
Nath Rodrigues Foto: Felipe Gabriel
Em pleno século XXI a indústria da música local, nacional e mundial é comandada, em sua grande maioria, por homens. Só para exemplificar, em 2017 a revista Rolling Stone publicou uma matéria com uma lista dos 100 maiores artistas da música brasileira. Apenas 16 eram mulheres. No entanto, este cenário apresenta indícios de que está mudando. A produção feminina vem, aos poucos, ganhando espaço na indústria musical por meio de projetos, levantes populares e batalhas diárias contra o machismo e busca por espaço.
Na cena independente é mais fácil notar as mulheres na música, uma vez que o acesso aos artistas e divulgação de trabalhos são mais pessoais, boca a boca e pelas mídias locais. “De certa forma as mulheres sempre estiveram presentes na música, desde a mitologia. A questão sempre foi o espaço público que a gente não teve”, relata Camila Menezes, integrante da banda mineira Dolores 602 . O grupo é composto apenas por mulheres e Camila é responsável pelo baixo, ukulele e voz.
A introdução
De forma alguma o movimento das mulheres na música começou de forma natural. Depois dos anos 2000, ocorreu uma eclosão de projetos e movimentos para que elas tivessem mais visibilidade. Várias iniciativas surgiram para mostrar a mulher não só como intérprete, como também compositora e instrumentista. “Se esse movimento não tivesse acontecido as mulheres ainda estariam deixando esse talento de lado, fazendo outras coisas”, comenta Camila Menezes.
Um dos projetos que surgiram para mudar essa cena predominantemente masculina foi o Sonora – Festival Internacional de Compositoras . Ele nasceu em 2016 ,quando a artista Deh Mussulini lançou a hashtag #mulherescriando nas redes sociais. “Eu queria ajudar a acabar com a ideia de que tem poucas compositoras que criam a sua arte por aí”, explica Deh. A postagem teve tanta repercussão que compositoras de todo Brasil se uniram para realização de um festival. Dessa forma, surgiu, então, o Sonora. E não para por aí, o festival é realizado desde 2016 em formato internacional.
Além de ser aderido em Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, o festival foi realizado em Portugal, Irlanda, Espanha, Argentina e Uruguai. Em 2017, aumentou para 15 países e 62 cidades e 2018 manteve-se o número de países e as cidades subiram para 74. Isso deixa evidente que, cada vez mais, as mulheres estão sendo reconhecidas e mostrando o seu talento artístico.

Deh Mussulini
Foto: Luiza Castro
Sonora: edição de 2019 e proposta do festival
“Neste ano, infelizmente, tivemos que diminuir o ritmo do projeto por falta de investimento. É muito difícil trabalhar sem que haja pagamento para a nossa equipe e para nós”, confessa Deh Mussulini. Ela deixa ainda um convite para quem deseja contribuir para que o festival aconteça. Informações completas sobre o Festival Internacional de Compositoras e de contato você encontra no site do Sonora.
A artista também explica como é o formato das seleções de quem deseja participar do festival. “As inscrições são importantes para conhecermos as mulheres, o que elas estão fazendo”, esclarece. As organizadoras sempre selecionam 50% de artistas negras, 50% brancas e tentam contemplar mulheres trans (mesmo que poucas). Da mesma forma, existem outros três critérios: pessoas no início de carreira e que não tem nenhum trabalho gravado, as que estão no meio do caminho e as que já tem disco. “A intenção é democratizar a seleção, mas o nosso maior critério é observar se a pessoa está sendo cuidadosa com a própria carreira”, destaca Deh Mussulini.
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Machismo
Inegavelmente, um dos motivos para as mulheres não terem visibilidade no cenário musical é o machismo. E isso não acontece apenas na música. Em resumo, as mulheres são silenciadas em diversos cenários também dentro da própria casa, no trabalho e na rotina em geral. “Na música acontece, ao mesmo tempo, duas situações: a que as pessoas questionam se uma mulher toca bem e a que elas ficam impressionadas quando observam uma tocando”, explica Camila Rocha.
A artista é instrumentista e destaca que para essas profissionais o desafio parece ainda mais difícil. “Nós, mulheres, crescemos tendo questionamentos sobre as nossas capacidades, sobre as nossas habilidades. É um desafio marcar este lugar para nós mesmas”, aponta Camila.
Camila Rocha começou aprendendo teclado/piano, mas foi no baixo que seguiu carreira. Quando tinha 15 anos, o pai, que é músico amador, criou uma banda e precisava de baixista. Ofereceu a vaga para a filha, que logo se interessou e foi aprender o instrumento. A partir daí, começou a se apresentar como baixista. Atualmente, toca com a pianista e compositora Luísa Mitre, com a flautista e compositora Marcela Nunes e com Davi Fonseca (música instrumental). Ademais, está na cena de cantautores, atuando com Nath Rodrigues e Maíra Baldaia, por exemplo. Não para por aí, Camila Rocha também faz parte do grupo de forró Xote das Meninas. Ele é formado por seis musicistas e convida cantoras e instrumentistas de todo Brasil para as apresentações.

Nath Rodrigues
Foto: Mirela Persichini
Racismo
Não apenas de machismo sofrem as mulheres na música, como também de racismo. “Nós também fomos criados sobre esse pilar do racismo, presente na nossa sociedade em vários níveis diferentes”, conta Nath Rodrigues. Artista que lançou recentemente o seu primeiro disco, Fractal.
Nath Rodrigues é violinista. Ela diz que já sofreu racismo justamente por tocar um instrumento que tem o histórico como o do violino. Ela conta que um exemplo disso foi quando um motorista tinha apenas os seus dados e foi buscá-la para uma apresentação. Sozinha no ponto de ônibus, com o instrumento, e homem demorou muito tempo para atendê-la por visualmente achar que ela não era a violinista. “Isso não foi uma coisa que eu deduzi, foi uma coisa que ele me disse”, esclarece.
Mesmo com a importância de falar de racismo no universo musical, Nath Rodrigues destaca que a música não é o centro da discussão sobre o assunto. “O centro disso são as pessoas. A música salva a gente, ela é ciência e objeto de cura”.

Camila Rocha
Foto: Élcio Paraíso