A noite em que Hugh Jackman apareceu para apresentar o Oscar de 2009 foi um divisor de águas na forma como eu percebia o ator. Até então, o australiano era Wolverine e ponto. Acontece que, quem se lembrar há de concordar comigo, Jackman dançou, sapateou e sambou na cara dos apresentadores mais chatos da cerimônia. Por fim, revelou ao mundo o que muitos já sabiam: é um excelente ator de musicais. Completo como o posto pede.
O Rei do show, filme que concorre a três estatuetas do Globo de Ouro, explora essa vertente artística do intérprete do mutante. O musical dirigido pelo estreante Michael Gracey presta homenagem a P.T. Barnum. Quem foi ele? Inventor do circo como conhecemos.
Um empresário das artes do século XIX. Barnum criou uma espécie de show de variedades em Nova York e ficou muito rico. O circo dele não agradava a crítica, nem as elites. Era coisa para divertir o povão. Foi o que fez dele milionário, mas também eternamente insatisfeito com a própria aceitação social. Barnum era um emergente.
Drama e musical
Curiosamente O Rei do Show é um musical cuja parte dramática é muito mais interessante do que os momentos de coreografia ou das canções. Há uma temática interessante como pano de fundo: o peso das diferenças sociais. A pessoa pode até ficar rica mas daí a ser aceita no seleto grupo dos mais abastados são outros quinhentos. Ainda mais no século retrasado.
Barnum era filho do alfaiate. Se apaixonou pela filha de um homem rico. Conseguiu casar com a moça mas nunca teve a aprovação da família dela. A jornada dele – bastante ambiciosa – nunca perde esse norte.
Partes
Dividiria O Rei do Show em três vertentes. Há essa temática mais densa, o que me pareceu o mais interessante. As cenas de musical propriamente ditas, ou seja, é daqueles filmes que a pessoa está falando e, de repente, começa a cantar. E a terceira desperta o interesse bastante específico em quem vos escreve que é a relação entre a arte popular e a crítica.
A questão da aceitação social, e todos os preconceitos que isso carrega, pode até ter aliviado um pouco nos últimos 200 anos. Mas o que O Rei do Show me faz pensar é que se trata de uma busca que é humana. Queremos ser aceitos, aprovados e inseridos. Tem gente que faz isso através do dinheiro e da fama. É o caso do showman Barnum.
O filme também é extremamente contemporâneo ao mostrar a intolerância de uma parcela da população que não aceita o espetáculo. Tipo esses tribunais do Facebook.
Concordo com a crítica publicada pelo jornal O Globo. O texto menciona o quanto o filme chega a ser maniqueísta, já que os vilões são assumidamente preconceituosos, esnobes. Há uma certa ingenuidade na construção dos personagens.
Sem surpresas
O aspecto musical de O Rei do Show é o que menos me empolga. A forma de filmar é bastante tradicional e até previsível. Sabe aquelas cenas de balcão de bar, típicas do gênero nos anos 50? Pois é, tem. Não surpreendem.
As canções, compostas pelos mesmos criadores de La La Land, são pop. Muito pop. Eis, aqui um contraste interessante, afinal, trata-se de uma trama que se passa no século XIX. A montagem – em ritmo de videoclipe – também intensifica esse anacronismo que o longa aposta.
O crítico
O crítico que aparece em O Rei do Show é o clichê do clichê. Isso vale para a caracterização e também para as opiniões artísticas. Mesmo radicalizando nisso, o filme faz pensar sobre a dificuldade que a crítica tem em olhar para as obras com vocação para o popular. Não são piores ou melhores.
P.T. Barnum sempre soube que o que ele fazia não era exatamente arte. “É entretenimento”, como o próprio responde ao Mr. Malley, o rigoroso crítico do New York Times. Se há essa distinção de saída, a eterna dificuldade da crítica será em deixar os gostos pessoais de lado para olhar as duas coisas da mesma maneira. Será isso possível?
Elenco
Hugh Jackman oferece a seu Barnum um olhar profundo com brilho de sonhador. O cara é bom mesmo. Pra cantar, pra dançar e pra atuar. Também estão no elenco Michelle Williams, que não me chamou tanta atenção e Zac Efron, astro de High School Musical, bastante confortável na pele do sócio do protagonista Phillip Carlyle.
Tal como o espetáculo de P.T. Barnum, O Rei do show é entretenimento. Realizado com esmero técnico e feito, principalmente, para o público saudoso dos tempos de ouro dos musicais sem abrir mão da expectativa de conquistar novas audiências.