Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

BH recebe “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak”

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CCBB BH apresenta exposição de fotos feitas pelo japonês Hiromi Nagakura em incursões com Ailton Krenak por territórios indígenas na Amazônia, nos anos 1990

Patrícia Cassese | Editora Assistente

O afluxo de jornalistas para a apresentação da exposição “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak”, na manhã desta terça-feira, no CCBB BH, foi um bom termômetro para atestar o interesse crescente das pessoas em estar perto do pensador, escritor e ativista e, por consequência, sorver a sabedoria que as falas dele ecoam de forma ao mesmo tempo serena e contundente. Mas não só. Profissionais do texto e/ou das imagens também não disfarçaram (e nem teriam motivo) o contentamento diante da valência dos trabalhos expostos nas galerias do primeiro andar do equipamento.

O premiado fotógrafo japonês Hiromi Nagakura e o ativista, escritor e pensador Ailton Krenak (Foto: Carolina Cassese)

Estamos falando dos cliques de Hiromi Nagakura, cuja parceria com Ailton Krenak estabeleceu-se no início dos anos 1990 – precisamente, em 1993. À época, o igualmente simpático fotógrafo japonês (nascido na cidade de Kushiro, situado na província de Hokkaido, e hoje com 71 anos) havia chegado recentemente ao Brasil, para mais uma de suas viagens mundo afora.

Parceria firmada

Conta o material de apresentação da exposição que foi ao tomar ciência do forte teor do discurso de Ailton Krenak na Assembleia Constituinte (04/09/1987) que Nagakura passou a vislumbrar a possibilidade de tê-lo como parceiro e interlocutor de uma ousada (no ótimo sentido da palavra) empreitada: uma visita a diferentes etnias dos povos originários brasileiros. A parceria foi selada na sede da Aliança dos Povos da Floresta, no bairro do Butantã, em São Paulo.

Hiromi Nagakura e Ailton Krenak, na coletiva de imprensa, no Teatro II do CCBB BH (Patrícia Cassese)

Certo, a barreira do idioma poderia ser um sério obstáculo para a viabilização do projeto, não fosse a intermediação de Eliza Otsuka, intérprete de Nagakura. E, assim, a amizade entre os dois – que agora já perpassa mais de três décadas – foi sendo edificada.

Viagens

Desse modo, algumas das fotos feitas lá atrás, neste período de viagens que se estendeu até 1998, compõem a exposição que já passou por São Paulo, Rio e Brasília, aferindo um bom número de visitantes. No caso das duas últimas capitais, nas unidades do CCBB por lá instaladas. Já em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake.

Nagakura mostra o mapa (um trabalho artístico, na verdade) dos locais visitados junto a Krenak (Patrícia Cassese)

As viagens de Ailton Krenak e Hiromi Nagakura abarcaram os estados do Acre, Roraima, Mato Grosso, Maranhão, São Paulo e Amazonas. Entre os povos visitados, estavam os Ashaninka, Xavante, Krikati, Gavião, Yawanawá e Huni Kuin. Tal qual, a dupla esteve em comunidades ribeirinhas no Rio Juruá, bem como na região do lavrado em Roraima, para citar alguns pontos de parada na jornada.

A importância dos encontros

No encontro com os jornalistas, a situação atual da Amazônia, claro, foi colocada em debate, mesmo sem a conversa diretamente elencar todas as mazelas que nos últimos anos vêm impactando a região (contaminação de rios, queimadas, ação do garimpo ilegal). Nagakura, porém, pontuou que, no âmago, o sofrimento da região se entrelaça a outros que vêm se desenrolando em diferentes pontos do mundo. “Ao fim, o que falta é o respeito. O que estamos vendo é a falta de respeito com os povos indígenas, com o povo palestino…”.

Não por menos, ele ressaltou a importância de (bons) encontros como o que o uniu a Krenak. “Um encontro de alma”. Na verdade, o fotógrafo entende que do que assimilou na companhia de Krenak, nem tudo ainda foi digerido. “São muito falas, conversas. Tudo o que o Ailton fala, diz muito ao meu coração. Não foi (é) um encontro raso, do tipo que a gente diz ‘ah, nos conhecemos, que bom, somos amigos’. É algo muito mais profundo. Então, o fruto não é imediato, é lento”.

Conexões de alma

A conexão por meio da mágica do encontro, no caso das viagens, estendeu-se também aos representantes dos povos originários ou ribeirinhos com os quais travaram contato nas veredas. Aliás, Nagakura cita o retorno recente a uma das aldeias visitadas nos anos 1990. Passados 30 anos, ele e Krenak retornaram ao local, mas só conseguiram chegar já tarde da noite. Portanto, imaginaram que só encontrariam os habitantes no dia seguinte. Qual não foi a surpresa ao serem recebidos por mais de 300 pessoas.

Na visita, Nagakura clica Krenak em frente a uma foto dos dois nos anos 1990 (Carol Cassese)

Ou seja, a despeito da passagem larga do tempo, muitos ainda se lembravam da visita de décadas atrás. Ao fim, na decolagem do avião que os levou de volta, a imagem que ficou na retina do fotógrafo foi a dos indígenas daquele povo acenando, plenos de afeto.

Floresta cheia de humanidade

Sobre o encontro com Hiromi Nagakura, lá, em 1993, Krenak diz que foi tão rico, quanto especial. “O Brasil tinha acabado de sediar a Conferência do Clima, em 1992. Ali (quando selada a parceria), entendo que encontramos uma chave para que a história da Amazônia não ficasse confinada no ocidente. Ou seja, que pudesse ser percebida lá, no Japão, e por outros públicos, como o norte-americano e o europeu. Até então, ficava confinada no National Geographic”.

Nagakura e Krenak conduziram os jornalistas a uma visita nos espaços expositivos (Patrícia Cassese)

Desse modo, por meio das reportagens de Nagakura, diz Krenak, os japoneses descobriram uma floresta, a amazônica, “cheia de humanidade”. “E isso, para mim, é uma façanha. Claro, a gente tem grandes fotógrafos aqui, no Brasil (referindo-se a profissionais envolvidos com a questão dos povos originários), como a Claudia Andujar, sobre o povo Yanomami, que é um trabalho fiel de defesa do povo, que é maravilhoso, mas não panorâmico (referindo-se aos povos originários da Amazônia)”. O trabalho de Nagakura, pontua Krenak, incluiu a visita a “dezenas de povos, retratando as pessoas no contexto de suas ideias”.

Esperança equilibrista

Ailton Krenak coloca em relevo o fato de os povos originários cada vez mais reivindicarem uma paridade “na pauta dos direitos ditos humanos”. E acrescenta: “Que seria um tratamento digno, quando nos referimos ao territórios indígenas e seus modos de organização social e de vida”. Mesmo porque, adiciona, “vamos ter que nos virar juntos para no mundo caber a gente”. E há esperanças no horizonte? Com um sorriso plácido, Krenak lembra (fazendo alusão à icônica João Bosco & Aldir Blanc) que a esperança é equilibrista. “Ela existe mesmo quando estamos enfrentando abismos, para a gente ter coragem de atravessá-los”.

Neste compasso, ele lembra que, recentemente, Hiromi Nagakura visitou o povo Krenak, e viu o local sendo abastecido por caminhões-pipa (referindo-se à contaminação do Rio Doce). “Ou seja, um povo exilado em seu próprio território. Pergunto: O mundo que esperançamos é esse? Da voragem, de montanhas sendo devoradas?”.

Poética das imagens

Em outro momento, já durante a visita às galerias, Ailton Krenak voltou a falar da poética que as imagens de Nagakura evocam, apontando uma na qual uma pessoa recolhe a água da chuva em uma colher. No contraponto, ele aponta que o mundo contemporâneo influencia as pessoas a necessidades que não são reais. “Como roupas. O mundo capitalista quer sugerir que você deveria ter ao menos 300 pares de sapato. E, veja, essas pessoas que estão nessas fotos, elas não estão usando roupa. E são de uma beleza, de uma integridade, que nenhuma roupa substitui. Na minha opinião, a humanidade precisa diminuir suas necessidades”.

A exposição “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” tem acesso gratuito no CCBB BH (Foto: Patrícia Cassese)

Acessibilidade

Vale destacar que o evento é patrocinado pelo Banco do Brasil, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e idealizado pelo Instituto Tomie Ohtake, de São Paulo. A curadoria de “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” é do próprio líder indígena, em um trabalho conjunto com Angela Pappiani, Eliza Otsuka e Priscyla Gomes. Além das fotografias, a exposição disponibiliza objetos dos povos visitados e recursos de mediação e acessibilidade, como audiodescrições, peças para manipulação do público, pranchas tácteis e video libras.

Frutos anteriores

É preciso assinalar que, apesar de a exposição “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” ser uma iniciativa recente, os frutos das viagens realizadas pelos dois já haviam sido submetidos ao olhar do público de outras maneiras. Caso, por exemplo, de documentários feitos para a NHK, organização nacional de radiodifusão pública do Japão. Da mesma forma, um livro – “Seres Humanos – Amazônia” – foi lançado em 1998, em Tóquio.

Tal qual, duas exposições foram montadas. Não só. Krenak também acompanhou Nagakura em vários programas ao vivo na TV japonesa.

Abertura em BH

A abertura da exposição “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” em BH vai contar também com a presença das lideranças indígenas Krikati e Huni Kuin, mulheres líderes culturais que participam ativamente da manutenção e difusão dos saberes ancestrais de seus povos. Elas ainda vão conduzir oficinas gratuitas no decorrer do evento.

SERVIÇO

Exposição “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak”

Quando. Abertura: 02 de outubro de 2024. Visitação: até 30 de novembro de 2024, de quarta a segunda, das 10h às 22h
Onde. Galerias do Térreo do CCBB BH (Praça da Liberdade, 450 – Funcionários) – Telefone: (31) 3431-9400
Quanto. Ingressos gratuitos, disponíveis na bilheteria física ou pelo site ccbb.com.br/bh

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