
Guilherme Leite, que lança obra sobre a vida dele no universo do livro (Diego Moreira/Divulgação)
Tendo passado por vários estabelecimentos de BH, Guilherme Leite fala, em livro, sobre o ofício do livreiro e o mercado editorial
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Guilherme Leite conta que a ideia de “Vida de Livreiro”, livro que ele lança nesta quinta-feira, dia 9 de novembro, a partir das 19h, na Livraria Quixote, começou a se desenhar na mente dele “desde sempre”. Bem, pelo menos desde 2004, quando ele começou a trabalhar na Livraria Leitura da Praça 7. Naquele início do século, a dinâmica era bem diferente da dos dias atuais. Assim, no início do ano, dezenas de estudantes adentravam o estabelecimento com a indefectível lista de material escolar em mãos. “Era uma loucura”, relembra Guilherme, acrescentando que, não raro, era necessário fechar as portas para conseguir atender aos que já estavam no interior dela.
“Vou dizer que a gente ganhava muito dinheiro nessa época, o fim do ano era gordinho, porque a nossa comissão vinha alta. Mas, para além disso, era muito gostoso fazer lista dos materiais e dos livros – na verdade, algo que se perdeu. O próprio livro didático sofreu muitas transformações e as próprias escolas começaram a ter mini-editoras, mini-gráficas e, assim, a montar as próprias apostilas”. E foi ali que Guilherme Leite passou a cultivar o hábito de ter caderninhos de bolso, nos quais anotava casos curiosos. “Aqueles diálogos malucos de livraria”.
Um dia, um Galpão (Cine Horto)
Para além deste embrião, o projeto do livro foi tomando corpo com mais tônus em 2016. “Eu trabalhava na ‘Livraria Amarela’ (nome que ele deu a um dos estabelecimentos que trabalhou) e me lembro claramente do dia em que a presidente Dilma Rousseff sofreu o golpe. No dia seguinte, já vieram avisar que a gente não receberia mais o Vale Cultura, por exemplo. Naquele momento, pensei: ‘É, a coisa não está boa. Preciso fazer mais do que eu estou fazendo”, rememora. Foi então que ele se inscreveu no Núcleo de Pesquisa em Dramaturgia do Galpão Cine Horto, com os professores Vinícius de Souza e Assis Benevenuto.
“Eles fazem provocações, fazem exercícios dinâmicos, colaborativos, cooperativos, um avaliava o outro, sabe? Então, foi um momento muito importante para eu começar a escrever”. Assim, no curso dos anos, o material que forma o livro foi saindo da mente de Guilherme e sendo organizado no computador. “O Galpão Cine Horto tem núcleos de pesquisa, de estudos, maravilhosos, gratuitos. É um lugar pelo qual eu tenho um carinho enorme. E ali comecei a escrever grande parte do que foi publicado agora”, conta Guilherme.
Embrião do livro
Ressalte-se que escrever sempre foi uma vontade de infância para Guilherme. “Mas, até o Galpão Cine Horto, eu nunca tinha tido uma experiência assim, prática, coletiva e dramatúrgica. Então, o desenho do livro começou assim, como uma escrita dramatúrgica para palco. Ou até mais roteiro, sabe? Para TV, internet. Gosto muito do resultado porque vejo essa dinâmica, essa desenvoltura. São dezenas de diálogos com dezenas de personagens. Vinte anos de história do mercado editorial e das livrarias de Belo Horizonte”.
Confira, a seguir, trechos da entrevista do Culturadoria com Guilherme Leite.
Como o prazer pela leitura entrou em sua vida?
Por conta da minha mãe, que a vida inteira fica com a cara enfiada no livro. Aliás, até hoje. Veja, a minha mãe não é da área das letras nem da educação, mas, sim, da saúde. No entanto, a vida toda a vi lendo contos, aqueles livrinhos “Sabrina”, aquelas coisas de banca. Então, acho que foi ali, observando ela, que se formou essa minha paixão – que, assim, é de infância – pelos livros. A profissão de livreiro, eu queria (exercer) desde criança. Pequeno, já falava que ia ser editor, escritor. Daí, fui fazer Design de Produto e Design Gráfico na UEMG. Na verdade, fiz quatro anos de faculdade, mas não me formei em nenhum dos dois cursos. E também queria ser Bibliotecário – ainda quero, na verdade, estudar na UERJ. Inclusive, passei várias vezes no ENEM, fiz matrícula, mas nunca cheguei a efetivamente me mudar para lá.
Do mesmo modo, como a profissão de livreiro surgiu na sua vida?
Então, eu fui meio naquela de ‘deixar a vida me levar’ e acabou acontecendo de virar livreiro. Assim, passei por praticamente todas as livrarias de BH, aliás, é mais fácil dizer aquelas pelas quais não passei. Mas muitas dessas experiências do livro são mais relacionadas às livrarias de shopping, que chamo de “Livraria Laranja” e “Livraria Amarela”. Eu gosto de chamar as livrarias por cores, porque isso me permite ser mais expressivo e, do mesmo modo, não me comprometer com nomes. Mas hoje em dia estou mais ligado à (Livraria e Café) Quixote, que gosto muito. Não à toa escolhi lá como o local para lançar o livro.
Eu realmente tenho um carinho muito especial por essa livraria, por ser uma livraria de rua, por ter toda uma preocupação de contar com bons livreiros. Da mesma forma, de oferecer um bom atendimento, de ter bons livros. Infelizmente, hoje em dia, poucas livrarias de rua sobreviveram. Belo Horizonte, por exemplo, perdeu mais de 20 livrarias nos últimos 20 anos.
Mas então você ainda exerce a profissão de livreiro?
Sim, ainda sou livreiro, e acho que sempre serei. Quando você abraça uma profissão, quando você exerce uma profissão por 20 anos, acaba não deixando de ser aquilo nunca. Pode estar afastado, mas penso que nunca vou deixar de ser livreiro. Afinal, são duas décadas da minha história! Inclusive, acho que esse livro vem firmar esse compromisso. Acredito que sempre terei uma trajetória ligada aos livros. Sempre foi assim desde a infância, nunca consegui pensar em outra profissão que não estivesse ligada aos livros, às editoras, às bibliotecas, à leitura. Então, sempre serei livreiro. Ainda faço trabalhos como livreiro. Não com frequência, devido às questões de jornada de trabalho, que podem ser exaustivas. E, por vezes, com salários absurdos…
Veja, recentemente, recebi uma oferta para trabalhar 40 horas por semana. Ou seja, não seriam 44 horas semanais, mas 40. Mas… para receber um salário mínimo! Um profissional com 20 anos de trajetória, ainda recebendo ofertas de trabalho de um salário mínimo. Realmente, não dá. Mas gosto de fazer feiras literárias. Desde o fim da pandemia, tenho feito direto. Fiz a Bienal, pretendo fazer agora o Salão do Livro, faço aquela feira da UFMG, que gosto muito. No caso da literatura infantil, não é a minha praia, mas é muito gratificante ver aquelas crianças. Muitas delas, indo pela primeira vez a um evento literário. É muito gostoso, fico empolgadíssimo, como se eu fosse um iniciante.
Você citou a questão de jornadas e salários. Como vê, hoje, o exercício da profissão de livreiro, ainda mais com a concorrência de gigantes como a Amazon, o que faz com que nem todas as pequenas livrarias sobrevivam…
Essa questão da livraria online, ela é muito impactante. Você vê que quando o Amazon chegou no Brasil, ninguém deu muita atenção. E eu vejo hoje, curiosamente, como que o mercado editorial sempre foi mais cruel com o livreiro do que a sociedade civil, vamos dizer assim, do que os leitores. Porque o mercado editorial – eu falo isso mais me referindo ao mineiro, eu não sei dizer se o paulistano, o carioca, é assim – é muito cruel com o livreiro. Na maioria das vezes, não reconhece o livreiro como mediador de leitura, o que para mim é algo indiscutível.

Assim, eu acho que, com a chegada dessas grandes lojas online, o mercado editorial finalmente está acordando para a conscientização de que o livreiro não tem só preço. Tem um valor, né? Você vê, a Livraria Cultura faliu. E a Cultura, no passado, teve um grande programa de valorização desse profissional. Mas, com o tempo, e não lembro bem os detalhes, veio um gigante como parceiro. E acho que ali começou a derrocada. De tratar a livraria como um supermercado. Assim, tratar o livreiro como um comerciante apenas, como um repositor de estoque. Logo, hoje eu vejo que o livreiro é o novo vinil, eu acho que a gente está voltando à moda.
Por último, queria que você nos falasse do projeto do podcast (a diretriz, regularidade visada etc)
O podcast, eu ainda estou estudando. Acabou ficando para o ano que vem. Afinal, fim de ano, é tudo muito corrido. E já estou lançando esse livro no finalzinho do segundo tempo, vamos dizer. Porque dezembro já vira aquela loucura, já não dá mais uma pega. Mas ano que vem sai o podcast. Na verdade, ainda não tenho definições de formato, de tempo, mas vai ser Spotify, claro. Aliás, o audiolivro também vai pro Spotify, que eu acho que é algo que deveria acontecer mais. Inclusive, estou tentando encaixar ele lá, porque não tem um formato específico para isso.
Mas o audiolivro também provavelmente vai pra Amazon, vai pra algum outro comércio online. Serão gratuitos por ser um produto, por ser um projeto de Lei de Incentivo, o audiolivro e o ebook. Voltando ao podcast, pretendo entrevistar algumas pessoas que, de certa forma, já estão fazendo o mesmo que eu. Tem o Zé Luiz, de Santos, que escreveu um livro agora: “Um Intrépido Livreiro nos Trópicos”. Eu o conheci, é uma figura muito carismática. E tem outros que não quero contar agora também para não estragar a surpresa. Mas deixo aí o nome do Zé Luiz como spoiler.
Serviço
Lançamento do livro “Vida de Livreiro”, de Guilherme Leite.
Data: 9 de novembro, quinta-feira, às 19h.
Local: Quixote Livraria e Café – Rua Fernandes Tourinho, 274, Funcionários.
Entrada gratuita. O livro estará à venda por R$ 24.
Ebook: disponível gratuitamente a partir de 9/12/2023, na Amazon.
Audiolivro: gratuitamente a partir de 9/12/2023, na Amazon e no Spotify.
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