Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Nós vimos: ‘Tragédia’, do grupo Quatroloscinco

Espetáculo do grupo Quatroloscinco explora as possibilidades de encontro entre o cinema e o teatro

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Já faz um tempo que as possibilidades de encontro entre o cinema e o teatro seduzem o diretor Ricardo Alves Jr.. É dele, por exemplo, a adaptação do filme Sarabanda, Ingmar Bergman para a versão teatral apresentada nos palcos do Palácio das Artes e do Sesc Palladium. Já ali, em 2014 e em parceria com Grace Passô, investigava as potencialidades de cada uma das linguagens. Depois disso, em todas as peças das quais participou, havia algo de cinematográfico. Vale citar também Vaga Carne (2017), Cine Splendid (2017), Eclipse Solar (2018), Zoom (2019). Em cada um dos espetáculos, o diretor/pesquisador experimentou o encontro com o cinema de uma maneira. Tragédia, nova montagem do grupo Quatroloscinco, chega para ampliar esse repertório.

A instigante dramaturgia de Assis Benevenuto e Marcos Coletta revisita as tragédias gregas, desde sempre tidas quase como uma disciplina fundamental para falar sobre o teatro. Ou seja: quer ser ator, diretor, dramaturgo, pelo menos uma vez na vida vai ter que se encontrar com os escritos de Sófocles, autor da famosa Trilogia Tebana. Ela é formada pelas peças Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona, todas escritas

Cinema + Teatro

No caso, eles apresentam uma situação contemporânea em torno de uma mesa de sinuca. Em resumo: três homens (Assis Benevenuto, Italo Laureano e Marcos Coletta) conversam e discutem enquanto jogam. As regras da sinuca aparecem quase como as regras para a vida. Sendo assim, me pareceu um elemento claramente simbólico. A sinuca, ali, não diz somente sobre o jogo literal, mas sobre a vida, as disputas de poder. A mesa atua como campo de disputa, ringue, palanque.

Foto: Luiza Palhares / Divulgação

Aqui é o momento em que o teatro aparece de forma clássica. No plano de fundo, no entanto, há o espaço para o cinema. Quando os atores se deslocam para lá, muda tudo. Inclusive o texto que eles dizem é o da tragédia. Olha que inversão interessante. Quando dizem sobre o mundo contemporâneo, adotam a linguagem do teatro que nasceu na Grécia antiga. Por outro lado, ao adotar originalmente o texto grego, a linguagem que se sobressai é a do cinema. Ou seja, uma arte da contemporaneidade.

Exercícios

Tragédia passa a impressão de ter sido um rico campo de experimentação para todos os envolvidos. Para os atores, a alternância entre a interpretação para o cinema e para o teatro cobra uma postura mais atenta aos detalhes e tons. Para a direção, encontrar o tempo certo para as movimentações e o que funcionaria mais para a câmera e para a plateia.

Há desafio também para a iluminação, que precisa se alternar entre a luz adequada para o teatro e para o cinema. O mesmo vale para o som. Aliás, bem interessante como a equipe trabalha com a captação do áudio e insere isso dentro da paisagem sonora do espetáculo.

Ou seja, isso tudo, faz de Tragédia um espetáculo de inegável competência em sua execução. No entanto, a sensação que se sobressaiu – no meu ponto de vista – é da racionalidade do trabalho. E olha que o que Antígona (Rejane Faria em surpreendente vigor) mais derrama é emoção.

Temática

Tragédia tem forte pegada política. O teatro grego também é político, já que se trata de um “reflexo da vida pública”. Sendo assim, é genial a sacada da dramaturgia de propor uma viagem no tempo para Antígona. Sim, a personagem se materializa nos dias atuais e se surpreende com o que vê.

Outro recurso que me pareceu fazer muito sentido, foi usar outros idiomas, em especial a língua indígena. Será que, com isso, a equipe de criação de Tragédia quer nos fazer refletir sobre origem? Sobre massacre? Sobre os ciclos que atravessamos, entra século sai século? Não tenho as respostas. Mas, só de me fazer parar para pensar nisso, Tragédia já me encantou.

 

Foto: Luiza Palhares / Divulgaçãolat

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