Em cartaz no Viaduto das Artes, a mostra promove um diálogo entre as obras expostas, apontando, assim, para o que virá
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Um dos curadores da exposição “Especulando o Futuro”, em cartaz no Viaduto das Artes, no Barreiro, desde o último dia 26, Pedro Kalil diz que a seleção das obras que, ao fim, compõem o conjunto ali instalado – e que fica à disposição do olhar do público até o dia 7 de julho – foi norteada pelo desejo de ecoar uma diversidade, tanto no que tange aos temas pelos quais os artistas se enverederam quanto às plataformas de expressão utilizadas para tal.
“A gente acredita que o futuro tem que ser construído a partir de muitas vozes e de muitos olhares. Da fotografia à escultura, da performance à a música, tentamos encontrar uma diversidade de possibilidades e caminhos (com as obras)”, analisa Kalil, ao Culturadoria. Ele que, neste intrincado trabalho de crivo, teve, ao seu lado, a presença dos colegas curadores Ildney Cavalcanti e Elias Gibran.
Assim, as obras selecionadas foram produzidas por Amanda Jacobus, Ava Cruz e Giovanna Almeida Cunha, Dayane Tropicaos, Flávia Péret, Juliana Gontijo, Letícia Marotta, Maria Fernanda Ambuá e Izabella Coelho, Patrick Arley e The Innernettes.
Artistas convidados
Também fazem parte da programação obras de artistas convidados. É o caso de “Por trinta dias, molhe com leite de vaca no qual três morcegos tenham se afogado”, da artista multidisciplinar Darks Miranda; da instalação “Anti-retrato”, de Alexandre Tavera, e do texto “Memória-cidade-futuro”, do NED – Núcleo Experimental de Dramaturgia, da UFMG.
“A exposição nasceu da ideia de queremos explorar e elaborar artisticamente ideias de futuro. Assim, para tal, a gente realizou uma chamada pública para compor o festival e, entre mais de 100 inscrições, selecionamos dez propostas, dez obras, com as mais diferentes perspectivas e linguagens”, arremata ele, acrescentando que a tarefa foi hercúlea.
“Primeiramente, acho importante chamar atenção ao fato de que recebemos uma quantidade considerável de trabalhos. Ao todo, de quase 100 obras. Um número que se destaca pontuando-se que era (uma convocatória) circunscrita, né? No caso, a Belo Horizonte e região metropolitana. Então, foi uma quantidade bastante razoável”, situa.
Diversidade em foco
Pedro Kalil salienta, ainda, que boa parte delas (obras) de fato dialogava de pronto com o objetivo da exposição. “Assim, não só com a exploração só de ideias, mas também de linguagens para o futuro. Daí, a gente se propôs um selecionar ao menos uma obra de cada área artística. Assim, de teatro, de cinema/audiovisual, de artes plásticas etc. Ao menos uma obra selecionada de cada área. Isso era um princípio nosso”.
E outro princípio que guiou o trio curatorial foi pensar tanto uma diversidade de pontos de vista quanto de linguagens artísticas de propostas. “E, diante disso, pensar também aquilo que dialogava com a ideia do festiva. Porque mesmo às vezes nos deparando com obras que continham ideias incríveis, a gente achava que era difícil a relação que se estabeleceria com a proposta que a gente estava apresentando”, explana.
Equilíbrio necessário
Kalil prossegue: “Mas, diante disso, então, a gente tentou equilibrar um pouco essas duas importâncias. A qualidade artística e a inovação da proposta. O tanto que ela é interessante enquanto investigação de linguagem, enquanto uma proposta diferente de uma urgência que se faz. Ao mesmo tempo, a gente pensou naquilo que dialogasse com (a espinha dorsal d’) o festival. Mas sempre é muito difícil, né? Diante de tantas obras, selecionar”.
O curador confessa que, em dado momento, já no processo de crivo, haviam cerca de duas dezenas de obras (“no mínimo”) que eles gostariam muito que de alguma maneira estivessem ali. “Mas era impossível a gente conseguir ter todas elas. Então, montamos um quebra-cabeça pensando como essas obras iriam conversar um pouco (entre si) e como elas comporiam a exposição”. E, sim, houve também convite. “A gente convidou, por exemplo, foi a Dark Miranda, que é do Rio, e está na mostra com uma obra. Aliás, é a primeira vez que ela expõe aqui (na Grande BH). É uma artista incrível”.
O curador finaliza: “Enfim, nossa diretriz foi tentar promover um pouco desse equilíbrio, ou seja, tanto da proposta de inovação, quanto de diálogo (entre as obras), como uma ideia de especular futuro e começar a criar essa incubadora de possibilidades”, finaliza.
Obras
“Www – A Internet das Árvores”, por Amanda Jacobus (instalação)
A conexão formada através das raízes e dos fungos a elas associados permite que a plantas compartilhem água, alimento e até mesmo informações — como alertas de pragas — em um sistema que ficou conhecido como “wood wide web”. Ou “a internet das árvores”. Assim, a instalação, uma das obras expostas, vem em formato de rede presa ao teto e paredes, feita com sisal, simbolizaria tanto as raízes como a comunicação contemporânea.
“Crisálida Mineralis”, por Ava Cruz e Giovanna Almeida Cunha (fotoperformance e instalação)
O projeto busca investigar a maneira como as políticas de vida e morte se encontram entrelaçadas no âmbito dos atuais empreendimentos de mineração levados a cabo na região da Serra do Curral. Segundo o material das artistas, “através de uma prática fetichista de restrição radical de movimento, denominada mumificação”.
Outro trabalho entre as obras expostas na mostra do Viaduto das Artes, as artistas, nele, acionam o conceito de “ruína capitalista”. Deste modo, como uma maneira de se pensar as formas paradoxais por meio da qual os projetos de proliferação da morte são tensionados por relações multiespecíficas. E nas quais a natureza, de formas criativas, resiste aos projetos de extermínio.
“Toda Doméstica tem um Pouco de Dandara”, por Dayane Tropicaos (técnica mista, stencil, bordado)
“O trabalho “Toda Doméstica Tem um Pouco de Dandara” parte de um incômodo da artista sobre a existência do “quarto de empregada”. Espaço que, lembra Dayane, carrega uma herança escravocrata do nosso país.
“As trabalhadoras domésticas ainda são desvalorizadas, e muitas vezes sofrem abusos de seus contratantes”, salienta ela. Assim, essa obra vem com a proposta de ser um meio de cura e, ao mesmo tempo, uma homenagem às mulheres que exercem o trabalho de empregada doméstica.
“Paquiderme“, por Juliana Gontijo (vídeo; óleo sobre tela)
O trabalho relata dois passados distintos colocando como questão a possibilidade ou não de preservação e de extinção. Assim, um mesmo nome é relacionado a três coisas diferentes: ao animal pré-histórico, ao ex-presidente e à mineração.
Logo, nesse jogo de poderes entre ciência, política e economia, é possível “dançar entre os tempos”. Do mesmo modo, o trabalho de Juliana, outra das obras expostas, mostra que o futuro pode se desenhar entre a preservação, o resgate e a extinção.
“Tentaremos Não nos Esquecer”, por Letícia Marotta (impressão sobre azulejo)
O trabalho de Letícia propõe um resgate das memórias da ditadura civil-militar brasileira para que um outro futuro, principalmente coletivo, seja possível de ser pensado. “Convocamos para esta perspectiva, as histórias de mulheres que participaram da luta de resistência à opressão desse período. São mulheres de vanguarda, que deixaram um legado sobre emancipação e autonomia”.
Foram militantes que romperam com o lugar esperado da sociedade da época para integrarem à luta. “Muitas vezes, invisibilizadas muitas vezes até mesmo pela própria militância”. Assim, as mulheres, muitas vezes vistas como ausentes dos movimentos de luta e resistência, são trazidas nessa obra como lugar central. “Desse modo, como um gesto que evidencia o compromisso político feminino”.
Convívio, por Maria Fernanda Ambuá e Izabella Coelho (instalação imersiva e interativa)
Instalação imersiva e interativa (inédita) feita a partir de plantas comestíveis coletadas no bioma urbano (folhas, flores, sementes, frutos) e materiais reaproveitados, como tecidos garimpados e madeiras.
Ativado, assim, na abertura da exposição, trata-se de um espaço vivo, que passará por transformações pela passagem de seres humanos e não humanos. Do mesmo modo, pela agência do tempo, a ser experienciado não apenas pelo olhar, como também pelo olfato, tato e paladar.
Úrsula, por Patrick Arley (fotografia)
A série fotográfica do já consagrado fotógrafo sugere outras possibilidades de ser/estar na cidade. Isso a partir da confluência das lógicas disruptivas e insurreições do carnaval, assim como dos corpos historicamente subalternizados e reprimidos – seja pelo racismo, machismo e pobreza. Úrsula, pessoa-corpo invisibilizada, torna-se musa, brilha e faz brilhar.
“Anti-Retrato”, por Alexandre Tavera (instalação)
A vontade de segurar o tempo, de fazer com que ele permaneça e não avance é uma luta sempre perdida, ressalta o artista. “Mesmo inescapável, fazemos com que o tempo roa a vida da forma mais lenta possível”.
Inquieto por essa vontade de preservação e o inexorável envelhecimento, o artista cria uma instalação em que a imagem da criança se projeta em esculturas cosméticas. Assim, criando camadas sobrepostas e inventando peles empíricas e metafóricas.
“Por Trinta Dias, Molhe com Leite de Vaca no Qual Três Morcegos Tenham se Afogado”, por Darks Miranda (escultura)
“Imagine que sou briônia e em minhas raízes vive mandrágora. Imagine que tenho frutos amarelos, carnosos, aromáticos e tóxicos chamados de ‘maçãs do diabo’ pelos árabes devido a supostos efeitos afrodisíacos, analgésicos, alucinógenos e mágicos”, provoca a artista, na descrição de outra das obras em cartaz.
Curadoria
Ildney Cavalcanti – É doutora em English Studies, pela University of Strathclyde. Professora associada da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Alagoas, é, ainda, líder do Grupo de Pesquisa Literatura e Utopia. É uma das pioneiras dos estudos feministas e de gênero no Brasil e uma das principais especialistas em estudos sobre distopia e sobre Margaret Atwood. Não só. É organizadora de mais de uma dezena de livros, entre eles, o “Traduções da Cultura – Perspectivas Críticas Feministas 1970-2010”.
Elias Gibran – Tem graduação em Gestão de Organização do Terceiro Setor (Processos Gerenciais), pela UEMG. É gestor e produtor cultural e, em 2005, criou a Napele Produções Artísticas. Trabalhou em projetos relacionados à culturas tradicionais e populares. Assim, em produções teatrais, em produção de livros e discos, festivais de teatro e de música. É, ainda, um dos idealizadores da coleção “Arte e Teoria”. Foi um dos diretores do filme “Viamão” (2023) e também é escritor.
Pedro Kalil – É doutor em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela FALE/UFMG. É escritor, pesquisador e professor. Publicou os livros de ficção “Balta” e “O menino que queria virar vento”; o livro de poesia “O ano do fogo” e a dramaturgia “Charlotte-peixe-borboleta”. Publicou, também, o livro “Autor/Autoria: Roland Barthes e Cahiers du Cinema”. É um dos idealizadores da coleção “Arte e Teoria”. Atuou como professor em universidades federais.
Serviço
“Especulando Futuro”
Artes visuais, artes do palco, literatura, música
Quando. Até 7 de julho, de segunda a sexta-feira, das 10 às 17h
Onde. Viaduto das Artes (Av. Olinto Meireles, 45, Barreiro). Gratuito.