Falecida em 2023, em Gramado, quando receberia uma homenagem do Festival de Cinema da cidade gaúcha, Léa Garcia é saudade no Cineclube Mocambo
A partir desta quinta-feira, dia 9 de maio, o Cineclube Mocambo dá início à terceira edição, celebrando o talento da saudosa atriz Léa Garcia, além de refletir sobre aspectos da criação negra no cinema brasileiro e internacional. O evento será realizado até o dia 12 de maio, no Cine Humberto Mauro. Carioca, Léa Lucas Garcia de Aguiar nasceu em 1933. Filha de uma costureira e neta de uma empregada doméstica, com quem viveu após o falecimento precoce da mãe, é reconhecida como uma das atrizes fundamentais para se pensar a presença da atriz negra no teatro, no cinema e na TV brasileira.
O curador e crítico de cinema Gabriel Araújo lembra que, com a homenagem, o projeto propõe dar novos contornos ao conceito “filmografia”. “Quando ouvimos essa palavra, é usual fazermos uma associação com as obras realizadas por um diretor ou diretora; visto que nessa função está centrada, em tese, uma ideia de autoria. Nesta terceira edição, o Cineclube Mocambo propõe revirar essa proposição, realizando um esforço curatorial para investigar a agência de uma atriz brasileira – Léa Garcia – nas imagens que registraram e construíram uma ideia de negritude”.
Temas
Mais do que uma homenagem à grande atriz, que faleceu em agosto de 2023, a nova edição do Cineclube Mocambo busca examinar a filmografia de Léa. Desse modo, colocando as personagens às quais ela deu vida como força centrípeta para a escolha dos demais filmes. Entre os temas privilegiados, estão a festa, a música, a religiosidade, a intergeracionalidade e a colonização.
Filmes
Os filmes que serão exibidos compõem um conjunto de de obras antigas e contemporâneas nacionais e do exterior. Assim, a curadoria busca encontrar, no passado do cinema brasileiro e afrodiaspórico, chaves para se pensar as imagens que estão sendo produzidas hoje, no presente. De “Orfeu Negro” (Marcel Camus, França, Brasil, 1959) a “A Deusa Negra” (Ola Balogun, Nigéria, Brasil, 1979), a terceira edição do Cineclube Mocambo navega entre 23 obras. Assim, propõe uma reflexão: o que muda quando centralizamos o trabalho de uma atriz como uma chave de leitura para se pensar os filmes?
Em tempo: a terceira edição do Cineclube Mocambo é realizada com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, por meio do Edital BH nas Telas (2022). Tal qual, conta com o apoio da Fundação Clóvis Salgado, por meio do Palácio das Artes, e da produtora Ponta de Anzol.
Programação
Quinta-feira, dia 9 de maio
19h: Sessão 1 – Arquivos estrangeiros
Como lidar com as imagens exotizadas que permeiam a história do cinema brasileiro? Em vez de rechaçá-las, talvez seja oportuno mudar o modo como as apreendemos. Ou seja, compreendendo que esse passado também nos constitui. Assim, a sessão de abertura do Cineclube Mocambo, “Arquivos Estrangeiros”, aposta na discussão de Maxime Jean-Baptiste, que revisita as imagens que produziram de seu pai, e na força de Serafina, personagem vivida por Léa Garcia em “Orfeu Negro”, para a busca da beleza frente à contradição.
“Moune Ô“, de Maxime Jean-Baptiste (Bélgica, Guiana Francesa, França, 2022) – 16’
“Orfeu Negro“, de Marcel Camus (França, Brasil, 1959) – 107’
Após a sessão, debate com o curador, pesquisador e diretor Ewerton Belico e a atriz, professora, curadora e crítica de teatro Soraya Martins. Mediação: Gabriel Araújo
Sexta-feira, 10 de maio
19h: Sessão 2 – “O dia passa voando”
Em “Dádiva”, uma carta de amor de uma filha à família, e da família à criança, em “Atabaque Nzinga”. Assim, o espectador navega pela intergeracionalidade que tanto conecta as personagens de Léa Garcia e Taís Araújo quanto exemplifica as transformações da música preta no país. Ou seja, uma sessão dedicada ao legado da cultura afro-brasileira.
“Dádiva“, de Evelyn Santos (Brasil/São Paulo, 2020) – 6’
“Atabaque Nzinga“, de Octávio Bezerra (Brasil/Rio de Janeiro, 2007) – 82’
Sessão comentada pela crítica de cinema Yasmine Evaristo, com mediação de Gabriel Araújo
21h: Sessão 3 – Esse canto é minha vida
Grande parte da filmografia de Léa Garcia foi atravessada pela musicalidade que, em festas comunitárias ou rituais, se faz presente em diversas cenas do cinema negro. Nesta sessão, a proposta é costurar manifestações populares negras múltiplas.
“Canto para Liberdade – A Festa do Ticumbi“, de Orlando Bomfim Netto (Brasil/Espírito Santo, 1978) – 21’
“Abá”, de Raquel Gerber e Cristina Amaral (Brasil/São Paulo, 1992) – 5’
“Nelson Cavaquinho“, de Leon Hirszman (Brasil/Rio de Janeiro, 1969) – 14’
“Namiliki“, de Makaveli (Tanzânia, 2018) – 5’
“Essa Festa é Minha Vida”, de Ulysses Arthur (Brasil/Alagoas, 2020) – 18’
Sessão comentada pelo filósofo e historiador Markim Cardoso, com mediação de Diego Silva Souza
Sábado, 11 de maio
16h: Sessão 3 – “E todos tomamos café”
Sangue e café. Investigar o cinema negro é, de acordo com os idealizadores do Mocambo, também olhar para as histórias de violência que permeiam a experiência dos povos afrodiaspóricos no mundo. “Neste exercício de programação, abandonamos a usual recusa de encarar esse imaginário. Desse modo, propomos pensar quais podem ser as proposições que constituem essa série de filmes que trabalham com o sofrimento”. Afinal, prossegue o texto de apresentação, “se mesmo dentro de papeis muitas vezes exotizantes, Léa Garcia conseguiu imprimir a força de seu trabalho, não seria necessário nos esforçamos a sentir para além do que está na superfície dessas imagens?”
“Nkemakonam“, de Dika Ofoma e Ugochukwu Onuoha (Nigéria, 2023) – 9’
“Garotos Ingleses“, de Marcus Curvelo (Brasil/Bahia, 2022) – 15’
“Allegro Ma Non Troppo“, de Everlane Moraes (Brasil, Cuba, 2016) – 6’
“Talaatay Nder“, de Chantal Durpoix (Brasil, Senegal, 2016) – 20’
“Coffea Arábiga“, de Nicolás Guillén Landrián (Cuba, 1968) – 17’
Sessão comentada pelo curador Diego Silva Souza, com mediação de Gabriel Araújo
18h: Sessão 4 – Arcano XI: A Força
Dois filmes de matérias e pontos de partidas radicalmente distintos, que, aqui, abremr leituras poéticas acerca do trabalho e realização de atrizes negras no cinema brasileiro.
“Serpent Rain“, de Arjuna Neuman e Denise Ferreira da Silva (Estados Unidos, Brasil, 2016) – 30’
“As Divas Negras do Cinema Brasileiro“, de Vik Birkbeck e Ras Adauto (Brasil, 1989) – 53’
Sessão comentada pelo artista, mestre e doutorando em Educação Denilson Tourinho, com mediação de Lorenna Rocha
20h: Sessão 6 – Esse lugar hoje vai tremer
O trabalho de Léa Garcia no cinema esteve bastante atravessado por símbolos e performatividades da cultura negra, sobretudo elementos como a música, a religiosidade e os ensinamentos dos povos das ruas. Na sessão, estão reunidos cinco curtas que, de acordo com a curadoria, dão destaque às espetacularidades negras. “Um encontro afrodiaspórico que une a beleza do cotidiano às expressões do vodu haitiano, do neopentecostalismo, da capoeira e às impurezas das pretitudes sônicas”.
“Bronx Summer Fun“, direção não identificada (Estados Unidos, 1960) – 8’
“Terremoto Santo“, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca (Brasil/Recife, 2017) – 19’
“Kadodi“, de Nihiloxica (Bélgica, Uganda, 2017) – 6’
“Gato/Capoeira“, de Mário Cravo Neto (Brasil/Bahia, 1979) – 13’
“Brave“, de Val Wilmarc (França, 2021) – 25’
Sessão comentada pela curadora Lorenna Rocha, com mediação de Gabriel Araújo
Domingo, 12 de maio
19h: Sessão 7 – “I’ll be back!”
Uma profecia guia a construção do curta que dá nome à sessão de encerramento. Em janeiro de 1578, enquanto um rebelde haitiano caminha para cumprir a sentença da própria morte, um zumbido profetiza diante da fogueira que queimaria seu corpo: “Eu voltarei”. Ao aproximar o curta de Hope Strickland ao longa de Ola Balogun, a curadoria da Mocambo reverbera a predição que se repete ao fim de “A Deusa Negra” com o rosto de Léa Garcia. Assim, “numa circularidade afrodiaspórica que não tem começo nem fim”.
“I’ll be back!“, de Hope Strickland (Reino Unido, 2022) – 10’
“A Deusa Negra“, de Ola Balogun (Nigéria, Brasil, 1979) – 95’
Sessão comentada por Pedrina de Lourdes Santos, capitã da Guarda de Massambique de Nossa Senhora das Mercês de Oliveira (MG). Mediação dos curadores Gabriel Araújo e Lorenna Rocha
Sobre o Cineclube Mocambo
O projeto é um desdobramento de uma série de eventos e ações culturais que colocaram o cinema produzido por pessoas negras em pauta na cidade de Belo Horizonte. Trata-se de uma iniciativa anual do jornalista da Folha de S. Paulo, curador e crítico Gabriel Araújo e do produtor e cineasta Jacson Dias. O primeiro é cofundador da INDETERMINAÇÕES, plataforma de crítica e cinema negro brasileiro. Já Dias, idealizador da Ponta de Anzol, produtora de filmes mineira.
Também compõem a equipe de curadoria do Cineclube Mocambo a pesquisadora e crítica cultural pernambucana Lorenna Rocha, também cofundadora da INDETERMINAÇÕES, e o crítico e mestrando em Comunicação Social pela UFMG Diego Silva Souza. A primeira edição, realizada entre os meses de agosto e dezembro de 2021, realizou cinco sessões comentadas on-line com o intuito de complexificar as ideias em torno do cinema negro brasileiro e internacional. Já a segunda, em julho de 2023, no Cine Santa Tereza, exibiu a versão digitalizada em 4K de “A Rainha Diaba” (Brasil, 1974), de Antônio Fontoura.
Serviço
3ª edição do Cineclube Mocambo – Léa Garcia: A Deusa Negra
De 9 a 12/5 no Cine Humberto Mauro (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro)
Programação gratuita
Saiba mais em instagram.com/cineclubemocambo