A ironia dos argentinos me encanta. Por isso, foi um prazer ver O cidadão ilustre, filme distribuído pela Cineart Filmes em cartaz no Brasil. A produção dirigida em parceria por Gastón Duprat e Mariano Cohn foi a enviada pelo país à disputa do Oscar de melhor filme em língua estrangeira. Ainda que discretamente, podemos fazer um paralelo com Relatos Selvagens (2014) longa que conquistou uma indicação em 2015.
Em ambos há um flerte com o absurdo para falar sobre o homem contemporâneo. É uma interpretação bastante pessimista que só não é mais perversa porque há humor na forma como os personagens são construídos e as histórias contadas.
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O cidadão ilustre começa no dia em que o protagonista, o escritor Daniel Mantovani (Oscar Martínez, ator que também fez Relatos Selvagens) recebe o prêmio Nobel de Literatura. Durante o discurso de “agradecimento” o autor revela toda a ironia sob a qual todo o roteiro se apoia. Para Mantovani, um prêmio desse naipe significa a “canonização terminal” de um artista.
“O prêmio revela que a obra coincide com os gostos e as necessidades de júris, especialistas, acadêmicos e reis. Obviamente, sou o artista mais confortável para vocês. Essa comodidade tem pouco a ver com o espírito que deve ter toda obra artística”, diz durante a pomposa cerimônia.
O personagem
Daniel Mantovani é um homem sozinho, milionário, cuja vida não parece ter mais sentido. Ele experimenta de fato a “canonização terminal como artista”. Vive em Barcelona e em mais de 40 anos na Europa jamais voltou à cidade natal, a pequena Salas no interior da Argentina. Resolve fazer isso para atender a um pedido do prefeito do local.
Aí começa uma saga que vezes parece flertar com o teatro do absurdo. O retorno de Mantovani a Salas parece obra de ficção. Há uma certa intertextualidade. O homem culto e rico fica perdido em uma estrada de terra, é obrigado a desfilar em carro aberto, recebe homenagens em escolas, se transforma em estátua em praça pública.
A cada sequência os diretores radicalizam os contrastes entre o estilo erudito – e crítico – dele com a atmosfera bucólica e provinciana da cidade. Nesse aspecto, mérito total da direção de arte. O desconforto do autor aparece no quarto de hotel, na forma como as pessoa se cumprimentam, em qualquer espaço em que é recebido com louros. Tudo incomoda.
Assim como Gabriel García Márquez fez de sua Aracataca natal a fictícia Macondo, Mantovani ambienta suas histórias a partir das memórias que tem do passado. O retorno a Salas significa também enfrentar os rastros e fantasmas que própria literatura criou.
Necessidade cultural
O roteiro, de Andrés Duprat, mistura humor e suspense na crítica social que desenvolve a partir da experiência do protagonista. Esses elementos talvez não teriam funcionado se não fosse o trabalho do elenco. Se Oscar Martínez é “classudo” na composição do escritor, os moradores da cidade, em especial o amigo Antônio (Dady Brieva) e o prefeito (Manuel Vicente) convencem com os estereótipos. Há um certo exagero na composição que faz bem ao clima absurdo do longa.
Por fim, além de toda a fina ironia, O cidadão ilustre chama atenção para o papel que a cultura é capaz de representar em uma sociedade. O ponto de vista é crítico, claro. Apesar de não ser um homem afeito a grandes discursos Mantovani é certeiro na escolha das palavras que diz em público.
A relação que temos com o tema “cultura” não passa batido:
“A melhor política cultural é não ter nenhuma. Defender nossa cultura? Cultura é sempre considerada como algo fraco, frágil, raquítico que precisa ser guardado, protegido, promovido e financiado. A cultura é indestrutível. É capaz de sobreviver às piores catástrofes. Houve uma tribo selvagem na África que não possuía em seu idioma a palavra liberdade. Sabem por que? Porque eram livres. Acho que a palavra cultura sempre sai da boca das pessoas mais ignorantes, estúpidas e perigosas.”
Está dado o recado! 😉
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