Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Lenine leva ‘tecnologia do afeto’ para show em Inhotim

Cantor compositor se apresenta no dia 27 de abril com propósito de ajudar na ressignificação da região abalada pela tragédia ambiental

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“Confesso que como cidadão nunca vi tanta falta de justeza”, desabafa Lenine. Assim mesmo, usando uma palavra que parece fora do lugar para falar sobre adequação. “É porque a justiça está banalizada. Isso gera um desencanto, essa cor sombria que o projeto ‘Em Trânsito’ tem”, justifica. É também por isso que ele abre o disco com o que chama de uma “ode à leveza”. A música ‘Leve e Suave’ é um convite a viver no afeto.

Sendo assim, a música tem uma fina sintonia com o propósito do show que traz o cantor pernambucano mais uma vez à Minas Gerais. Lenine se apresenta no dia 27 de abril (sábado) dentro do Inhotim, a partir das 15h. É a turnê do disco lançado no ano passado, vencedor do Grammy Latino e que tem mesmo um tom mais denso.

Um novo tempo

Será mais do que a retomada da programação cultural paralela no instituto, mas uma oportunidade para ressignificar e revitalizar Brumadinho. Os moradores da cidade atingida por um dos maiores crimes ambientais da história do Brasil terão entrada gratuita no museu e 50% de desconto nos eventos realizados lá.

Foto: Rogerio Von Kruger / Divulgação.

“Inhotim é um farol de ar para o mundo”, diz Lenine. Ao longo da conversa, em diversos momentos, o cantor passa uma sensação de descontentamento com o presente. Recentemente ele visitou a foz do Rio Doce. Dessa maneira, saiu impactado de lá. “Pude constatar as sequelas sociais que o crime deixou. A inadaptabilidade daquela população ribeirinha. Nos tempos de hoje, com tantas tragédias, somos massacrados por notícias que realmente provocam uma certa desesperança”.

Descobertas

Em 2019, Lenine completou 60 anos de vida e 40 anos de carreira. Datas exatas assim costumam carregar muitos significados. Para ele, não. “O mais simbólico para mim é continuar me divertindo dessa maneira”, comenta. Estar no palco, criar canções, parece ter para Lenine efeito terapêutico. Ele toca o processo artístico com ludicidade, sem perder o senso crítico.

“Independentemente de qualquer coisa, eu acredito na crônica que a gente pode fazer através da música”, diz. Em trânsito, a turnê que ele vai apresentar no Inhotim, surgiu de uma inquietação que tinha sobre a repetição dos processos artísticos. Para o grande público, pode até não parecer mas existe rotina nessa vida feita de criar canções, gravá-las e depois apresentá-las em palcos por aí.

Lenine confessa que ao longo desses 40 anos de carreira foi dando uma enganada na sensação de repetição que qualquer profissão tem. Por isso, topou o desafio de gravar as canções em um show ao vivo e ao longo da estrada ir descobrindo outras coisas sobre elas.

 

 

Foto: Rogerio Von Kruger / Divulgação.

Ludicidade

“Adoro pensar na minha música como se fosse uma cebola. Existe a possibilidade, mesmo depois da quinta audição que você descubra alguma coisa nesse equilíbrio entre sons e palavras”, diz. Lenine confessa que quando termina um disco, não costuma ouvir depois. Isso porque cada um dos 14 álbuns significou longos mergulhos criativos.

Entrar em um estúdio de gravação, para Lenine, sempre significou uma grande experimentação. Isso quer dizer que as músicas dele estão cheias de enigmas. Por exemplo, Amor é pra quem ama, gravada em Chão, é uma frase de Riobaldo no livro Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa.

“Esse tipo de coisa eu gosto de fazer. É uma pesquisa”, revela. Outra curiosidade, Umbigo, por exemplo, gravada no disco Falange Canibal (2002), tem ensinamentos do livro A vida do Bebê, do Dr Rinaldo de Lamare. “Ao longo da minha obra você vai ouvir coisas de cinema, de televisão, de livro”.

Nas canções, Lenine também costuma se questionar e indagar o estado das coisas. ‘De onde vem a canção’, de Em trânsito é um exemplo. O cantor confessa que resume a existência em três perguntas. Em síntese: o que você faz? Por que você faz? Para quem você faz? “Você precisa ter resposta pra isso”, recomenda.

Política cultural

‘Em trânsito’ deu a Lenine o sexto Grammy da carreira. Ele comemorou bastante, sobretudo por ser um projeto que valoriza ainda mais o coletivo. Quando soube do prêmio, agradeceu a todos da equipe e também aqueles que apoiaram. Entre os patrocinadores do show, estava a Petrobrás que recentemente comunicou cortes significativos no fomento à cultura.

“É uma temeridade o que este governo está fazendo em relação a cultura”, alerta. Segundo Lenine, o Brasil precisa ter noção do quanto a arte produzida aqui é tratada como setor estratégico em qualquer nação. Diz ele que foi o correr da vida que o transformou no produtor da própria carreira. Assim, sabe bem que a queda dos mecanismos de fomento vai acabar impactando no valor final do preço do ingresso. “A equação não fecha”.

Enquanto gestor, Lenine disse que optou por “ser de alguma maneira equalizado”. “Todos que trabalham comigo recebem o mesmo cachê. O grau de interesse de todos é o mesmo. Tem que ser meio malabarista”, diz o artista/produtor que a todo momento reitera a coletividade no trabalho que faz.

 

 

Foto: Flora Pimentel / Divulgação.

Encontros

As parcerias de Lenine são bastante longevas. Coisa com mais de 30 anos. “É um núcleo familiar que me serviu de sanidade”, brinca. Por núcleo familiar ele entende, tanto mulher, filhos e netos como também os amigos e os parceiros da arte.

É por isso que vale voltar a falar no afeto. Lenine aprendeu com o pai que era preciso cultivar a “tecnologia do afeto”. O que ele quis dizer com isso? “Ele falava que era a maior invenção do ser humano. Evidentemente é uma analogia poética para dizer que a vida trilhada sem afeto perde um colorido, a funcionalidade”. E ele tem mesmo razão.

 

[O QUE] Show do Lenine [QUANDO] 27 de abril (sábado), às 15h [ONDE] Inhotim [QUANTO] R$ 44 [COMPRE AQUI]

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