Não sei isso é normal, gente, mas logo depois de maratonar em um único dia os 12 episódios, de cerca de 30 minutos cada, de Normal People me deu uma saudade de Marianne (Daisy Edgar-Jones) e Connell (Paul Mescal). Foi estranho, reconheço. Mas talvez a conexão que os protagonistas conseguem estabelecer com o espectador explique um pouco o sucesso que a série tem feito ao redor do mundo. Dá vontade de ser amiga deles, de cuidar de cada um.
A produção estreou no Brasil no dia 16 de julho, no catálogo da novata do streaming StarzPlay, já consagrada pela crítica internacional. Pode dar um Google e tentar achar alguém falando mal. Vai ser difícil. Inclusive, Normal People aparece prematuramente entre as produções favoritas da próxima temporada de prêmios. Forte candidata a troféus de direção, roteiro e interpretação.
Alguns dias depois de ver, já com a saudade remediada, ainda me pergunto o que a produção baseada no livro homônimo de Sally Rooney tem para me tocar assim. Afinal de contas, o que mais tem nesse roteiro escrito pela própria criadora é normalidade. Acredito que faça diferença o fato dela, que tem apenas 29 anos, assinar o roteiro. É um domínio absurdo das profundezas emocionais dos personagens.
A trama
A história se passa na Irlanda. O casal se conhece na escola e logo na adolescência começa a cultivar uma emocionante sintonia. De família rica, Marianne não era a mais popular. Já com Connell é o contrário. A mãe dele faz faxina na casa de Marianne e o rapaz frequenta os grupos mais badalados. No quesito afeto a experiência deles também é inversamente proporcional. Enquanto ela é criada em uma casa desprovida de carinho, no lar dele, é o que rege a relação com a mãe, Lorraine (Sarah Greene).
Mesmo com tanta diferença social, rola um match entre eles. Os jovens passam pela fase da iniciação sexual negando para eles mesmos – e para todos que os cercam – a importância que um tem na vida do outro. E assim, nessa negação, o relacionamento de Marianne e Connell vai e vem ao longo do tempo. Da escola para a faculdade e dali em diante.
A sintonia no sexo – e demais momentos de convivência – é só mais um elemento para comprovar a potência deles juntos. Só os próprios não conseguem se dar conta do sentimento. Por isso, é acertada a escolha do clássico de Joy Division Love will tear us apart, na bela versão de Nerina Pallot. É justamente a intensidade do amor que Marianne e Connell sentem um pelo outro o que também os distancia. Além do romance em si, a série ainda aborda temas como consciência de classe, depressão, relacionamento abusivo na família e fora dela.
Intimidade bem filmada
Normal People é dirigida por Lenny Abrahamson (que fez o maravilhoso O quarto de Jack) e Hettie Macdonald. Tudo o que vai além do texto – que já é ótimo – é mérito deles. O maior, na minha opinião, é conseguir filmar intimidade. Não estou nem falando da química entre os atores (aliás, que bela descoberta de Daisy Edgar-Jones e Paul Mescal). Me refiro a uma sintonia fora da curva entre duas pessoas. O espectador consegue perceber essa diferença no micro detalhe. Aparece nos carinhos mais displicentes durante a transa e até mesmo na forma de tirar um fio de cabelo do rosto, por exemplo. Saca o grau da delicadeza?
E as conversas? Tem muita gente casada por aí que não consegue nem chegar perto de um papo verdadeiro, intenso, inteligente como Marianne e Connell. É uma conexão que ultrapassa fronteiras e tecnologias. Seja no travesseiro ou pelo Skype, a comunicação deles alcança uma profundidade que, mais uma vez, o espectador nota o bem que um faz para o outro.
E mais: em muitos momentos somos os únicos a testemunhar a força daquele amor. E o danado do amor, como diria Guimarães Rosa, é tinhoso, mas insistente. Cava espaço, persiste. Porém, não sabemos se conseguirá vingar para Marianne e Connell no formato romântico. Ele existe sim – e de maneira inquestionável – como amizade.
A jornalista Patrícia Kogut destacou a dimensão humana de Normal People. Talvez seja essa humanidade mesmo que nos conquiste. Os relacionamentos normais não são contos de fada. São cheios de imperfeições assim como todos nós. Ou seja, coisa mesmo de gente normal. Com um detalhe apontado no bem escolhido no título da crítica publicada no New York Times: o amor deles vai te despedaçar.