Neste sábado, dia 23, uma edição especial do Festival de Primavera marca uma década da ocupação do Espaço Comum Luiz Estrela
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Quando se tem à frente um recorte temporal que corresponde às chamadas “datas redondas”, só um comparativo a outras iniciativas afins pode indicar como a baliza merece ser festejada – e em que dimensão. No caso dos dez anos do Espaço Comum Luiz Estrela, não há margem para dúvidas. Considerando que a ocupação, que teve sua pedra fundamental lançada no agitado ano de 2013, está atavicamente atrelada a palavras como “resistência”, “coletividade”, “comum” e “gestão horizontal”, entre outras não menos potentes, com toda a certeza, merece ser muito comemorada.
Na verdade, a programação especial já está inclusive em curso. Mas um dos pontos altos terá início no dia 23 de setembro, quando começa a quarta edição do Festival de Primavera do Espaço Comum Luiz Estrela. A primeira edição do evento aconteceu em 2015, enquanto a segunda, em 2017. A terceira, ocorrida em 2018, foi norteada pelo tema “É Hora de Abrir As Portas!”, e celebrou, também, a reabertura das portas frontais do Casarão.
Festival de Primavera
Este ano, o Festival de Primavera do Luiz Estrela prossegue até o dia 26 de outubro. As atividades vão ocorrer sempre aos sábados e domingos. Para se inteirar da programação, vale acompanhar o perfil da iniciativa no Instagram.
Por ora, já foram anunciadas atrações como a abertura da exposição do projeto “Olhos da Rua”, do Núcleo de Restauro e Memória do Espaço Comum Luiz Estrela. Tal qual, a instalação “Aconchegar Memórias”, da artista Ângela Leão. E, ainda, a performance “Convívio ato-convite”, de Sarah Coeli e Thalita Amorim. Tem mais: lançamento dos zines Caderno de Processos, da Escola Comum e Biscoito Escrito com a Cozinha Comum. Não bastasse, produção de mudas de mogno com a Permacultura. Em breve, será feita uma convocatória para a comunidade e para a cidade, no sentido que proponham atividades, somando, assim, na programação.
Comum, com “c” maiúsculo
Ocupando o casarão de numero 348 da rua Manaus, o Espaço Comum Luiz Estrela se apresenta, no próprio site da inciativa, como “um centro cultural livre e autogestionado aberto à cidade”. A descrição complementa: “Realizamos diversas atividades e projetos em torno de arte, cultura, educação e política, sempre de forma colaborativa, orientados pelos princípios do Comum”. Sim, vale (muito) colocar reparo no “Comum” com a letra “c” em caixa alta, pois isso diz demais do espírito norteador da empreitada.
O espaço, que foi construído no início do século passado (foi inaugurado em 1914) para ser um Hospital Militar, também serviu de endereço a um antigo Hospital de Neuropsiquiatria Infantil e ainda abrigou a Escola Estadual Yolanda Martins, que recebia crianças que eram avaliadas “com algum transtorno mental” (pelos critérios da época). Em 1994, o imóvel foi tombado em nível municipal, mas ficou abandonado por anos. Hoje, é reconhecido pelo Instituto Brasileiro de Museus como Museu de Território/Ecomuseu.
Uma Estrela
O Espaço Comum homenageia, no nome da iniciativa, Luiz Otávio da Silva, mais conhecido como Estrela, que foi poeta, performer e intelectual. No site oficial do Espaço Comum, Estrela é apresentada no feminino: “Ela vivia na rua e era amiga de muitos, principalmente dos artistas e dos moradores do centro da cidade de Belo Horizonte. Poetisa, escrevia seus pensamentos em folhas soltas, numa espécie de diário desencadernado. Participava das mobilizações artísticas e culturais da cidade, como carnaval de rua, Praia da Estação, Festival de Performance, atrações no Teatro Espanca! e no Nelson Bordello”.
O texto prossegue: “Homossexual, ela era ainda uma militante da diversidade. Luiz Estrela era muitas, de muitas histórias e foi morta no centro de BH na noite de quarta-feira, 26 de junho de 2013. Sua morte não foi investigada. Nomeamos o Espaço com seu nome para que nunca nos esqueçamos e para que sua história e brilho sigam iluminando”.
O Espaço Comum nos dias atuais
Assim, para festejar os dez anos de existência do Espaço Comum Luiz Estrela, a reportagem do Culturadoria foi lá, conversar com algumas das pessoas que direcionam muita energia e que dão o suor e o tempo da vida delas para que o local não só continue sustentado pelos pilares que o ergueram, como amplie seu raio de ações, envolvendo a sociedade.
Confira, aqui, o resumo de alguns momentos da entrevista, separados em tópicos
Uma entrevistadora, diversos entrevistados
A conversa de algumas das mentes que gerem o Luiz Estrela com o Culturadoria teve como palco uma grande mesa, cercada por uma quantidade de gente tal que foi necessário colocar, em pedaços de papel arrancados do caderno da repórter, o nome de cada um, de modo a tentar dar a autoria devida às falas… Notícia ruim: na transcrição do material gravado, nem sempre ficou claro de quem partiu uma frase ou outra.
Mesmo com esta ressalva, confira, a seguir, os tópicos que nortearam o bate-papo coletivo (nem poderia ser diferente). E sim, no dia, teve bolo, café e quitutes, além do capricho visual de uma mesa bem preparada. Afinal, acolher é uma palavra que está no topo dos predicados que a galera do Luiz Estrela pratica.
Dez anos atrás
A atriz e professora Letícia Marçal, ou melhor, Tita Marçal, é uma das figuras que está no Espaço Comum Luiz Estrela desde o início da ocupação, naquele ano de 2013. “Assim, se (o espaço) vai completar dez anos, eu tenho dez anos e dois dias (ri ela) de casarão da rua Manaus. Eu e um colega entramos dias antes na missão de preparar o espaço. Bem, rezava a lenda que era para poder avaliar se seria mesmo este, o lugar, mas mentira, já era uma ideia fixa, (àquela altura) não ia mudar”, diz ela.
Uma “pré-história”
Mas vamos para o período que precedeu a escolha do endereço que hoje sedia o Luiz Estrela. A produtora Yasmine Rodrigues conta que “havia muita confabulação rolando”. Ela lembra que o embrião de tudo veio da ideia de alguns integrantes do grupo, de ter um espaço para o ensaio de iniciativas ligadas às artes cênicas. A ideia tomou fôlego, se ampliou e um núcleo, então, procurou as Brigadas Populares, em busca de orientação.
A primeira reunião daquele que viria se tornar um potente coletivo aconteceu em abril de 2013. Daí, logo foram organizados alguns grupos de trabalho, os GTs, como o de advocacia… O passo seguinte foi fazer um mapeamento de casarões abandonados capital mineira afora. Num segundo momento, porém, veio um entendimento claro: o de que o imóvel a ser ocupado deveria ser um equipamento público ocioso.
2013: nascia o Espaço Comum Luiz Estrela
Tita Marçal lembra que o Espaço Comum Luiz Estrela foi fruto também de várias outras movimentações que, naquele ano, ecoavam um mesmo nível de organização, potência e muita energia. “À época, BH estava pipocando. A palavra de ordem era ocupação. Havia todo um contexto favorável”, salienta ela. O advogado Joviano Mayer complementa: “Só dizer que teve um momento em que os encontros (do núcleo formador do Luiz Estrela) foram suspensos por conta das Jornadas de Junho. Assim, começamos em abril, as reuniões, mas, em junho, estava todo mundo envolvido nas mobilizações, e, aí, retomamos em agosto, os encontros”.
Ele complementa: “Mas é isso, BH vivia de fato uma efervescência, o Carnaval de rua já com uma pujança… A Praia da Estação…. Já tinha ocorrido a ocupação Dandara (no bairro Céu Azul), em 2013 veio a (Ocupação) Isidoro. Também em 2013, em março, a Guarani-Kaiowá (GK), em Contagem (no bairro Ressaca). Ou seja, foram muitas retomadas e iniciativas naquele 2013, tanto que, este ano, há um monte delas comemorando dez anos. Retomadas e ações que se firmaram, que se consolidaram”.
Um momento tenso
O professor Zion Aang Bolt confidencia que um dos momentos mais tensos foi a tentativa de despejo, ocorrida logo no inicinho da ocupação, quando o grupo, claro, ainda não tinha a posse garantida. “Naquele momento, vou dizer que, se a gente não tivesse resistido, o Luiz Estrela não teria ido para frente”. Joviano esmiúça: “Veja, nós ocupamos a casa no sábado, e na segunda-feira já havia um oficial de justiça e um policial com uma liminar de reintegração de posse. Só que, naquela hora, a dois quarteirões daqui, estava justamente acontecendo uma reunião do jurídico (da Ocupação). Éramos oito advogados. Assim, não deu cinco minutos, já estavam esses oito advogados aqui, na porta. O próprio oficial de justiça baqueou (devido à surpresa)”.
O grupo também achou por bem ligar para a Comandante Claudia, com quem já tinha um diálogo estabelecido. De pronto, ela intermediou o processo de negociação para resolver o conflito naquele momento. “E um argumento que nós também usamos é o de que a decisão (do juiz) não havia sido nem publicada. Então, foi um momento tenso, mas também um momento de vitória. E, depois, um momento de festa”, salienta Mayer. Zion confirma: “Mas talvez tenha sido o momento que a gente teve de maior risco de perder o casarão”.
Autogestão
O Espaço Comum Luiz Estrela é um modelo de autogestão que autalmente envolve mais de 100 pessoas, frisa Zion. “Então, momentos difíceis, ao longo destes anos, foram vários. Cada dia é um dia”, pondera ele. “Mas, sim, todos eles, a gente tenta superar. (Nestes dez anos) Teve morte de companheiros e companheiras, que foram momentos bem duros. Mas para a ocupação em si, se teve um momento que foi difícil, no qual a gente teve que lutar, um momento que foi um divisor de águas, eu colocaria esse (o do oficial de justiça chegando com a liminar)”.
Decisão liminar suspensa
Na mesma semana da Ocupação, as pessoas envolvidas conseguiram que a decisão liminar fosse, enfim, suspensa. “E aí começou a negociação com governo do estado. Foi também um momento muito frágil, delicado”, situa Joviano. Isso porque o casarão estava com problemas estruturais. Assim, foi necessário que o núcleo do movimento que já estava nas instalado nas dependências, saísse. “Me lembro que uma peça se soltou, caiu. Um pedaço de tijolo, acho. Mas, enfim, foi um momento de fragilidade (para o grupo)“, rememora Joviano.
Estrutura
Tita Marçal endossa que aquele momento de sair do casarão logo após a ocupação, por conta do risco oferecido pela estrutura da edificação, foi nevrálgico. “Porque, tendo a gente já entrado, havia a expectativa de já dar início à construção de um espaço cultural. Assim, foi triste perceber que a cultura teria que esperar mais um pouco, porque havia coisas mais urgentes para resolver. A casa era bem inóspita, hoje, ela está bem mais receptiva”.
A atriz e professora cita, ainda, a relação com as pessoas que já faziam uso do espaço que hoje é o Luiz Estrela. “Foram vários processos, entre conflitos e aproximações. A gente foi trabalhando a relação na mediação”. Para exemplificar o nível de dificuldade, ela conta que muitas pessoas que chegaram bem motivadas tiveram um choque “na hora do vamos ver”.
Luiz Estrela: o dia da vitória
O advogado Joviano Mayer comenta que o dia considerado como o da vitória foi o 18 de dezembro de 2013. “Porque, antes, havia uma cessão de uso da casa para a Fundação Lucas Machado. Neste dia 18, então, o estado revoga essa cessão e se compromete a assinar a nossa. E essa assinatura aconteceu no dia 31 daquele mês. Se fosse no dia seguinte, já não adiantaria, porque seria ano de eleição. Isso também adiantou a negociação com o Governo Antonio Anastasia”.
Cessão de uso
O mesmo Joviano recorda, ainda, que a primeira cessão de uso garantia a ocupação por um período de 20 anos. “Recentemente, porém, deram um golpe e passaram para cinco. Aí foi uma outra luta, mas conseguimos restabelecer para mais 20. Então, ao fim, o Espaço Comum Luiz Estrela ganhou os cinco anos que já haviam passado, de 2013 a 2019, e mais 20”.
Obras necessárias
A Daniel Santos, arquiteto, foi dada a palavra para falar sobre a estruturação do Espaço Comum Luiz Estrela. E ele iniciou sua fala pontuando uma característica do espaço que julga importante ser salientada. “É que a questão do tempo aqui, no Luiz Estrela, é completamente diferente do tempo do mundo, vamos dizer assim. Porque tem uma coisa muito diferente que é essa circulação de pessoas que o espaço tem. Então, você chega com a expectativa tipo: ‘Vamos conseguir fazer o projeto em três meses”. E, aí, demora dois anos”.
Escoramento
Ele lembra que houve uma primeira reunião na qual havia cerca de 80 arquitetos, querendo ajudar. “Aí, na segunda, uns 40. Na terceira, já havia reduzido para 30. E assim foi diminuindo até ficar um grupo de oito, dez pessoas, que, então, deu continuidade”. Entrando na questão burocrática, Daniel Santos se recorda que, concomitantemente, era necessário atender a demandas da prefeitura, da diretoria de patrimônio. “Porque o processo feito aqui, é bom ressalvar, se faz todo dentro das exigências legais. Afinal, a gente está lidando com um patrimônio. E, aí, foram conduzidas várias ações”.
Nos dois primeiros anos e meio da ocupação, o foco foi mesmo o casarão, que estava interditado. Só um escoramento havia sido feito ate ?então. Assim, naquele período, as atividades do Luiz Estrela passaram a ser desenvolvidas no pátio. Passado esse período, o grupo entrou com um projeto em um edital no Fundo Estadual de Cultura e foi selecionado. “Portanto, conseguimos restaurar o telhado, que estava desabando. Inclusive porque o prédio esteve abandonado por anos”, frisa Daniel. Uma outra verba foi obtida por meio de uma campanha de financiamento coletivo.
O telhado
Problema: a soma do dinheiro destas duas fontes (campanha de financiamento e edital) não era suficiente para bancar o valor pedido pelos escritórios das firmas que passaram orçamentos para o serviço que se fazia necessário. “Assim, acabamos ficando com esse dinheiro parado em conta por mais ou menos seis meses, sem saber se iniciava o restauro ou não. Porque obra em telhado, se começar, tem que ir até o fim. Não dá para ficar no meio do caminho”, explica Daniel.
Até que, ao fim, ficou resolvido que o Espaço Luiz Estrela iria enfrentar a questão de maneira direta. Ou seja, veio a decisão de não contratar uma empresa, mas, sim, fazer a contratação direta de pessoal. “Claro, todos com os devidos registros, e a gente acompanhando a obra muito de perto. Então, o tempo todo havia pelo menos um arquiteto aqui”, esclarece Daniel.
Intervenções
Sendo assim, com o valor que o grupo tinha em caixa, foi possível não só restaurar o telhado, como remover a laje. “Que era um dos principais fatores pelos quais o casarão estava caindo. Isso porque as intervenções passadas do poder público sobre o prédio, no curso dos anos, não foram adequadas.
Abrimos alguns vãos e tapamos outros que estavam abertos. Assim, nessa primeira obra demos um passo muito importante de garantir que o casarão ia ficar de pé”, prossegue o arquiteto. Mais tarde, houve outra obra na lateral esquerda. “A edificação era muito abafada e úmida, porque, no passado, construíram uma outra colada, tapando todas as janelas de baixo, o que fez com que a casa perdesse aqueles respiros”.
Estabilidade
Hoje, ainda há um ponto ou outro com escoramento, por questões de segurança. “Mas a estabilidade do imóvel está assegurada, não há risco de queda. Há, por exemplo, um escoramento no porão. É uma obra que vai exigir um estudo minucioso. E tem um no balcão da frente, que, mais recentemente, registrou uma movimentação. Mas está tudo bem garantido e sendo acompanhado. Aliás, é um monitoramento contínuo”, assegura Daniel.
Prêmio de Patrimônio Histórico
Joviano Mayer destaca que, em 2017, o Espaço Comum Luiz Estrela ganhou o principal prêmio nacional do patrimônio histórico. Ele se refere ao Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, na categoria IV, que reconhece ações que demonstram o compromisso e a responsabilidade compartilhada com a preservação do patrimônio cultural brasileiro. “Isso, graças ao trabalho dessa galera do núcleo de restauro. E é um prêmio que tem a ver com o principio constitucional que embasa o Estrela, que é o artigo 216, paragrafo 1o, que foi uma mudança importante no novo texto construído em 1988”.
O advogado lembra que o documento (que foi promulgado no dia 5 de outubro de 1988, durante o governo de José Sarney) colocou também para a comunidade, em colaboração com o estado, o dever de preservação do patrimônio histórico cultural. “Então, a partir dali, passa a não caber só ao estado a tarefa de preservar. E esse artigo fala inclusive que é possível que medidas acautelatórias sejam tomadas neste sentido (para a proteção de um bem). Ou seja, é como se a gente, aqui, no Luiz Estrela, tivesse tomado uma medida cautelar para o casarão não cair, para defender o patrimônio. Logo, a gente tinha também esse embasamento constitucional”.
Noite para ficar na memória
Mayer, aliás, avalia que é um ponto interessante inclusive para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico. “O Iphan é um órgão que foi sendo sucateado no curso dos anos. Então, ter a comunidade, o povo, também defendendo o patrimônio, cuidando dele, seja do bem material ou imaterial, é muito importante. Assim, o Luiz Estrela se coloca na vanguarda da discussão de patrimônio nacional. E, por isso, ganhou esse prêmio”.
Um momento que ficou na memória foi o dia da entrega da láurea, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. No palco, a Dagmar (Bedê) junto com a Cenir Silva, mestre de obras, leram um discurso que foi construído coletivamente. “Um texto lindíssimo. Um dos mais potentes que já construímos aqui. E terminamos com um grande ‘Fora, Temer’. Nós meio que abafamos no Municipal do Rio. Foi um momento bonito da nossa história”.
Campanha Evoé
Vale dizer que uma campanha de colaborações está permanentemente em curso na plataforma Evoé. No momento, a demanda é o Festival Primavera. Qualquer pessoa que tenha interesse em contribuir com a cultura e com a classe artística de Belo Horizonte pode apoiar esse movimento com valores a partir de 10 reais. Saiba mais no site.
“Ao se tornar um apoiador da campanha, além de contribuir para a manutenção do espaço, a pessoa se torna parte dele e será um convidado especial durante todo o Festival em outubro, com benefícios especiais e concorrendo a prêmios”, diz o material do Espaço.
Para servir de exemplo
Joviano Mayer pondera que, no curso destes dez anos, o Estrela se coloca como um experimento que comprova que a autogestão é capaz de fazer muito com menos, em um comparativo às esferas públicas, por exemplo. “Isso vale para obras estruturais, de restauro, mas vale também para as investidas culturais. Caso do teatro. Aqui, no Luiz Estrela, por exemplo, foi montada uma coisa gigantesca, um espetáculo de quatro meses, com mais de 100 pessoas envolvidas. Assim, essa é a nossa aposta política”.
Ele lembra o quanto o discurso contra a corrupção no Brasil ganhou, neste século, uma dimensão “que foi inclusive capaz de derrubar a primeira presidente eleita do país”. “Mas, na minha opinião, temos um debate muito vazio sobre o tema, até no campo da esquerda. Em contrapartida, o Espaço Comum Luiz Estrela dá uma resposta efetiva, porque, aqui, com transparência, controle dos recursos, prestação de contas, a gente fez – e faz – muito com pouquíssimo. Do ponto de vista da aplicação dos recursos, deste manejo, da gestão participativa com empoderamento e formação. Porque não é só pegar um recurso e aplicar. É pegar um recurso e formar pessoas, multiplicar, plantar sementes…”.
Uma das sementes, por exemplo, é a Kasa Invisível, cujo modelo de gestão buscou inspiração no do Espaço Comum Luiz Estrela.
Conhecimento acumulado
Zion inclusive lembra que um dos eventos do Festival de Primavera vai se nortear na história do Espaço Comum Luiz Estrela sob a ótica da autogestão. “O Estrela é uma ocupação de 100 pessoas e (com o sistema de) autogestão, então, a gente tem um acúmulo (de conhecimento) cabuloso. Logo, quer passar isso para outros coletivos. Claro, nem todo mundo tem que ser organizar da mesma forma que a gente. Há várias formas de autogestão. A nossa intenção é apresentar a nossa”.
Gabrielle Salomão, a Gabi acrescenta que, ao mesmo tempo, se a gestão do Luiz Estrela envolve menos recurso financeiro, há, em contrapartida, uma abundância de recursos humanos. “E esse, o tanto que move… Aqui, na casa, é muita riqueza criativa envolvida. De transformação, de potência. E isso move mais do que a visão capital, piramidal, na qual o termo ‘recurso’ se limita a uma questão pecuniária”.
Relação com a vizinhança
Joviano lembra que, quando o grupo ocupou o casarão, ele, em particular, sentiu que a empreitada contou com o apoio irrestrito da vizinhança. “Até porque, foi uma entrada muito bem planejada. A gente chegou com um carta para os vizinhos, convidando para um café da manhã, para nos acompanhar em atividades culturais. Eu penso que, se na região existe um casarão que está abandonado, e há uma galera disposta a transformar, revitalizar), estou dentro. O Estrela foi capa de jornal. Na própria imprensa a gente teve essa adesão. Claro, como toda vizinhança, há momentos de amizade e, às vezes, um atrito. Por sermos um entro cultural em uma região mais residencial, tem pessoas que vão dar mais apoio e outras, menos”.
Da parte do grupo, há uma preocupação vigente em manter o bom relacionamento. “A gente tenta construir a relação da melhor maneira possível. Aqui, há uma rede de vizinhos que tem grupo no WhatsApp, e estamos nele. Sempre deixamos claro que, qualquer coisa, podem reclamar, mandar mensagem. Também temos a preocupação de não ser um equipamento exótico, vamos dizer assim, no meio da comunidade. A gente quer que as pessoas participem dos eventos, assim, é uma relação construída”.
Loja Comum
No bojo das comemorações dos dez anos do Espaço Comum Luiz Estrela, foi lançada a Loja Comum, com toda uma arte comemorativa que foi construída a várias mãos, por meio dos vários artistas visuais alinhados à ocupação. A arte gráfica dessa edição foi construída colaborativamente, com destaque para os artistas visuais Lucas Matoso, Kenny Mendes, Alexandre Fonseca, Julia Bernardes e Mari Angelis. Assim, lá, são vendidos copos, postais, camisetas, adesivos, bolsas e uma série de outros produtos. A Loja Comum funciona sob direção de criação da artista e educadora Silvia Herval.
Alinhamento com questão da saúde mental
O casarão onde funcionou o Luiz Estrela já foi o endereço da Escola Estadual Professora Yolanda Martins – e ainda há, nos corredores, várias marcas daquele tempo, como pinturas de temas infantis. Na sequência, a instituição de ensino passou a funcionar na edificação ao lado do casarão, até meados da década de 1990. “Quando ocupamos aqui, já havia dois anos que o espaço estava abandonado. E assim continua. Nós participamos da negociação na qual eles estavam querendo o pátio, e, ao longo do processo, descobrimos inclusive que iria ser ocupado pelo Centro Mineiro de Toxicomania. Foi uma surpresa e uma alegria grande, porque o Luiz Otávio Estrela frequentou o CMT durante boa parte da vida dele”, diz Joviano.
Mais recentemente, foi anunciado que a casa não será mais o endereço do CMT. Aliás, Joviano entende que esta seria inclusive uma pauta boa para o grupo que gere o Espaço Comum encampar. “É que o Luiz Estrela reconhece também essa vocação do Espaço Comum com a questão da saúde mental, inclusive pelo fato de ter, no passado, abrigado um manicômio infantil. Também temos um núcleo direcionado a essa pauta, o Criar Cura, ou seja, temos já esse compromisso. Na verdade, uma pessoa que foi muito fundamental na história do Casarão, a Roberta (von Randow), era quem mais trazia essa pauta, pois já trabalhava com saúde mental há muito tempo. Infelizmente, ela nos deixou (Roberta faleceu em março de 2022), mas esta luta segue sendo uma coisa muito forte para a gente”.
Portas abertas
Zion lembra, ainda, que mesmo pessoas que não fazem parte do coletivo podem usar a casa para a realização de eventos. Yasmine acrescenta que o grupo Lamparina gravou todos clipes (como o da música “Deixa Tocar”) do disco “Zam Zam” na casa. Do mesmo modo, alguns integrantes do Grupo Galpão participaram de uma roda de conversa e a exibição de um curta-metragem (“A primeira perda da minha vida”) no endereço. “Tem a capa do disco do Graveola. Você bate o olho e vê que é a porta do casarão”.
Atividades calendarizadas
A agenda do Espaço Comum Luiz Estrela contempla, ainda, as chamadas “atividades calendarizadas”, como a Feirinha Estelar (cada edição traz 30 expositores, sendo que há 130 inscritos) e o Festival de Primavera. Iniciativas pontuais também acontecem por lá. Tal qual, atividades de inciativas parcerias, não necessariamente ligadas ao núcleo. Inclusive, é lá que são realizadas reuniões da Comuna do Reino, que é uma igreja evangélica progressista. Do mesmo modo, a Feira do Livro Anarquista. “O Estrela supre a carência de espaços assim, para movimentos que não têm sede”.
Escola Comum
Zion conta que, no Festival de Primavera, será apresentada, à sociedade, o projeto da Escola Comum, estruturada também no modelo de autogestão. Trata-se de um modelo pensado para ser popular e livre. “Um dos objetivos comuns aos núcleos que funcionam no Espaço Comum Luiz Estrela, além de restaurar o casarão, é fazer do espaço um lugar de aprendizado”.
Serviço
Festival de Primavera do Espaço Comum Luiz Estrela
De 23 de setembro a 26 de outubro, sempre aos sábados e domingos
Informações: Instagram