Era uma curva ascendente. Mas, ao contrário de tantas que temos visto nos noticiários atualmente, era um gráfico mais voltado para medir emoção, para o desenvolvimento de sensibilidades, um exercício de empatia. Só que, no meio, tal qual a pedra de Drummond, tinha – e ainda tem – a pandemia do Covid-19. Assim, a atriz Denise Fraga precisou parar. Ela, eu, nós, nunca esqueceremos disso.
Não foi um adiamento. A linda temporada da peça Eu de Você, no Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte, precisou ser cancelada antes do previsto. Faltavam quatro apresentações para o encerramento do período inicialmente previsto. Tomara que o espetáculo retorne não somente aos palcos, mas também à cidade. É o tipo de peça necessária para tempos de afetos quebrados, escuta prejudicada.
Vida
De maneira muito simples, Eu de Você fala sobre gente, pessoas comuns, histórias cotidianas que fazem parte da vida de todo mundo. Da minha, da sua, da de Denise. “Eu gosto de gente”, resume. Na montagem dirigida por Luiz Villaça, a atriz interpreta histórias enviadas pelo público. Entre uma narrativa e outra, ela nos faz encontrar com trechos de música (a banda fica ao vivo no palco), passagens de livros. É uma costura imperceptível.
A todo momento ela (que assina a dramaturgia com Cassia Conti, André Dib, Denise Fraga, Fernanda Maia, Luiz Villaça e Rafael Gomes) nos lembra o quanto precisamos exercitar o humano. Colocar a humanidade em prática, sabe?
Escuta
“Acho que a nossa revolução precisa começar com um real exercício de disposição para a escuta”, conta a atriz. Denise Fraga foi nossa convidada do quadro Invasão de Camarim. O material foi gravado antes do toque de recolher para a contenção do avanço do vírus.
Em meio ao início do clima de incerteza, a atriz falou sobre a necessidade de desenvolvermos “estratégias de esperança”. O espetáculo é claramente isso. Um antídoto para se pensar sobre as nossas incapacidades afetivas, sociais. Ao longo do processo de criação de Eu de você, Denise conta que era perseguida por uma pergunta: “O que não nos separa?”.
Desabilidades
Todo processo artístico é acompanhado de muito estudo e descobertas. O ensaio Desabilidades, de Roberto Parmiggiani foi um dos livros que mais marcaram a atriz durante a criação de Eu de Você. De acordo com ela, o autor diz que precisamos reaprender a habitar fronteiras. “Eu não preciso concordar com você mas, no mínimo, preciso olhar por cima do muro e saber porque estou discordando”.
Como ela pondera, é preciso muito cuidado para não perdermos nossa capacidade de ampliar o raciocínio. Denise Fraga lembra, então, do grande dramaturgo Bertolt Brecht. “Ele dizia que pensar é um dos maiores prazeres da raça humana”.
O risco, segundo Denise Fraga e a peça Eu de Você alertam, é de perdermos essa capacidade humana, sucumbidos a um mundo de discursos duros e formatado. “A gente tem que conversar”, reforça a atriz.
Em determinado momento do espetáculo, Denise Fraga abre os braços e diz pausadamente: “Eu confio no teatro. Este pacto de foco comum. Essa noite de silêncio compartilhado”. Eu também confio e torço para que o momento que estamos atravessando passe logo. Em resumo, precisamos de reencontros: com o teatro, com o outro, com a vida.