Toquinho vem a Belo Horizonte parta participar do Festival Somos Comunidade, que comemora os 15 anos de atividades do Instituto Unimed-BH. Enquanto finaliza uma turnê pela Itália, responde, gentilmente, algumas perguntas que enviamos para ele. Toquinho comemorou 50 anos de carreira com lançamento de CD e DVD. Nesta entrevista ele se diz um artesão da música. Também se mostra grato à Bossa Nova, comenta a fonte inesgotável de inspiração que encontra nas crianças e vê um cenário complicado para os jovens. Confira:
CULTURADORIA: Ao longo de sua carreira, que completou 50 anos, as crianças sempre tiveram um espaço especial. O que te desafia – e também te seduz – em criar para os pequenos?
TOQUINHO: Acho que jamais deixei escapar de dentro de mim o menino que me ajuda a fabricar músicas para que milhares de crianças se conservam como crianças e ainda estimulam outros adultos a retrocederem no tempo e reencontrarem seus meninos dentro de si mesmos. A criança prima pela espontaneidade. Revelam naturalmente suas emoções. Se gostam, não esquecem. Se não gostam, descartam. Eu me divirto fazendo músicas infantis. E mesmo porque é preciso ter muito humor para se fazer músicas infantis. Quem não tem humor é melhor nem tentar.
Há que ter humildade, despojar-se de coisas que se aprendeu, escalas, harmonias, teorias musicais. E fazer o que o som pede, o que a canção pede para ficar audível, agradável. E essa linguagem é muito difícil porque não se pode subestimar a criança e não se pode fazer qualquer bla-bla-bla. Nas apresentações para esse público viro também uma criança grande se emocionando com as reações delas. Assim que acontece o retorno, a resposta das crianças, que se mantêm fiel ao que admiram e ao que as encanta se transformando na renovação de meu público
CULTURADORIA: Quando observa este repertório hoje, quais aspectos presentes nas canções considera importante reverberar nos dias atuais?
TOQUINHO: Essas canções abordam temas que predominam em todas as gerações. São temas atemporais. Criança continua se divertindo com bichinhos, brinquedos eternos como bicicleta, bailarina, bola, cadernos e tantos outros que são motivos de minhas canções. E prosseguem necessitando de carinho e proteção, instrução e oportunidades de exercerem seus direitos. É tudo isso que as músicas abordam.
CULTURADORIA: Em uma entrevista recente você disse que a geração atual é ‘passiva e perdida historicamente’. Você acredita que a arte – e a formação artística de uma maneira geral – seja capaz de colaborar para a mudança deste quadro? De que maneira?
TOQUINHO: As gerações contemporâneas tornaram-se cada vez mais planetárias. Lidam com mais possibilidades, mas os riscos também aumentaram. Para essas gerações, o que move sua velocidade não são mais as pernas. Divergência, transformação e fragmentação repercutem a cada momento em seu cotidiano. Os tons da tradição se descolorem com rapidez. Decidir-se, escolher, assumir riscos e responsabilizar-se por eles são desafios constantes e fundamentais para o prosseguimento do entusiasmo pela vida. Nada mais do que o conhecimento advindo da educação, fortalecido pela prática ou convivência com a arte para amenizar e ajudar na estabilidade dessa situação.
CULTURADORIA: Mês passado você fez o show Contrapontos em São Paulo. O espetáculo teve como participações o pianista João Ventura e a cantora goiana, Camilla Faustino. O que chama a sua atenção neles, especialmente na Camilla que estará com você em BH?
TOQUINHO: João Ventura, é um desses artistas das novas gerações. Pianista, compositor e cantor, seu maior desafio é desenvolver uma sonoridade autêntica baseada na combinação entre a música popular e a música erudita. Ganhou notoriedade rapidamente, num misto de canções autorais e releituras de clássicos consagrados das MPB. Quando o conheci, em Portugal, logo percebi que poderíamos juntar violão e piano num contraponto em que a sofisticação do erudito valoriza a simplicidade do popular e vice-versa, numa coordenação de arranjos e vozes que se completam harmonicamente, dotando as composições de um caráter novo e intrigante.
Essa performance transformadora é destaque no show “Contraponto”. Mostramos essa especial roupagem em vários clássicos da MPB, contando também com a participação de Camilla Faustino, talento vocal surgido recentemente . Há dois anos seu a conheci, vencedora do quadro “Quem Sabe, Canta” do programa Raul Gil, e ela passou a fazer parte de minhas apresentações no Brasil e Exterior. Ela encanta o público pelo seu carisma, afinação e bom gosto.
CULTURADORIA: Você acaba de lançar um CD e DVD que comemoram seus 50 anos de carreira. Diante de tudo o que você já viveu e já construiu para a música brasileira, de que maneira se relaciona pessoalmente com a produção contemporânea no Brasil de hoje? Como ouvinte, você se considera um saudosista ou se interessa em descobrir novos sons e talentos?
TOQUINHO: Perdura a sensação de uma constante renovação e de um contínuo aprimoramento. Cada ano robustece o seguinte e as décadas se diluem na descoberta de técnicas novas e na extensão do vigor ampliado pelas conquistas e pelos sucessos. O tempo não apaga o que nos arde na alma. Essa longa trajetória só pode ser alcançada com muita dedicação. Eu me considero um artesão, sempre apoiado no violão que representa o início e o desenvolvimento de tudo. E a música será sempre uma chama a aquecer minha dedicação ao instrumento. Além disso, sou privilegiado por ter trabalhado com parceiros que sempre valorizaram minhas composições. Estudo todos os dias a procura de novos acordes e harmonias. Amo fazer o que faço, o palco é a extensão de minha casa. Nele sou simples e íntimo da plateia.
O resto, a vida se incumbiu de mostrar-me valores e caminhos que eu soube aproveitar usando meu talento maior: o de instrumentista. Portanto, há uma comemoração a cada acorde novo, a cada subida nos palcos, a cada disco gravado, a cada aplauso do público que se renova por muitas gerações. Eu não sou nostálgico para nada. Não suporto essa frase: “Bons tempos aqueles.” Não. Bons tempos são esses, agora. Tem uma frase do Paulinho da Viola muito bonita. Ele fala: “Eu não vivo no passado, o passado vive em mim.” É diferente. Eu canto as canções de uma forma nova, não nostálgica. Por isso também é que os novos talentos sempre estão na minha mira. Quando reconheço sua qualidade não deixo escapar.
CULTURADORIA: O que te proporciona paixão em fazer e continuar fazendo música? O que te desafia na música hoje?
TOQUINHO: A música é o próprio desafio a ser explorado a cada nova busca, a cada acorde descoberto. Não saberia viver sem a música em minha vida. Uma paixão que se renova tanto na improvisação de cada acorde na busca de novas melodias quanto no deleite de subir ao palco em cada reencontro com meu público. Amo fazer o que faço.
CULTURADORIA: Qual a maior contribuição os movimentos musicais como Bossa Nova, Tropicalia deixaram para a música brasileira que a geração de hoje não conseguirá alcançar?
TOQUINHO: A Bossa Nova marca o início de meu longo percurso artístico e representa a transformação cultural consumada no Brasil por uma juventude que buscava uma realidade musical mais autêntica, condizente com a euforia e a liberdade predominantes no país naquela época. Faço parte de uma geração que elegeu o violão como signo genuíno de uma criatividade enraizada na beleza melódica dessas canções. A beleza da Bossa Nova prossegue encantando sucessivas gerações. A Bossa Nova difundiu para o mundo a vitalidade da arte musical brasileira, ainda hoje presente, conhecida e admirada por todos. Posso, sem dúvida, afirmar que a Bossa Nova não tem tempo nem idade. Por sua vez, a Tropicalia simboliza a busca de uma mudança musical baseada num nacionalismo que foi se apagando aos poucos, sem consistência.