Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Em cartaz no Belas Artes, “Levante” traz discussão sobre aborto

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Dirigido por Lillah Halla, “Levante” traz um elenco jovem junto à presença de nomes já consolidados como o de Grace Passô

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Em cartaz no Una Belas Artes desde a última quinta-feira, 22 de fevereiro, com sessão às 18h40, “Levante” tem um chamariz e tanto para o público mineiro: a presença de Grace Passô no elenco. Não bastasse, a da bárbara Glaucia Vandeveld, atriz da maravilhosa peça “Banho de Sol”, da série “Hit Parade” e de filmes como “Arábia”, “No Coração do Mundo” e “Elon Não Acredita na Morte”. No longa-metragem dirigido por Lillah Halla, a atriz, dramaturga e diretora Grace Passô interpreta a técnica da equipe de vôlei do time no qual a personagem central, Sofia (Ayomi Domenica, atriz e empresária, filha do rapper Mano Brown), atua.

Cena do filme nacional "Levante", em cartaz na capital mineira (Frame/Manjericão Filmes)
Cena do filme nacional "Levante", em cartaz na capital mineira (Frame/Manjericão Filmes)

O filme – que já passou por mais de 25 festivais – se estrutura em torno de um tema que segue sendo espinhoso: o aborto. Assim, a produção, que foi selecionada para o Festival do Rio 2023 e apresentada no Festival de Cannes, aborda o direito ao próprio corpo, bem como o de escolhas. Em cena, Sofia é uma jovem atleta que, às vésperas de um campeonato de vôlei decisivo para a carreira dela, descobre estar grávida. Como a própria sinopse de “Levante” descreve, “na tensão do momento, ela só tem uma certeza: não pode virar mãe. Não agora”.

Na verdade, a personagem de “Levante” atua no time de vôlei do bairro onde mora, mas recebe uma proposta para jogar em outro país. Ao se dar conta de que está grávida, pensa em interromper a gestação. Diante da situação aflitiva, busca apoio nas amigas e no pai (Romulo Braga). No entanto, um um grupo de pessoas contra o aborto descobre a tentativa de Sofia e, daí, parte para o ataque à moça.

Coletiva

Em Cannes, vale dizer, “Levante”, angariou o prêmio de “Melhor Filme de Estreia” da agenda paralela à competição principal no último Festival de Cinema de Cannes. O título foi concedido pela Federação Internacional de Críticos de Cinema.

Na foto, Grace Passô, em cena de "Levante" (Willsa Esser/Divulgação)
Na foto, Grace Passô, em cena de “Levante” (Willsa Esser/Divulgação)

Na última segunda-feira, o Culturadoria participou, junto a profissionais de imprensa de todo o país, de uma entrevista coletiva virtual com a Lillah Halla, a diretora de “Levante”, e parte do elenco. Infelizmente, Grace Passô não pode participar. Confira, a seguir, alguns trechos da conversa com os jornalistas.

Processo de construção

Lillah contou que o processo de construção do roteiro teve início em 2014, quando ela e Maria Elena Morán, co-roteirista, estavam na fronteira Brasil-Uruguai. “Eu já era sensível ao tema, e o Uruguai tinha descriminalizado o aborto (em 2012), reduzindo da quarta maior causa de morte de pessoas com útero de lá a praticamente zero”, lembrou ela. Assim, Lillah recorda que foi muito marcante, para as duas, estar ali, naquele momento. Inclusive porque, salienta, a fronteira entre os dois países é bastante fluida. Ou seja, no cotidiano, no dia a dia, não faz tanta diferença, assim, o fato de a pessoa, por estar em determinado lado da rua, estar em território brasileiro, enquanto em outro lado, no Uruguai.

Lillah Halla, cineasta premiada com Melhor Direção no Festival do Rio (Gabrielle Denisse/Divulgação)
Lillah Halla, cineasta premiada com Melhor Direção no Festival do Rio (Gabrielle Denisse/Divulgação)

“E, na verdade, acho que ‘fronteira’ é um termo também muito importante aqui, em ‘Levante’, em vários sentidos. (Tal qual) o fato de fronteiras fluidas. Penso que, no filme, de muitas maneiras estamos falando da violência de cartografias criadas com interesses e que são muito binárias. Ali (em 2014, na citada viagem), a gente via o aborto descriminalizado no Uruguai e, no Brasil, seguindo como uma das principais causas de morte de pessoas com útero. Então, a gente começou a conversar com militantes da causa, do lado do Uruguai. Do mesmo modo, a entrevistar pessoas nos hospitais, para saber como foi esse processo de mudança”.

O vôlei

Na verdade, havia, para as duas – Lillah e Maria Elena -, a curiosidade de aventar como seria, no Brasil, se acontecesse uma mudança similar. “Daí, a gente foi puxando os fios e história foi nascendo”. Ainda de acordo com a diretora, o vôlei, esporte escolhido para direcionar as pautas de “Levante”, também tem muito definido esse lugar de dois lados separados por uma “fronteira” (no caso, a rede, que divide a quadra, separando os times), que, no filme, também se dissolve. Esse, pois, foi um dos pontos de partida de “Levante”.

Tempos difíceis

Apesar de algumas certezas iniciais, o enredo de “Levante” foi se alterando ao longo de oito anos (a partir do citado marco de 2014) da mesma maneira que o próprio Brasil ia se transformando. “Por exemplo, a coisa do ‘olho por olho, dente por dente’, da perseguição, da violência, crescia cada vez mais no país. Sem dar spoiler, o desenlace do filme foi muito inspirado em janeiro de 2019, quando todo mundo sabe bem o que aconteceu”, diz Lillah, referindo-se à posse de Jair Bolsonaro na presidência do Brasil, quando houve um recrudescimento das pautas da direita.

“Ao mesmo tempo, (o filme) é uma resposta, um como não se submeter a tudo aquilo”. Ela também acrescenta que “Levante” se construiu a partir de muitas fases. “E uma grande, grande, grande foi a chegada dessas pessoas maravilhosas, que hoje estão aqui, hoje, compartilhando a tela comigo”, disse Lillah, referindo-se aos atores presentes na coletiva virtual. “No momento em que formamos esse grupo, a gente começou a experimentar, a conversar muito. Na verdade, no início, a gente nem sabia quem ia fazer quem. Foi um processo (de construção) coletivo”.

Processo

A atriz Heloísa Pires, primeira a falar na coletiva, lembrou o quanto todos tinham a consciência do quanto seria intricado lidar com tal assunto, o aborto. “Que é (uma pauta) muito sensível, e que inclusive pode servir de gatilho”. E prossegue: “Assim, tivemos rodas de conversa com muita frequência, em várias instâncias, em vários momentos e por diferentes motivos. Como a Lillah falou, no início, a gente não tinha (definido) exatamente qual seria a personagem de cada um. Pessoalmente, fiquei desesperada, na época. Mas, na verdade, essa foi a chave: confiar no processo. E, ao fim, deu tudo muito certo’.

Ela também conta que, ao longo das vivências que Lillah propunha, para serem realizadas junto ao elenco, a diretora fez questão de deixar todos confortáveis, para, assim, pesquisar espaços no roteiro, dentro da vivência de cada um. Heloísa acrescenta que um diferencial foi que, por um período, metade do elenco de “Levante” morou junto, na mesma casa. “E foi naquele período de pandemia, de Covid, no qual a gente nem podia mais sair à rua”.

Treino

Em relação ao foco no vôlei, Karina Rie Ishida, que em “Levante” interpreta a personagem Mayumi, elogia o cuidado da produção em relação à sintonia do elenco com o esporte. “A gente teve muito treino, semanas de aula, para criar uma sintonia. Porque a gente tinha esse desafio de transmitir uma sensação de realidade do esporte, daquela tensão, da raiva de perder a bola, da garra de fazer um ponto, de o time estar no campeonato, na reta final. De um time que quer ganhar, que luta muito. Assim, a gente teve vários treinadores de vôlei, que ficavam ali, no set, indicando as regras de jogo, de pontos, para tudo ficar bem realista”.

Karina Rie Ishida também lembrou que, ao fim, para ela, a experiência foi um grande aprendizado. E exalta o fato de o filme tentar quebrar estigmas, no sentido de que as pessoas parem de fingir que as coisas não acontecem. “Fala-se desse assunto há tanto tempo e, mesmo assim, continuamos aqui, perdendo pessoas, vidas. Isso foi o que mais me moveu neste filme”.

Mudança de vida

Ayomi, que interpreta o papel principal, lembrou que, este ano, vai completar 25 anos de vida. “E esse assunto que pauta o filme me pega desde a adolescência. Minha relação com a história de ‘Levante’ foi acontecendo em um processo. Na verdade, talvez até hoje eu esteja descobrindo o que essa relação é. Posso dizer que a personagem mudou a minha vida. Nunca vivi nada parecido. Então, foi uma oportunidade de pensar sobre esta pauta de maneira profunda. Em cada ação da personagem, tentei me colocar naquele lugar, viver a situação. Mas é importante dizer que eu tinha tanta confiança que estava fazendo um trabalho artístico que foi até tranquilo. Eu quis muito, foi uma conexão com a adolescente que fui, com a mulher que sou”.

Profissionalmente, prossegue ela, também foi uma revolução gigante, participar de “Levante”. “Contracenar com a Grace Passô, por exemplo, nossa, foi um rito de passagem. Em dado momento, me dei conta: ‘Cara, eu debati com a Grace Passô!’ Nossa, foi muito transformador, me sinto com outra auto-estima. Não só por bancar as minhas ideias, mas por lidar com tanta gente. Pessoalmente, sinto que foi – e tem sido – escolher todos os dias bancar as minhas ideias e, da mesma forma, não desistir do que acredito. Porque ter feito esse filme é dizer o quanto acredito em tudo que aparece na história, em todas as camadas”.

Confira, abaixo, o trailer

 

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