegar", com Bárbara Amaral e Alexandre Cioletti (foto Flavia Canavarro/Divulgação)
Em exibição neste final de semana na Funarte MG, “Quando a Noite Chegar” aborda o convívio com a sensação de finitude e o etarismo
Patrícia Cassese | Editora Assistente
O diretor Carlos Gradim conta que o marco zero do projeto de “Quando a Noite Chegar”, montagem teatral que estreia nesta sexta-feira, dia 1º, no palco da Funarte MG, emergiu ainda durante a etapa inicial da pandemia do novo coronavírus. “E a partir de uma experiência real, vivida com minha mãe, que ficou bastante debilitada. À época (início de 2020), ela já estava com cem anos, e, como moro em São Paulo, tivemos uma certa dificuldade de comunicação. Os familiares que moram em BH, claro, não podiam mais visitá-la (no advento do isolamento). E ela, por sua vez, não conseguia, por exemplo, enquadrar bem o celular (para eventuais chamadas de vídeo). Aos poucos, também ficou perceptível que era como se ela misturasse, em sua mente, ficção e realidade”.
A chama, pois, se acendeu neste momento: um texto que discutisse “o que é realidade e o que é ficção” nos tempos atuais. O passo seguinte, lembra Gradim, foi convidar o amigo Edmundo de Novaes Gomes para assinar a dramaturgia. Com apresentações também no sábado e no domingo, nesta primeira rodada, “Quando a Noite Chegar” traz ninguém menos que Teuda Bara à frente de um elenco integrado, ainda, por Bárbara Amaral e Alexandre Cioletti. Mas não só. O espetáculo leva ao palco, ainda, hologramas de artistas do naipe de Rogério Falabella, Ione de Medeiros, Camille K, Wilma Patrícia, Aruana Zambi, Amir Haddad e da própria Teuda, que, por seu turno, dão depoimentos pessoais. Em comum, o fato de todos, hoje, estarem com mais de 70 anos de vida.
Teuda “hologramada”
O espetáculo “Quando a Noite Chegar” , como a sinopse adianta, aborda o etarismo e a finitude, “trazendo temas como continuidade e descontinuidade, o efêmero e o eterno, o que dura e aquilo que nos escapa entre os dedos”. “Todo o processo, na verdade, começou a partir de uma escuta, com esses vários artistas brasileiros, mesmo sendo Teuda a única que está tanto em cena como ‘hologramada’. Inclusive, há um momento em que ela conversa consigo mesma”, diz Gradim.
A encenação, prossegue o diretor, é um recorte entre a conversa estabelecida pela personagem de Teuda Bara, que está confinada em uma cama, com os dois filhos. “A personagem está, vamos dizer assim, em um momento de despedida da vida. E, diante dos filhos, traz de volta algumas memórias. Trata-se de recortes das entrevistas hologramadas que, de alguma forma, assim, constroem a dramaturgia”.
Homenagem ao teatro. E aos artistas
Sendo assim, “Quando a Noite Chegar” trasmuta-se em um espetáculo que é uma grande homenagem ao teatro e, principalmente, aos artistas. “Esses sonhadores que se reinventam ao longo de sua existência, e que, quando vai chega a idade, seguem com esse desejo imenso de seguir em cena, mas lidando com as limitações que a velhice trás”, explana Gradim. “E, ainda, com o diálogo com um tempo novo, tecnológico. Um tempo que, de alguma forma, descortina, sim, um mundo de possibilidades, mas que também cria limitações”, emenda, referindo-se às por vezes inerentes dificuldades de interação com este novo mundo, devido mesmo à falta de familiaridade.

“Veja, em um momento que se fala tanto de metaverso, surgiu a ideia de abordar esse lugar do idoso lidando com a tecnologia, com esse mundo novo que surge. Do mesmo modo, com a questão do etarismo e da consciência da finitude, de estar inclusive com algum sentimento de finitude, de proximidade da morte. Não bastasse, no caso da pandemia, de ainda estar confinado”, exprime-se Gradim, sobre “Quando a Noite Chegar”.
Escuta sensível
Perguntado sobre o ensejo de convidar Edmundo de Novaes para firmar a dramaturgia de “Quando a Noite Chegar”, Gradim é cirúrgico. “O Edmundo é um irmão que a vida me deu. E um artista, um escritor maravilhoso. Na verdade, vejo-o como um dos autores mais criativos que conheço. A gente já fez alguns trabalhos juntos. Aliás, ele estreou na dramaturgia comigo, fazendo ‘The Addams’. Depois disso, fizemos vários outros trabalhos. Então, (o convite) é até pela generosidade do Edmundo, pelo quanto ele demonstra ser colaborativo, o quanto consegue ter uma escuta muito sensível e, se necessário, refazer o texto, ir construindo junto. Era o que esse trabalho pedia”.
Gradim esclarece que foram inúmeras versões do texto de “Quando a Noite Chegar”. “Inclusive, a partir da chegada da Babi Amaral, do Alexandre Cioletti e da Teuda, mesmo já com o texto em mãos, a gente fez várias modificações, ajustes. Então, o Edmundo soma muito bem. É lindo o trabalho dele, e é um parceiro, né? Um parceiro de vida e um parceiro profissional de longa data”.
Teatro em Movimento
Já no que tange à inserção dos hologramas, Gradim volta novamente à etapa inicial da pandemia da Covid-19 no Brasil. “Quando o (projeto) Teatro em Movimento, a partir da (curadora e coordenadora) Tatyana Rubim, cria inclusive várias oficinas para a gente entender como lidar com aquele momento”. Trocando em miúdos, como criar encenações “que bebessem muito na fonte das das técnicas teatrais, mas que, ao mesmo tempo, pudessem migrar para as artes visuais”.
“Para o mundo da virtualização. Então, a ideia inicial, inclusive, era a de que esses atores, a partir dos depoimentos, estivessem em cena. Aí, na ficção, seria criado um texto ficcional com o qual eles conversassem. Assim, cada um deles ia conversar consigo. Só que, ao longo do processo, isso foi sendo remodelado. E aí, hoje, a gente cria, na verdade, uma conversa. Entre essas projeções hologramadas e a Teuda Bara”, pormenoriza o diretor de “Quando a Noite Chegar”.
Assim, Teuda Bara cumpre esse lugar inicialmente pensado. “E é genial ter uma artista como a Teuda. Uma artista inquieta. Uma mulher que, apesar de todas as limitações da idade, tem um vigor, um desejo, uma alegria de estar em cena. É muito bonito de se ver”. Impossível pensar que a impressão que o público terá, ao fim do espetáculo “Quando a Noite Chegar”, será diferente da manifestada por Gradim. E viva Teuda (e todos os seus colegas citados na matéria)!
Produção digital
O espetáculo “Quando a Noite Chegar” faz parte da programação do CenaWeb, eixo do Festival Teatro em Movimento Digital, criado em 2020, com o objetivo de trazer a linguagem teatral para o digital, como alternativa para manter as artes cênicas em exibição durante a pandemia. Dessa forma, o espetáculo também será transmitido na web, permitindo ao público ter as duas experiências, online e presencial, no teatro.
Serviço
Teatro em Movimento apresenta “Quando a Noite Chegar”
Quando. Estreia nesta sexta-feira, dia 30 de junho, com sessões também nos dias 1º e 2 de julho. Sexta e sábado, às 20h e domingo, às 19h
Onde: Funarte (Rua Januária, 68, Centro)
Ingressos: gratuito com retirada de ingressos pelo link: https://www.sympla.com.br/quando-a-noite-chegar__2045422
Alguns ingressos ficarão disponíveis também na bilheteria do teatro com retirada a partir de 1 hora antes do início das apresentações.
Classificação: 12 anos
Duração:50 minutos