Textos sobre maternidade resultantes da imersão de cinco bolsistas na 2ª edição do projeto Escrita dos Dias são reunidos em obra
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Compartilhar escritas sobre o conceito de maternidade a partir de experiências concretas e particulares de um grupo de mulheres – mães ou não – de perfis variados. Foi com esse objetivo que, em outubro de 2023, o projeto Escrita dos Dias – coordenado por Cecília Rocha, Fernanda Regaldo e Maria Carolina Fenati – deu início à sua segunda edição.
Realizado com patrocínio do Centro Universitário de Belo Horizonte – UniBH, via Lei Municipal de Incentivo à Cultura, “Práticas de Escrita Biográfica sobre Maternidade” contou com a participação de cinco bolsistas, selecionadas para uma residência. A saber: Dolores Orange, Flávia Carvalho, Lorena Barbosa, Malu Grossi Maia e Marina Apolinário. Assim, até maio deste ano, as integrantes trataram de dar vazão a pensamentos, vivências e ideias (relacionadas ao eixo proposto) sob a orientação de Cecília e Fernanda. Além do acompanhamento individual, o processo também incluiu reuniões coletivas.
Livro
No sábado, 17 de agosto, no Incc Café, o livro homônimo ao projeto – “Escrita dos Dias II – Práticas de escrita Biográfica sobre Maternidade” –, que abarca os textos resultantes desta imersão, será lançado, com distribuição gratuita de exemplares para o público presente. Na sequência, estará disponível para download no site.
Trata-se de uma publicação de aproximadamente 200 páginas, diagramada por Luísa Rabello e organizada pelas coordenadoras do projeto. Aliás, no dia do lançamento, a equipe do projeto e as cinco autoras estarão presentes para sessão de autógrafos e conversa com o público.
Escolha do tema
Para saber mais sobre o processo, o Culturadoria conversou com Fernanda Regaldo e Maria Carolina Fenati. Primeiramente, perguntamos a Maria Carolina sobre a opção pela temática da maternidade, nesta segunda edição do Escrita dos Dias. “Nós três, Fernanda, Cecília e eu, que estamos envolvidas com esse projeto, somos mães. E, na experiência da maternidade, muito rapidamente percebemos que era preciso falar mais sobre o tema, entender o que a gente estava vivendo. No entanto, para isso, era preciso escrever, ler, encontrar textos, partilhar com outras mães”, pontua.
Porém, Maria Carolina ressalta que o projeto não é uma iniciativa isolada. “Essa inquietação, obviamente, não é só nossa. Se a gente olhar ao redor, inclusive no mundo editorial, nos dias atuais, há uma atenção maior para mulheres mães escrevendo (sobre suas experiências). Desde 2020, ou mesmo um pouco antes, muitos livros foram publicados com essa temática (maternidade). Assim, a gente propôs a discussão, mas importante ressaltar que em nenhum momento entendemos que as cinco (bolsistas) teriam que ser mães”.
Isso porque, pondera, a maternidade também é um tema para mulheres que não têm filhos – “e pelo motivo que for: seja pela decisão de não ter, seja por uma impossibilidade, enfim”. Desse modo, prossegue Maria Carolina, o projeto já partiu de “um sentido de maternidade menos limitado”. “Ou pelo menos não circunscrito ao sentido de destino ou de realização biológica fundamental da mulher. Propomos pensar a maternidade como um tema em relação ao qual nós, mulheres, e outros segmentos sociais, nos posicionamos – tanto intimamente, para a nossa vida, quanto socialmente, na vida coletiva”.
Seleção das bolsistas
Maria Carolina conta que, para montar o grupo das cinco bolsistas, uma das diretrizes a nortear as coordenadoras foi que esse se apresentasse variado: “tanto do ponto de vista de incluir experiências e lugares de fala variados, quanto temáticas, escolhas estéticas e narrativas diversas. A gente tentou fazer com que o grupo tivesse uma dinâmica na qual uma mulher escutasse em outra participante a variedade do significante maternidade. Ou seja, que a convivência daquelas mulheres entre si fosse já um testemunho, um modo de formular a variação do tema proposto”.
Dinâmica dos encontros
Os encontros, como já assinalado, aconteceram entre outubro do ano passado e maio deste ano. De início, a dinâmica era em grupo, como situa Fernanda Regaldo. “Nos reuníamos online, por ser um modo mais efetivo de conseguir conciliar agendas. Em nossos encontros coletivos, cada uma falava dos seus desejos em termos do que escrever, de como escrever, e do caminho que estava seguindo”.
Dinâmica
As residentes também compartilhavam, prossegue Fernanda, as angústias de escrever e de enfrentar as questões que estavam se propondo a enfrentar. Do mesmo modo, havia uma dinâmica de encontros individuais. “Os encontros coletivos aconteciam de acordo com a demanda. Os encontros individuais eram mais regulares, e aconteciam ao menos uma vez por mês, mas cada residente podia solicitar mais encontros se estivesse encontrando dificuldades ou se tivesse alguma questão que quisesse discutir mais a fundo”.
Foi, acrescenta Fernanda, o que de fato aconteceu. “Algumas delas quiseram mais orientação, outras seguiram um caminho mais autônomo. Na verdade, foi muito interessante ver esses ritmos, acompanhar como o trabalho ia se desdobrando de maneiras muito diversas. E os encontros coletivos permitiam que elas fossem se alinhando entre elas também. Então o processo se deu de maneira muito fluida”.
Questões abarcadas no livro
No curso do processo, emergiram diferentes histórias de maternidade, contadas a partir do posto de mães, filhas, netas… “Ou seja, temos um espectro muito amplo de questões trazidas e tratadas por essas autoras, assim como um amplo espectro de formas, também”, frisa Fernanda Regaldo. “Teve quem escreveu poesia, quem escreveu ensaio, quem escreveu autoficção, quem optou por resgatar memórias pessoais. E isso é algo muito rico, porque vemos uma diversidade grande de vozes”.
O denominador comum, entende ela, “é o desejo, que se manifestou muito claramente nos encontros, de falar. E a maternidade é o fio que costura a expressão dessas mulheres”.
Abordagens
Fernanda cita, por exemplo, o texto de Dolores Orange, que se relaciona a um câncer por ela enfrentado. “O tratamento implicou na retirada do útero. Ou seja, ali, temos a maternidade vista pelo ângulo da impossibilidade”.
Já o texto de Marina Apolinário, prossegue, versa sobre a avó. “Ela resgata uma história de amor vivida pela avó que permite pensar os amores vividos por ela hoje, no presente.” Por sua vez, o texto de Malu Grossi Maia, em poesia, “traz a relação da autora com o pai ausente, e como essa ausência pesou sobre ela e sobre a mãe”.
A residente Lorena Barbosa apresenta um texto de autoficção. “No curso do projeto, falamos muito sobre como a memória pode passar também pela ficção, e sobre como a ficção ajuda o processo de escrita. A Lorena resgata memórias de afeto e desafeto com a mãe e as reescreve lindamente.” Já o texto de Flavia Carvalho é um ensaio sobre a experiência da maternidade. “A Flavia traz um ensaio em que reflete sobre a maternidade na literatura, relacionando suas leituras à experiência de se tornar mãe”, conclui Fernanda. “Todos eles (textos resultantes) têm uma carga muito forte de questões ligadas às vivências pessoais delas. Por isso, foi um processo muito bonito de descoberta da escrita como potência e como voz. Elas tiveram que lidar, conversar, se fazer ouvir e colocar no papel coisas difíceis que elas desejavam muito dizer”.
Oficinas
Além da residência, o projeto realizou três oficinas gratuitas, todas com objetivo de pensar as relações entre literatura, escrita e as experiências com a maternidade. Vale lembrar, ainda, que os textos reunidos na publicação a ser lançada no dia 17 de agosto receberam uma edição sonora, assinada pelo grupo O Grivo. Ela traz fragmentos lidos pelas próprias autoras. Os áudios estão disponíveis no Spotify.
Em tempo
Esta é a segunda edição do Escrita dos Dias. Na primeira, cinco jovens mulheres, entre 18 e 15 anos, escreveram breves narrativas biográficas, durante seis meses de residência. Os livros foram publicados e seguem disponíveis para download no site do projeto.
Serviço
Projeto nas redes
Lançamento do livro “Escrita dos Dias II – Práticas de escrita Biográfica sobre Maternidade”
Quando. Sábado, dia 17 de agosto de 2024 | a partir das 10h
Onde. Incc Café (Avenida Brasil, 75, Santa Efigênia)
Saiba mais sobre o projeto clicando aqui Escrita dos Dias ou acesse o perfil no Instagram