
Imagem do filme "Promessas de Um Novo Mundo", que mostra a vida de meninos judeus e palestinos (Frame)
Documentários e ficções tentam mostrar um pouco mais do conflito entre judeus e palestinos que, neste mês de outubro, ganhou novos contornos
Patrícia Cassese | Editora Assistente
A eclosão do mais recente conflito entre judeus e palestinos, no início deste mês de outubro, tem gerado muita discussão nas redes. Com um saldo de mais de quatro mil mortos até agora, além de mais de 12 mil feridos, somando os dois lados; a guerra ganha, dia a dia, capítulos cada vez mais sangrentos. Episódios que deixam o resto do mundo naturalmente apreensivo quanto aos desdobramentos a curto, médio e longo prazo.
Imagens como a do garotinho palestino literalmente tremendo de medo, após o bombardeio a um hospital de Gaza, são replicadas a mancheias. Tal qual, as dos jovens que foram à rave Universo Paralello, em Tel Aviv, para se divertir e acabaram perdendo a vida. Impossível não se comover, não se deixar afetar, não torcer para que haja, se não uma solução para o conflito (algo que parece próximo ao utópico), ao menos uma maneira de fazer com que um cessar-fogo seja firmado neste momento. Com a finalidade de listar algumas produções ficcionais ou documentais que de certa forma abordam a rivalidade estabelecida entre as partes, mas sem de modo algum emitir algum juízo, o Culturadoria apresenta uma lista de cinco produções potentes. Confira!
“Uma Garrafa no Mar de Gaza” (2010)
Prestes a completar 17 anos, a adolescente Tal Livine, judia nascida na França, mas que mora em Jerusalém, lança, ao mar, uma garrafa com uma mensagem dentro. No bilhete, ela diz que gostaria que a mensagem chegasse às mãos de algum palestino, por que tem algumas questões a fazer. Nele, ela coloca o endereço eletrônico, no afã de obter uma resposta. Um grupo de jovens, morador da Faixa de Gaza, de fato encontra a garrafa na praia. Instigado, um deles – Naïm (Mahmud Shalaby) – começa a se corresponder com a garota, inclusive gastando seu dinheiro numa lan house.

No início, Naïm age de modo agressivo com Tal, mas, pouco a pouco, sucumbe ao desejo de dar sequência à correspondência, ansiando pela chegada de novas mensagens daquela a quem apelida de “Miss Paz”. Este filme encantador tem a direção de Thierry Binisti, que também assina o roteiro, junto a Valérie Zenatti. Valérie, aliás, é a autora do livro no qual o filme se baseia, que foi lançado no Brasil e é facilmente encontrável.

“Israel, Uma Terra Duplamente Prometida” (2018)
A segunda parte do documentário inédito “Israel, Uma Terra Duplamente Prometida” (foto abaixo), que vem sendo exibido no Curta!, começa a partir da independência de Israel (1948). O filme leva os espectadores a um período crítico da história da região, após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel ocupou os territórios palestinos da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental. Produzido pela Arte France e pela Roche Productions, o filme tem direção de William Karel e Blanche Finger.

A produção ouviu historiadores, especialistas israelenses, palestinos e pessoas que viveram naquela época, que relembram como a guerra pegou a todos de surpresa. Tanto israelenses quanto palestinos acreditavam que a ocupação seria temporária, um prelúdio para futuras negociações de paz. O processo intensificou-se com o tempo, tornando-se um fator complicador no processo de paz. Pode ser acessado no Curta!
“Nascido em Gaza” (2014)
O documentário pode ser acessado na Netflix, porém, ainda está sem legendas em português. Já de pronto, prepare o lenço de papel. Por meio de várias crianças que, como o título indica, nasceram em Gaza, o filme traz histórias emocionantes. Como a do garotinho Mohamed, que abandonou a escola para ficar recolhendo resíduos plásticos em um lixão. Ao fim de um dia de jornada ele consegue algo em torno de um euro. Mohamed fala sobre o risco de encontrar bombas em meio ao lixão.

Udai, por seu turno, conta que o pai tinha uma fábrica de refrescos, que foi atingida pelos bombardeios. Ele, inclusive, viu o irmão de 22 anos ser morto. Mahmud transita por escombros e se detém ao lado de um camelo morto, em decomposição. Estilhaços de um míssil atingiram a garotinha Sondos na barriga. “Me saltaram as tripas”, conta ela, que perdeu a consciência. No hospital, lhe contaram que chegou a ter duas paradas cardíacas. Bisan perdeu os pais em um ataque. O pai de Rajaf era condutor de ambulância e levava feridos quando um míssil atingiu o veículo.


A voz narrativa lembra que 80% das pessoas que vivem na Faixa de Gaza dependiam de ajuda humanitária naquele 2014.
“The Bubble” (2006)
O filme “The Bubble”, de Eytan Fox ousa ao retratar a relação que se estabelece entre um judeu, Noam (Ohad Knoller), que mora em Tel Aviv, e um palestino, Ashraf (Yousef Sweid). O primeiro é um jovem reservista israelense que trabalha em um posto de controle, quando assiste a uma cena que o marcou para sempre. Neste momento, Ashraf também está no local. Ao terminar o serviço militar, ele passa a dividir um apartamento com dois amigos, Yali (Alon Friedman) e Lulu (Daniela Virtzer).

Um dia, Ashraf vai ao apartamento do trio, para devolver o passaporte de Noam, que ele havia deixado cair justamente no citado posto de controle. Na sequência, Ashraf vai morar com eles. Não bastasse, passa a trabalhar no restaurante de Yali como judeu, sob o nome de Shimi. Isso porque, evidentemente, ele não poderia ser abertamente gay nos territórios palestinos. Em contrapartida, Tel Aviv é uma cidade mais cosmopolita.
No entanto, um dia, o namorado de Lulu o reconhece como palestino. A situação se complica ainda mais quando o cunhado de Ashraf, que pertence ao Hamas, descobre a homossexualidade do irmão da noiva dele. Ao mesmo tempo, uma rave anti-ocupação está sendo preparada. Tal qual, um atentado. Um filme forte, fortíssimo, que não deixa o espectador impassível nem que este quisesse.
“Promessas de um Novo Mundo” (2001) – YouTube
O documentário de Justine Shapiro, BZ Goldberg e Carlos Bolado foi filmado entre 1997 e o verão de 2000, ou seja, antes de uma nova Intifada (revolta palestina) que teve início logo depois. Portanto, em um tempo “de relativa tranquilidade”, como é dito no início. Goldberg é o narrador da iniciativa. Assim, logo no início, ele fala de sua infância “normal”, lembrando, porém, que, no Oriente Médio, este “normal” significa “conviver com a guerra” o tempo todo.
O cineasta conta que sempre soube que as crianças teriam algo a dizer sobre o que se passa na região, mas que ninguém lhes perguntava sobre o conflito. Primeiramente, então, o espectador é apresentado aos gêmeos Yarko e Daniel Solan, dois garotos judeus que a todo tempo temem pela vida, como ao entrar em um ônibus. Logo na sequência, aparece Mahmoud Mazen Mahmoud Izhiman.

Outro dos personagens é Shlomo, filho de um rabino ilustre dos EUA e que conta se sentir seguro na cidade antiga, por saber que, pelo caráter sagrado, ela não será atacada por nenhum dos lados. O time traz, ainda, a fofa Sanabel Hassan Abd’el, moradora de um campo de refugiados palestinos, e filha de um jornalista. Também por lá, o diretor encontra Faraj Adnan Hassan Hussein, que comenta ter perdido um amigo (Bassam) na primeira intifada.
No assentamento de Beit-El, ele conversa, ainda, com Moishe Bar Am, que sonha em entrar para o exército e que os árabes sumiriam da face da Terra. O documentário promove uma aproximação entre os garotos que, para além das desconfianças e da visão do outro como inimigo, têm, claro, pontos em comum.
“A História de Hurry, um Burrinho na Faixa de Gaza”
No fofo livro infantil “A História de Hurry” (lançado em 2014, pela Autêntica), temos um burrinho de nome Hurry, que vive a observar as crianças da Faixa de Gaza, em particular, Wattan. Esperto que só, Hurry percebe que os garotos palestinos vivem tristes e cabisbaixos, sempre com fome e com sede. Não bastasse, a terra deles é “de tempestades” incessantes no céu. Mas aquelas tradicionais, ligamos à ordem natural das coisas, e, sim, tempestades de estranhos brilhos e barulhos. Em torno de Hurry vivem palestinos como a fofa Summod, que chora por não conseguir realizar uma vontade básica. Ela queria poder beber água, comer uma comida gostosa ou ir aos lugares que descobre nos livros. Lá, quem sabe, ver os animais que são descritos nos livros que lê. Como uma zebra, por exemplo.

Em Gaza, muitos dos animais que habitavam o Zoo morreram de fome e sede por causa dos conflitos. E foi ao ouvir Summod que Wattan resolveu procurar Moody, o tratador do zoológico. Ele, então, resolve usar um artifício para que os meninos palestinos possam se divertir um pouco, em meio a tanta tragédia.

O livro é de Emma Williams, ilustrado por Ibrahim Quraishi. Tradução de Cristina Antunes.
