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Teatro

Por que não vivemos?: um ponto de vista sobre a nova peça da Cia Brasileira

Por que não vivemos?, peça da Cia Brasileira, está em cartaz no CCBB-BH até o dia 18 de novembro

Projeções em Por que não vivemos? . Foto: Nana Moraes/Divulgação

A provocação filosófica que o título da nova montagem da Cia Brasileira de Teatro faz é instigante. Ela vem de um dos embates entre o personagem Platonov (Rodrigo dos Santos) e Sofia (Josi Lopes). É ele, figura um tanto controversa, quem questiona: por que não vivemos como poderíamos ter vivido?

Ao escolher a expressão conjugada no futuro do pretérito do indicativo como nome da peça, o diretor Marcio Abreu e sua equipe acabam fazendo, também, um alerta sobre o papel do passado (ou do presente) na definição do futuro.

Entendo esse como um questionamento bem elástico. Serve para falar das escolhas pessoais, profissionais, os caminhos que pretende – ou pretendia – seguir. O que se planejou e o que de fato se construiu. É claro que nessa elaboração há uma boa dose de interpretação pessoal já que não se trata de uma peça de fácil decodificação.

O espetáculo está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte até o dia 18 de novembro. O elenco é formado por Camila Pitanga, Cris Larin, Edson Rocha, Josi Lopes, Kauê Persona, Rodrigo Bolzan, Rodrigo Ferrarini e Rodrigo dos Santos. Em resumo: eles interpretam amigos ou apenas conhecidos que se reúnem para uma noite de réveillon. O que era para ser festivo, acaba se tornando um momento em que as hipocrisias vêm à tona.

Confira o podcast com Camila Pitanga, Josi Lopes e Márcio Abreu:

Tchekhov

O texto da montagem vem de Platonov (sim o nome do personagem), a primeira peça escrita por Anton Tchekhov, por volta de 1880. Sendo assim, ele tinha 18 anos na época, tentou montar, não conseguiu e guardou. Isso diz um pouco sobre a qualidade do texto em si. A história foi encontrada anos depois da morte dele.

Quem conhece a obra de Tchekhov consegue perceber a partir de Platonov uma nítida expansão da linguagem do autor. Inclusive em termos qualitativos. Para mim, em textos como As três irmãs e Tio Vânia, por exemplo, ele atingiu o ponto alto.

No programa da peça, Marcio Abreu diz que o escritor russo sempre foi para ele uma fonte de aprendizado assim como – novamente – “de expansão de linguagem”. Dessa maneira, tal frase me ajudou a entender o resultado do que foi construído no palco.

Ou seja, apesar da provocação filosófica, a peça me transportou para um lugar mais racional não tanto do tema, mas da forma. Vi ali, um nítido e constante exercício de linguagem da encenação teatral. Um cultivo do ofício da direção, embora haja também, claramente, pesquisas na interpretação.

 

Cena de Por que não vivemos?. Foto: Nana Moraes/Divulgação

 

Elementos recorrentes   

Quem acompanha a recente trajetória de Marcio Abreu vai encontrar em Por que vivemos? uma série de elementos que tem marcado presença constante nos trabalhos dele.

O primeiro a chamar minha atenção foi a mesa. Em Nós (2016), montagem do Grupo Galpão dirigida por ele, boa parte da trama se passa ao redor de uma mesa. Em Preto (2017), ela também está lá. Nas pesquisas para Outros (2018), também da companhia mineira, os atores fizeram uma performance pelo centro de BH carregando uma mesa. Veja o vídeo aqui!

Em determinado momento de Por que não vivemos? as situações que envolvem os personagens se repetem. Em Nós (2016) também tem isso. Ou seja, a rebobinação da vida é linguagem para Marcio Abreu?

Mistura de linguagem

No segundo ato, entram as imagens em vídeo. O recurso também foi usado pelo diretor em Preto (2017), por exemplo. Não podemos nos esquecer do som. Vozes e ruídos compõem uma paisagem sonora que fazem parte da dramaturgia. Isso também está em Esta criança, em Krum, em Nós, em Preto, em Outros. Ou seja, no teatro de Márcio Abreu.

Bem no finalzinho, aparece algo que até então ainda não tinha visto nas montagens assinadas por ele. Os atores dizem o texto puro, sem interpretação, inclusive com as rubricas. Me pareceu um elemento distanciador, bem valioso para amarrar o todo.

Será que, se entendido como um exercício de linguagem da direção teatral, Por que não vivemos? discute, no fim das contas, a própria teatralidade? Um futuro pretérito do  teatro? E mais: será que, ao se repetir, o diretor também não questiona o próprio caminho?

Bem, pelo visto, a experiência de quase três horas em Por que não vivemos? despertou muito mais perguntas. Talvez seja esse um dos lugares mais interessantes do teatro. Entre as constatações compartilhadas pelo texto, vale destacar duas. É preciso “reparar os vivos” e “movimento, gera movimento”. Seguimos.

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