“O Rei de Nova Iorque”, do jornalista Will Hermes, perpassa os acontecimentos mais importantes da trajetória de Lewis Allen “Lou” Reed
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Como muitos escritores, Lou Reed (1942 – 2013) não gostava que escrevessem sobre ele. É com essa frase que “Lou Reed – O Rei de Nova York”, biografia assinada por Will Hermes, que chega agora ao Brasil, se inicia. Ou seja, já de imediato, o autor da empreitada – jornalista, que colabora na Rolling Stone e no New York Times – ratifica, assim, a aversão do cantor, guitarrista e compositor, um dos fundadores do icônico Velvet Underground, a falar sobre si próprio. No entanto, para constituir o livro de 576 páginas (!), o pesquisador conseguiu preencher eventuais lacunas por meio de expedientes oportunos. A saber: o material da editora lembra ter sido Hermes o primeiro a ter acesso ao arquivo completo do músico, que integra a Biblioteca Pública de Nova York.
Mas não só. Will Hermes também utilizou gravações inéditas e entrevistou contemporâneos de Reed no afã de compor a trajetória mais completa possível desta verdadeira lenda da música. “Desde a época em que Lou Reed morava em apartamentos sem água quente no chuveiro, no Lower East Side, até o estrelato”. E, claro, a partida, em 27 de outubro de 2013. Selecionamos, aqui, alguns trechos da obra, que leva a chancela da Ed. BestSeller, do Grupo Editorial Record.
Envolvimento com drogas
Ainda estudante, conta o livro, Lou Reed começou a vender maconha. Já a heroína, ele teria experimentado pela primeira vez em 1964. “O que quer que o tenha levado a experimentar heroína não deu certo: segundo o próprio, ele contraiu hepatite ao compartilhar uma agulha hipodérmica”, diz o livro de Will Hermes. De acordo com a obra, Reed ficou doente por um tempo, durante o qual é provável que tenha começado a escrever duas músicas ligadas à experiência: “Heroin” e “I’m Waiting For The Man”. Mais tarde, Lou Reed disse que “Heroin” era muito próxima da sensação que se tem com a droga. “Começa num certo nível, é enganoso. Você acha que está gostando. Mas, quando percebe, já é tarde demais. Não tem mais escolha. Ela atinge você com mais força, mais rapidamente, e não para”.
O início do Velvet Underground
Foi num happening – que o livro define como eventos multimídia improvisados, teatrais e interativos, e que se tornaram comuns no meio artístico nos anos 1960 – que o Velvet Underground surgiu. Além de Reed, compunha-se pelo multi-instrumentista John Cale, pelo guitarrista Sterling Morrison e pelo baterista Angus MacLise – depois substituído por Moe Tucker. O nome foi tirado de um livro em brochura, assinado por um jornalista (Michael Leigh) e vendido por 60 centavos numa banca de jornal na Times Square. O conteúdo, diz o biógrafo, trazia histórias lascivas, envolvendo troca de casais, orgias, sexo queer… “Os músicos decidiram que o título era o nome perfeito para uma banda, por transmitir tanto a cena artística underground quanto as letras sexualmente transgressoras de Reed”. E assim o Velvet Underground foi batizado.
Factory
Em 1965, a banda dá início a uma etapa importante ao adentrar a mítica Factory de Andy Warhol. O capítulo 4 da obra se dedica à relação da banda com a alemã Christa Päffgen. Com o nome de Krista Nico, ela acabou assumindo os vocais do Velvet em 1966. “Para surpresa de quase ninguém, os dois começaram a ter um caso”, diz o autor, sobre Reed e Nico. Que também não demorou a terminar. A biografia “O Rei de Nova York” também trata da ilustração de Warhol para a capa do disco “The Velvet Underground & Nico. Ou seja, a célebre fotografia serigrafada de uma banana. (abaixo)
Depois, já sem Nico, vieram “White Light/White Heat”, “The Velvet Underground” e “Loaded”. Os dois últimos, sem Cale (com Doug Yule no lugar dele). Nota da redação: Quem quiser, e puder, deve muito procurar o filme “Nico, 1988”, de Susanna Nicchiarelli, sobre Christa Päffgen. Nele, Nico é vivida pela atriz dinamarquesa Trine Dyrholm.
David Bowie
Chegam os anos 1970. E, com eles, um potente encontro entre Lou Reed e David Bowie. Nas páginas de “O Rei de Nova York”, o autor explana: “Além da ambição, Reed e Bowie tinham muito em comum”. Primeiramente, ambos enfrentaram uma adolescência difícil, “sentindo-se meio marginalizados”. Ademais, Bowie tinha um histórico de doença mental na família: seu meio-irmão mais velho, Terry Burns, de quem era muito próximo, lutou a vida toda contra a esquizofrenia. “E, como Reed, também lidava com o medo de perder o controle”.
Bowie havia perdido o pai não fazia muito tempo (em referência à época em que conheceu Reed). Desse modo, Will Hermes pondera ser provável que o camaleão visse, em Reed, cinco anos mais velho e com uma já lendária carreira musical, não só um irmão mais velho, mas também uma figura paterna. Não bastasse, os dois compartilhavam interesses em literatura, cinema e teatro, bem como em atividades espirituais. “Bowie estudara budismo na juventude e até considerara se tornar monge antes que sua fome de palco mudasse os planos. Além disso, ambos gostavam de beber e usar drogas”.
Cinema
O livro lembra que Lou Reed foi presença recorrente no cinema dos anos 1990, inclusive como ator. Assim, fez uma participação especial, como ele próprio, em “Tão Longe, Tão Perto”, de Wim Wenders, filme que contou com músicas deles e de Laurie Anderson (a companheira de Lou Reed desde o fim da década de 90 e até a morte dele). Tal qual, interpretou a si mesmo em “Sem Fôlego”, “reflexão do diretor Wayne Wang e do escritor Paul Auster sobre Nova York. O músico participou, ainda, de “O Mistério de Lulu”, com Mira Sorvino e Harvey Keitel.
De acordo com o biógrafo, Reed tentou trabalhar com Martin Scorsese, “o mestre dos filmes que retratam o realismo sórdido de Nova York”. Mas acabou não acontecendo, ainda que o diretor também nutrisse essa vontade. “O maior impacto de Reed na tela, no entanto, foi por intermédio de suas canções, à medida que uma nova geração de cineastas, roteiristas e supervisores musicais que cresceram ouvindo suas músicas atingia a maioridade e lhe prestava tributo”, diz Will Hermes. E cita “Trainspoitting”, de Danny Boyle, com a presença de “Perfect Day” na trilha.
Últimos dias
Reed permaneceu ativo até beirar os 70 anos. Quando não estava trabalhando, saía com Laurie Anderson na maioria das noites da semana, comparecendo a vernissages e estreais de peças de teatro, filmes, concertos, conta “O Rei de Nova York”. Em 2009, o casal comprou uma propriedade nos Hamptons, Em 2010, a saúde do artista piorou consideravelmente. Além do diabetes, Lou Reed precisava se preocupar com a hepatite C. “Assistentes precisavam ajudá-lo a se levantar das cadeiras, ele caíra na esteira rolante de um aeroporto. Não bastasse, cochilara durante uma apresentação de Anderson e, nos ensaios, tinha dificuldade para lembrar até mesmo as próprias músicas”, afiança o livro.
Bem, fato é que Reed se submeteu a um transplante de fígado, na Cleveland Clinic, em Ohio. Mesmo debilitado, retomou o trabalho. Mas o quando o organismo começou a rejeitar o fígado, Lou Reed entrou em cuidados paliativos. Assim, ele e Laurie foram para os Hamptons, pois Reed não queria morrer em Nova York. No dia 26 de outubro de 2013, um sábado, os dois ficaram acordados durante toda a noite. Ao amanhecer, Lou Reed pediu ajuda para ir até a varanda. “Me leve para a luz”, disse. “Eram suas palavras finais, na manhã de um domingo”, contextualiza o autor.
“Nunca vi uma expressão tão cheia de admiração como a de Lou quando ele morreu. Suas mãos estavam fazendo a forma 21 do tai chi, fluindo pela água. Seus olhos estavam abertos. Eu segurava nos braços a pessoa que mais amava no mundo, e conversávamos enquanto ele morria. Seu coração parou. Ele não sentia medo”, descreveu Laurie Anderson. Dez dias depois, Toby, mãe de Reed, morreu. “Ela sabia – e foi se juntar a ele”, disse Merrill Reed, irmã de Lou.
Serviço
“Lou Reed: O Rei de Nova York”
Will Hermes (Tradução: Lívia de Almeida)
Ed. BestSeller | Grupo Editorial Record
576 páginas | R$ 179,90