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Teatro

Impressões críticas sobre Casa de Bonecas: Parte 2, com Marília Gabriela

Espetáculo dirigido por Regina Galdino dá continuidade ao discurso feminista escrito por Ibsen no século XIX

Casa de Bonecas parte 2. Foto: João Caldas/Divulgação

Em 1879, o dramaturgo norueguês Henrik Ibsen escreveu a peça ‘Casa de Bonecas’, encenada pela primeira vez no mesmo ano. O drama em três atos questionava as convenções do casamento e o papel da mulher na sociedade da época. É fácil constatar, que infelizmente, aos olhos de muitos, ele não mudou tanto assim. Dessa maneira, o final, com Nora deixando a casa, o marido, Torvald Helmer, e os três filhos, para ir em busca de suas próprias realizações, é um marco feminista no teatro. Obviamente, causou escândalo entre a burguesia européia da época.

Em 2017, passados 138 anos, o jovem norte-americano Lucas Nath escreveu ‘Casa de Bonecas: Parte 2”. A peça retrata o que se passou com Nora 15 anos depois do final da peça de Ibsen. A versão da Broadway, deu à atriz Laurie Metcalf o Tony de Melhor Atriz além da montagem ter sido indicada em outras sete categorias.

Brasil

Na montagem brasileira, com direção de Regina Galdino, que fez rápida passagem por Belo Horizonte nos dias 27 e 28 de abril, Nora é interpretada por Marília Gabriela. Para quem (ainda) não sabe, Gabi já é uma veterana dos palcos. Esta é, por exemplo, sétima montagem teatral que ela participa como atriz. Já foi dirigida por grandes nomes como Gerald Thomas, Aderbal Freire Filho e Antônio Abujamra.
Sendo assim, entre as montagens de destaque, fez o monólogo ‘Aquela Mulher’ (2008), em que interpretou Hillary Clinton.

O texto, neste caso, foi escrito exclusivamente para ela pelo escritor angolano José Eduardo Agualusa. Aqui, cabe a ela se desvencilhar de sua marcante imagem, com voz e trejeitos arraigados no imaginário popular, para trazer de volta a vida tão importante personagem. Ou seja, a Nora de Ibsen.

Enredo

A parte 2 se inicia com Nora batendo na mesma porta que batera 15 anos antes ao ir embora, na cena final da peça original. Agora uma escritora de livros feministas bem sucedida, ela volta para pedir o divórcio. Após ser ameaçada por um juiz de sua cidade largado pela mulher que leu um deu seus livros, descobre que o marido (Luciano Chirolli) nunca o pediu oficialmente a separação. Dessa maneira, foi preciso recorrer à justiça. Nora é recebida por Anne-Marie (a excelente Eliana Guttman), a governanta da casa, mais leal a Herald do que a Nora.

 

Casa de Bonecas parte 2. Foto: João Caldas/Divulgação

 

Confrontos

O texto é fluido tanto para quem está familiarizado com a peça original quanto para quem conhece os personagens apenas através da nova versão. Nora, que nunca sai de cena, tem confrontos impressionantes com a governanta, com o marido e com a filha (Clarissa Kiste). Os dois filhos homens, embora mencionados, são omitidos da ação.

A governanta é o contraponto feminino às escolhas de Nora. Sendo assim, resignada com seu papel na sociedade, culpa a mesma por abandonar os filhos. Curiosamente, como Nora aponta em um momento de conflito, foi exatamente a mesma coisa que a governanta fez ao fez deixar em segundo plano a criação da própria filha. Para o público brasileiro, há aqui uma associação imediata com a personagem de Regina Casé em Que Horas Ela Volta?.

Já o marido abandonado, machista mais por formação do que convicção, é interpretado sagazmente por Chirolli como um homem que desesperadamente tenta entender a mulher ao seu lado. No entanto, ele parece ser incapaz de compreendê-la. Isso faz de Torvald um patético capaz de gerar simpatia no público.
A filha aparece apenas na segunda metade do espetáculo. É interpretada por Clarissa Kiste, um bom sopro de energia para o ritmo da peça. Embora a personagem negue a mãe, é mais próxima dela do que imagina.

 

Casa de Bonecas parte 2. Foto: João Caldas/Divulgação

 

A força de Nora

Gabi, contida tanto na voz quanto nos trejeitos, tem entendimento pleno do texto, e sobretudo, de Nora, suas dúvidas e convicções. Usa a força da sua persona pública para engrandecer o discurso da personagem.

A atualização feita por Nath para Casa de Bonecas é certeira. Reafirma a importância de Nora como personagem. Tanto para a história do teatro quanto para inspirar mulheres (e homens dispostos a se desconstruir). Quem for ao teatro em 2019 assistir a peça, não vai se deparar com o retrato histórico de uma época. Encontrará provocações muito pertinentes ao mundo (e ao momento) em que vivemos agora.

Ao fim, exatamente como no original, ela sai pela mesma porta. Mas já não é a mesma. E o espectador também não.

 

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