Nosferatu (2024), dirigido por Robert Eggers, reimagina o clássico vampírico de forma corajosa, com grande elenco e entrega total ao estilo gótico
Por Carol Marques | Repórter
Nosferatu é uma história de 127 anos que começa no lançamento do romance gótico “Drácula” de Bram Stoker. Com o tempo, ele se tornou um clássico inegável da literatura de horror, encarnado no cinema mais de 80 vezes.
A primeira delas foi em 1922, num longa-metragem expressionista e silencioso. O filme foi dirigido por Friedrich Wilhelm Murnau, com o título “Nosferatu – Eine Symphonie des Grauens”, “Nosferatu – Uma sinfonia do horror” em português. Trata-se de uma adaptação não autorizada do livro de Stoker que marcou a história do cinema. Em 1979, Werner Herzog revisita e homenageia a obra, lançando “Nosferatu: Phantom der Nacht”, ou “Nosferatu: O Fantasma da Noite”.
Agora, é a vez de Robert Eggers (A Bruxa, O Farol e O Homem do Norte) de se aventurar na história do vampiro mais famoso do mundo. Com Bill Skarsgård no papel de Conde Orlok, Lily Rose-Depp como Ellen Hutter, Nicholas Hoult como Thomas Hutter e Willem Dafoe como Prof. Albin Eberhart von Franz, a nova versão de Nosferatu chega aos cinemas brasileiros em 2 de janeiro de 2025.
A espera tem sido longa tanto por parte de quem aprecia o mito vampírico quanto para quem acompanha o trabalho de Eggers no gênero de terror. O diretor tem uma assinatura original ao abordar temas como isolamento, culpa, desejo, papeis de gênero e a força da natureza.
Naturalmente, as expectativas são altas para Nosferatu (2024), cuja obra original transgrediu ao capturar as ansiedades de seu tempo. Tudo isso por meio da exploração da fé, ciência, sexualidade feminina, xenofobia e diversas outras questões.
Em sua releitura de Nosferatu, Eggers traz um filme novo, muito diferente (apesar das semelhanças e diversas homenagens) de seus predecessores. Curioso, inclusive, é o fato de que a obra de 2024 tem 2h13 de duração, enquanto a de 1922 chega somente a 1h34. Ou seja, espaço de sobra para reimaginar a narrativa, com diferentes perspectivas.
Dito isso, confira abaixo alguns motivos para conferir Nosferatu, novo filme de Robert Eggers:
A atmosfera gótica
Nosferatu de Robert Eggers é um filme gótico, nos mínimos detalhes. No que diz respeito à ambientação, a natureza em sua forma mais sombria se impõe a Thomas Hutter durante sua jornada até o Castelo do Conde Orlok. O próprio castelo, seja no alto na montanha, nos portões ou em ruínas, cria uma atmosfera gótica clássica. Até mesmo detalhes como o colar no pescoço de uma personagem ou o contrato assinado pelo Conde e Hutter contribuem para essa estética.
O clima de medo é constante, apoiado pela trilha sonora e, na primeira porção do filme, na interpretação de Nicholas Hoult, que de fato parece aterrorizado pela figura misteriosa e imponente do Conde. Ademais, como uma boa narrativa gótica, os elementos sobrenaturais e inexplicáveis são explorados durante toda a narrativa, muitas vezes em contraste com a ciência e a racionalidade.
A retórica do excesso é outro recurso gótico do qual Eggers não abriu mão. Por exemplo, há cenas que farão o espectador querer desviar os olhos enojados da tela, deixando em evidência temas como a monstruosidade e a decadência humana.
A atuação surpreendente de Lily Rose-Depp
É difícil dizer quem é o protagonista em Nosferatu. Entretanto, é inegável que Ellen Hutter é central na narrativa, porque além de ser assombrada por pesadelos enquanto o marido procurador vai em direção ao castelo do Conde Orlok, o vampiro fica obcecado por ela, o que engata a narrativa dá o tom do filme como um mergulho na insanidade do desejo e na inevitável atração da morte.
Nesse sentido, Lily Rose-Depp entrega uma performance intensa nos momentos certos. Ela transita com tranquilidade por momentos de anseio, apatia, tormenta, crises de sonambulismo, convulsões e outras situações perturbadoras. A atriz franco-americana chegou a mencionar, em entrevista para a IndieWire, que Isabelle Adjani é uma grande referência para o papel. De fato, a francesa interpretou a mesma personagem no Nosferatu de Herzog, em 1979, mas Rose-Depp diz ter se inspirado mesmo foi na atuação de Adjani em Possessão (1981), uma das mais marcantes da atriz.
É sim possível perceber isso em Nosferatu (2024), mas sem dar lugar para a cópia ou imitação. Não vemos uma sombra de Isabelle Adjani em cena, mas sim certa corporificação feminina do conflito, causada por um deslocamento moral.
Figurinos de cair o queixo
É impossível não se encantar com os figurinos de Nosferatu (2024). O filme se passa na Alemanha de 1828 e as vestimentas estão muito bem situadas, encantando pela beleza e detalhamento. Com certeza um dos grandes destaques nesse sentido são os vestidos e chapéus das personagens femininas, muitas vezes adornados com flores.
Outro detalhe belíssimo do figurino é o berloque utilizado por Thomas Hutter, que continha mechas de cabelo da esposa, Helen, e tem papel muito relevante na narrativa. Na verdade, os figurinos masculinos não ficam atrás, inclusive o do próprio Conde Orlok (sem spoilers por aqui).
O novo Nosferatu e as inevitáveis comparações
A curiosidade para saber o que Eggers fez com o mais clássico dos vampiros é natural, bem como o interesse pela caracterização de Bill Skarsgård (que inspirou burburinhos similares em It – A Coisa (2017) e O Corvo (2024)). O ator está impecável em sua interpretação, agressiva, imponente e obsessiva, construindo um novo Nosferatu com maestria. Aqui, o vampirismo é monstruoso e sexual, movido pelo desejo de destruir e possuir.
Além disso, outro ator que desperta curiosidade similar em Nosferatu é Willem Dafoe (Prof. Albin Eberhart von Franz). Ele segue deixando sua marca no cinema atual e traz uma interpretação divertida e tenra para o longa.
Se era difícil assistir ao Nosferatu de 1979 sem fazer comparações com seu predecessor silencioso de 1922, provavelmente acontecerá o mesmo com o Nosferatu de Robert Eggers. Entretanto, logo fica claro que estamos diante de uma outra obra. Trata-se de uma releitura da história já conhecida, com uma nova roupagem, simbolismos e estética.
É claro que as homenagens estão presentes, como a marcante sombra da mão do vampiro sobre o rosto de Lily Rose-Depp que aparece já no trailer, por exemplo. Por outro lado, o longa estabelece sua própria linguagem em uma estrutura típica dos filmes de horror. As surpresas no enredo refrescam a narrativa e cimentam o fato de que sim, estamos vendo Nosferatu, mas a partir de outras lentes.