Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Festival de Curitiba: ‘Domínio Público’ e o discurso sobre o vazio

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Domínio Público era uma das peças mais esperadas da edição 2018 do Festival de Curitiba. A “peça” nasceu de uma provocação que o próprio evento fez a Elizabeth Finger, Maikon K, Renata Carvalho e Wagner Schwartz.

 

'Domínio Público' peça da Mostra Oficial do Festival de Curitiba 2018 Crédito: Annelize Tozetto

Ano passado eles ficaram famosos no Brasil inteiro. Enfrentaram uma avalanche de críticas e se tornavam mais conhecidos por, respectivamente, ter deixado a filha se aproximar de um homem nu dentro do MAM (Elizabeth), ficado pelado dentro de uma bolha (Maikon), ser uma travesti que interpreta Jesus (Renata) e ficar nu em uma performance no MAM (Schwartz). Foram alvo da onda de conservadorismo e sofreram com isso.

 

O convite de Curitiba foi para que eles se reunissem e criassem, a partir da elasticidade que a linguagem teatral permite, uma resposta, um comentário, uma crítica. Enfim, qualquer coisa que pudesse refletir tudo aquilo que eles passaram. Como não ter expectativa em relação a uma obra que nasce, na teoria, com este propósito?

 

‘Domínio Público’ peça da Mostra Oficial do Festival de Curitiba 2018 Crédito: Annelize Tozetto

Surpresas

 

Não há dúvidas que o quarteto surpreendeu. Para o bem e para o mal. Enquanto muitos esperavam um enfrentamento – eu inclusive -, os artistas entregaram o contrário. Um recolhimento.

 

Enquanto muita gente esperava “respostas bélicas” como descreveu um dos curadores, o ator Guilherme Weber, o tom da “performance” foi totalmente outro. Os artistas se apoiaram no formato peça-palestra para contar, calmamente, a história da Mona Lisa. Ela mesmo, La Gioconda de Leonardo Da Vinci.

 

Em um tom de voz extremamente doce, os quatro se revezaram no palco para relatar sobre o roubo, sobre as referências de Leonardo da Vinci, sobre os meandros da criação, sobre as camadas de significados que o quadro ganhou ao longo do tempo. Renata Carvalho, inclusive, questionou: será que Mona Lisa é mesmo uma mulher?

 

São 50 minutos, quatro palestrantes e um poster com a Mona Lisa ao fundo. Nada acontece além disso. O vazio, neste caso, conforme os artistas comentaram no debate após a sessão, era algo sobre o qual eles desejavam refletir. Depois de apanhar tanto da onda de conservadorismo que assola este país eles se sentiram esvaziados. Levaram isso para o palco da forma que deram conta.

 

 

Debate

 

Não que eu esperasse algum enfrentamento mais violento por parte deles. Talvez tenha criado expectativas em relação a apontamentos críticos mais explícitos sobre as tensões entre arte, comportamento e política. Eles conseguiram acrescentar humor, ironia, metáforas.

 

Tem sido uma prática comum em festivais de teatro promover encontros críticos após a sessão. Profissionais da análise teatral são convidados a fazer pontuações sobe o que acabaram de ver e criar pontes entre os artistas e o público. No caso de Domínio Público, os críticos participantes Francisco Mallmann e Patrick Pessoa fizeram brevíssimas considerações. Reconheço o quanto o lugar da crítica é delicado em momentos como este.  Mas havia um papel a se cumprir.

 

‘Domínio Público’ peça da Mostra Oficial do Festival de Curitiba 2018 Crédito: Annelize Tozetto

 

Processo criativo

 

Coube à plateia questionar e os artistas a responder. Em um desses momentos Elizabeth Finger contou que Mona Lisa entrou no trabalho quando precisaram enviar uma foto de divulgação ao Festival. Aquela coisa padrão, sinopse e foto. Oi?

 

Procurou no Google uma imagem de domínio público e eis que aparece a foto de Mona Lisa. Oi? (Adendo: Wikipédia também serviu de referência. São pontuações irônicas que eles fazem no texto, claro!)

 

Os artistas, inclusive, não sabem a autoria da imagem que usam para divulgação da obra. Pode isso, produção?

 

A fala da artista jogou a pá de cal na minha relação com o espetáculo, a performance, a palestra, whatever.  Sim, foi uma escolha aleatória. A que deram conta.  O texto é bem construído, mas tímido. Blindado.

 

Ao longo da conversa os quatro ainda mencionam sobre o impacto que a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson gerou neles. Wagner Schwartz relatou ter recebido 150 ameaças de morte. É muito sério.

 

Pois era sobre tudo isso, sobre intolerância, violência, preconceito que eles falariam. O fizeram por meio de Monalisa. A protagonista muda de sorriso enigmático. O quadro blindado do Museu do Louvre.

 

*Culturadoria viajou e está em Curitiba a convite do Festival de Teatro de Curitiba

 

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