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Literatura

“O Kit de Sobrevivência do Descobridor Português no Mundo Anticolonial”: Poeta portuguesa Patrícia Lino olha para a nostalgia do colonizador em livro 

Patricia Lino Credito de Imagem Arquivo Pessoal

Patricia Lino Credito de Imagem Arquivo Pessoal

“O Kit de Sobrevivência do Descobridor Português no Mundo Anticolonial” ganha nova e ampliada edição pelo Círculo de Poemas

Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

Pastilhas DescobriMENTOS, Suco-Tropical, Diploma da Branquitude, Enxovalzinho do Menino Jesus, Busto Dói-Dói, Banquinho Racial. Estes são itens, produtos imaginários, que não são encontrados entre as gôndolas de um supermercado, numa lojinha de bairro ou num sítio na internet. Mas, caso existissem, teriam um público bem direcionado. É o que nos diz a poeta portuguesa Patrícia Lino no seu “O Kit de Sobrevivência do Descobridor Português no Mundo Anticolonial”, que ganha nova e revisada edição pelo Círculo de Poemas.

Hilariante e afiado 

Patricia Lino cria e compila 70 objetos que dizem de uma certa nostalgia do colonizador, daquele tempo bom que não volta nunca mais (assim esperamos). Como sobreviver num mundo onde pautas identitárias ganham força e corpo no debate público – e não só, marcando também relações interpessoais e afetivas? Um mundo onde discussões acerca do anticolonialismo e do decolonialismo ganham cada vez mais presença nos campos políticos, sociais e culturais? Como pequenos botes salva-vidas, os itens inventados pela escritora buscam tornar uma realidade contemporânea um pouco menos opressora para aqueles que sempre ocuparam – e seguem ocupando, sob diferentes configurações – o papel de opressor, de colonizador. O resultado é hilariante e afiado.

As antigas glórias de um Portugal desbravador do mundo são lembradas e celebradas em cada item que compõe este valioso “Kit de Sobrevivência”. O Suco-Tropical, por exemplo, tem sabor que remete às antigas colônias portuguesas, como o próprio Brasil e seu clima solar:

“Dissolve-se muito naturalmente, com enorme rapidez e o propósito de generosamente assimilá-los, noutros líquidos menos óbvios ou conhecidos, invulgares, completamente desconhecidos, singulares ou gustativamente bizarros”. Já o Diploma da Branquitude “congratula e homenageia os que, reconhecendo as múltiplas desvantagens do conhecimento empírico, melhor dominam, classificam e organizam abstracta, sistemática e especulativamente as coisas segundo uma, também por si definida, hierarquia de valor”.

O colonialismo resistente 

Cada um dos itens catalogados ganham ilustrações, contexto histórico e modos de usar, dizendo de um processo colonizatório que, longe de encerrado, segue contaminando diferentes visões de mundo. Se olha para o histórico português, Patrícia Lino diz de um colonialismo resistente nos mais diferentes contextos – outros países, outras relações, outros jogos de poder. Na interface entre a poesia-visual, a reflexão crítica e o humor, Lino constrói uma obra singular, crítica e divertidíssima. Quais e quantos desses itens seriam objetos de uma prazerosa fruição por aqueles com os quais você convive? Ou, afundando o dedo um pouco mais na ferida: quais deles caberiam em você?

Encontre “O Kit de Sobrevivência do Descobridor Português no Mundo Anticolonial” aqui

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

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