Lançado pela Dublinense, “O vício dos livros”, obra de um leitor apaixonado para outros leitores apaixonados
Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
Conheci a literatura do português Afonso Cruz em “Vamos comprar um poeta”, uma espécie de distopia original, irônica e profundamente comovente, em que o materialismo e o consumo parecem dominar todas as relações e o próprio poeta se vê metamorfoseado em produto. Naquele pequeno livro, Cruz fez uma ode à poesia e à arte e sua importância, ou melhor, necessidade em nossa vida comum. Tempos depois me deparei com mais um pequeno livro de Cruz, “O vício dos livros”, um conjunto de ensaios, crônicas e breves anotações que tem como espinha dorsal a literatura, os livros e as relações que tecemos com eles.
Escritor e leitor
Neste novo trabalho encontramos um Afonso Cruz leitor. A partir de memórias e experiências passadas, o escritor português escreve uma série de breves textos que tem como marca a pessoalidade, a relação íntima com aquilo que conta. O mais interessante disso tudo é perceber o quanto há de universal no íntimo. Que leitor nunca se deparou com uma pilha de livros não lidos ou, pior, prateleiras de histórias ainda desconhecidas ocupando uma biblioteca pessoal? Afonso Cruz, como nós, sim. Motivo de sofrimento para muitos, pelo ar acusador que esses livros não lidos parecem carregar, essa constatação é interpretada de outra maneira pelo lusitano:
“No meu caso, considero estes livros uma possibilidade de ser livre: não tenho apenas um livro para ler, tenho muitos, e isso permite-me escolher o próximo (dentro de um espectro variado de possibilidades).”
Noutro texto, o peso de uma biblioteca é interpretado não apenas em seu sentido metafórico, mas real, quando Afonso Cruz remonta as histórias do sábio árabe Al-Jahiz e do pianista e compositor Charles-Valentin Alkan, ambos mortos esmagados pelos próprios livros:
“Qualquer bom leitor, quanto maior for a sua biblioteca, mais sente o peso esmagador do que leu e, principalmente, do que não leu (nem sempre é mau, como se verá adiante) e nunca poderá ler, ainda que, felizmente, o faça de forma menos literal do que os exemplos antes referidos”
Entre anedotas pessoais e fatos históricos
Afonso Cruz mergulha aqui na História da humanidade para redescobrir pequenas pérolas – de brilho intenso – envolvendo os livros e as narrativas – muitas vezes orais – que sobreviveram à própria História, da Grécia Antiga à modernidade.
“E ser lido é uma ressurreição, é fazer voltar à vida. Ler é um ‘levanta-te e anda’.”
“O vício dos livros”, em seus inúmeros breves textos – alguns de apenas um parágrafo, mas povoados de sentidos e possibilidades – é o olhar, mais do que de um escritor, de um leitor apaixonado para outros leitores apaixonados. De um leitor, Afonso Cruz, que, na adolescência, escolhia o ônibus com o caminho mais longo em direção à escola. Nessa escolha, sempre ganhava mais tempo de leitura, além de um lugar garantido e confortável na janela ao fundo da linha. “Um leitor, muitas vezes, tenta encontrar o caminho mais lento entre dois pontos. Era isso que fazia. Ia para a escola pelo caminho com mais palavras.”
Encontre “O vício dos livros” aqui
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)