Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Precisamos falar sobre feminismo: mostra gratuita destaca a força do cinema feito por mulheres

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Cena do filme Porto da pequena África, em cartaz na Mostra de Cinema Feminista. Foto: Coletiva Malva/Divulgação

No início deste ano a notícia sobre o aumento do protagonismo feminino no cinema foi recebida com celebração. O cenário, no entanto, ainda é muito triste . Chega a ser irônico brindar o fato de 29% dos filmes no top 100 das maiores bilheterias americanas de 2016 terem sido protagonizado por mulheres. Não é tempo de se comemorar.

Ok se em 2015 o percentual era de 22%. Os homens ainda são protagonistas de 71% dos filmes que chegam ao cinema comercial. Ainda é um desequilíbrio muito grande.

Por isso, em um cenário tão descompensado, temos sim que comemorar a realização de Mostras como a que vai ocupar a pequenina sala de exibição do Sesc Palladium, em Belo Horizonte. A 3ª Mostra de Cinema Feminista começa no Dia Internacional da Mulher e vai até domingo (12). Todas as sessões são gratuitas e estão marcadas para começar às 17h. Ops, no domingo começará às 16h.

A temática de 2017 é Diversas: Feminismo, Arte e Resistência. São 43 filmes, entre longas e curtas, distribuídos em recortes temáticos. Aqui uma curiosidade, os nomes das sessões fazem referências a gritos de guerra da luta feminista. Por exemplo, O corpo é meu e Mexeu com uma mexeu com todas vão destacar produções que evidenciam movimentos feministas dos dias de hoje.

O documentário Precisamos falar do assédio, de Paula Sacchetta, foi escolhido para a abertura solene do evento. Depois do filme, tem debate. Oportunidade para expandir o debate das questões levantadas pelo longa.

A Mostra de Cinema Feminista é realizada pela Coletiva Malva: Letícia Souza, Rita Boechat, Mirela Persichini e Daniela Pimentel.

Elas tem a palavra:

 

Cena do documentário ‘Precisamos falar sobre o assédio’. Foto: Coletiva Malva/Divulgação

Se o tema da mostra é a diversidade, imaginamos que no conjunto de filmes que vocês viram essa característica falou mais alto. Ainda assim, vocês conseguem observar um ponto em comum no cinema feminista que escolheram para compor a terceira edição da mostra?

Mirela Persichini: Acho que podíamos começar falando de feminismos, no plural mesmo. Chegamos em um contexto politico-social que é firmada a partir de uma perspectiva unificante, sendo que essa forma de ver só torna a questão simplória e excludente. Pelo menos pra mim a pluralidade e o olhar atento ao outro é a forma de criar espaços de discussão e a partir deles e aprofundar em questões tão arraigadas na sociedade como o machismo, o preconceito, racismo. Acho que quando nós, sentamos pra pensar na mostra a questão sempre foi como dar voz às mulheres? Como criar um espaço de fala que respeite e amplifique as lutas? Talvez essas questões sejam o ponto em comum.

Rita Boechat: O fato de prezamos a diversidade nos coloca a frente de diferentes temas mas também de discursos singulares. O tocante ao ponto comum vai além da realização feminina e das temáticas desse universo, versa muito mais sobre a construção de uma linguagem feminina, melhor dizendo feminista, no cinema, do que a busca da cada diretora por sua estética.

Daniela Pimentel: Eu costumo brincar que a diversidade foi tanta que recebemos filmes com o mesmo nome! A temática feminista é foco, certamente. Temas como o aborto, feminismo negro, assédio sexual, cultura do estupro, LBGTQIA, prostituição são pautas do feminismo. Infelizmente, essas questões precisam de outro tipo de visibilidade.

Falar em cinema feminista não é, por si só, separar? O que é cinema feminista?

 

Mirela Persichini: Acho que talvez seja incluir! Nós mulheres, temos que comprar uma série de requisitos para podermos ser consideradas boas profissionais, somos o tempo todo cobradas exigidas e ainda sim, muitas de nós não encontram o sucesso profissional pois tem uma linha imaginária criada pelo patriarcado, pelo qual não podemos ultrapassar. E se passamos questionam nossas escolhas e nosso trabalho. Imagino que tenha passado por algo parecido também.

Bom, excludente é o sistema, para ser inclusivo é necessário criar espaços de inclusão daí surgem espaços que são criados para fomentar e diversificar as produções. Pra isso pensamos a mostra um lugar no qual as diretoras poderiam mostrar seu ponto de vista sobre a sociedade. Isso foi uma questão que discutimos muito, o que seria um filme feminista? Chegamos à conclusão de que é um filme feito, pensado por mulheres. Que permite que a voz, a memória, a história é o lugar dessas mulheres sejam ouvidas!

Rita Boechat: Não penso que a composição feminista da mostra segregue. Primeiro porque por feminismo entendo como a  busca da igualdade de oportunidades e direitos entre homens e mulheres, e assim pensamos o objetivo dessa mostra. Nesse sentido também, o cinema feminista se apoia muito em pensar o status da mulher no mundo contemporâneo, contudo é na linguagem embativa desenvolvida pelas diretoras que acho que é onde mora o cinema feminista. O olhar feminino devolve sua estética, sua dimensão, seu devir feminista à composição totalizante e universal daquilo que se considera cinema de fato, dominado por um modo de fazer normatizador masculino. Vejo o cinema feminista como balizador do fazer audiovisual contemporâneo, mas que também insurge contra a misoginia, a cultura do estupro, o feminicídio, o direito aos nossos corpos e mentes.

Daniela Pimentel: Acho essa pergunta tão importante, porque, pessoalmente eu fico num impasse. Mas porque não dar visibilidade ao que sempre foi segregado?

Mas eu poderia te responder a partir da história que nós, integrantes da coletiva malva, vivenciamos. A mostra se constituiu num espaço onde o feminismo era pauta principal. (Junto com a Diversas)

O segundo ponto é que a partir dessa nomeação, “cinema feminista”, sentimos a necessidade urgente de disseminar a produção que estava sendo gerada. O resultado é sempre muito surrprendente a cada edição, tanto em número de filmes quanto na qualidade, na potência dos discursos. Então, levo em consideração que essa pauta tem feito as mulheres produzirem e se mostrarem. A Mostra de Cinema Feminista é um dispositivo de veiculação de novos discursos onde a mulher pode ser vista deslocada do lugar tradicionalmente imposto.

No entanto, fiquei muito feliz ao me deparar com uma série de produções riquíssimas que somam as pautas feministas. Temáticas como imigração, tráfico de pessoas, ditadura militar, tradições culturais, movimentos sociais e ocupações são outros tantos temas que tivemos o prazer de receber. Taí essa diversidade que somam às pautas feministas.

Acho sim, que hoje o termo “feminista” talvez sugira que homens não devam estar presentes e que isso poderia resultar em segregação.  Mas enquanto o cinema, para mim, for um dispositivo de transmissão, não me interessa o gênero. Eu acredito que esse tipo cinema insurgente ao qual nos propomos deva ser visto por todas e todos. Não teria sentido fazer só para mulheres…

O curta ‘Autópsia’ será exibido na Mostra de Cinema Feminista. Crédito: Coletiva Malva

O que, na avaliação de vocês, é mais urgente quando se fala na mulher no cinema? Que “bandeira” (se é que podemos dizer assim) é preciso levantar neste momento?


Mirela Persichini:
Precisamos urgentemente entender que o lugar da mulher também é o de direção, não só de assistência. Quando olhamos a ficha técnica de um filme existem muitas mulheres realizando diversos trabalhos de assistência, produção e etc.. mas quando olhamos quem assina o trabalho, ou seja, a direção vemos em sua grande maioria homens. Se olharmos então na questão direção de fotografia e maquinaria, são poucas mulheres nessas áreas e as desculpas são as mais impressionantes tipo: o equipamento é muito pesado… Além disso, entender que a competência não é uma questão de gênero.

Rita Boechat: Primeiramente o incentivo e a incorporação de mulheres no que tange a produção em geral no audiovisual. Neste campo, mais ainda a necessidade de se pensar a localização da mulher negra neste cenário. Mais ainda na produção do pensamento e crítica cinematográficas. Acho que ainda temos que caminhar muito para sentirmos respeitadas e incluídas nesses setores.

Daniela Pimentel: Esse processo de curadoria de mostra é muito novo pra mim, embora eu já tenha uma experiência com produção de mostra. Eu tenho essa raiz do cinema insurgente a partir do trabalho que faço há 7 anos com o Cinecipó. Então, o processo todo que estamos vivendo, desde a abertura de inscrição até a montagem da programação, todo esse processo ainda está sendo executado e elaborado. Ainda não vivenciamos a mostra. Essa 3ª edição ainda está por vir e terá suas consequências. Eu só poderia falar dessa urgência, quando se fala na mulher no cinema, a partir do que recebemos como material. A programação e as temáticas abordadas em sessões específicas podem dizer melhor dessa urgência… A nós foram destinadas obras. Nós não sabíamos o que chegaria. Cada uma dessas 120 mulheres sentiram-se convocadas a enviar seu material e nos propomos a fazer alguma coisa com tudo isso. Então como “bandeiras” para essa mostra, considero o feminismo negro, assédio e violência sexual, legalização do aborto temáticas orientadoras. Mas sem deixar de lado, a questão do cinema em si. Nesse sentido, filmes de memória e sobre fazer cinema, os encontros, as novas construções cinematográficas também se encontram presentes.

SERVIÇO
[O QUE] Terceira Mostra de Cinema Feminista
[QUANDO]  8 a 12 de março de 2017
[ONDE] Sesc Palladium (Avenida Augusto de Lima, 420, Centro)
[QUANTO] Entrada Franca

Informações:

https://www.facebook.com/coletivamalva/

https://coletivamalva.tumblr.com/

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