Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Solo ‘CAÇADA’ será apresentado por Idylla Silmarovi no Galpão Cine Horto

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A performance, que terá única apresentação no próximo dia 20 de propõe a interlocução de Idylla com o público

“CAÇADA – Esse Nome que Ainda Não Temos”, solo que a artista mineira Idylla Silmarovi estreia no próximo dia 20 de dezembro, no Galpão Cine Horto, entra em cena com o objetivo anunciado de “colocar em discussão o concreto presente nas cidades”. Desse modo, mostrando que, “apesar de toda ausência e roubo, o chão, o corpo e as memórias ainda pulsam”. O espetáculo tem direção de Rafael Bacelar e coreografia e assistência de direção de Vina Amorim.

No caso, a performance propõe a interlocução de Idylla com o público junto à obra audiovisual do fotógrafo e cineasta Edgar Kanaykõ Xakriabá. Já a trilha sonora, original, é assinada por Davi Fonseca e Lucas Ferrari. O espetáculo tem a co-produção da PACT Zollverein (Essen/Alemanha). A direção de arte, por sua vez, é de Luiz Dias e iluminação de Marina Arthuzzi.

Idylla Silmarovi, que apresenta o solo "CAÇADA", em foto de Edgar Kanaykõ (Divulgação)
Idylla Silmarovi, que apresenta o solo "CAÇADA", em foto de Edgar Kanaykõ (Divulgação)

Semente do projeto

Mas… A que “ausência” e “roubo” a proposição da iniciativa se refere? Bem, antes de responder a esta pergunta, um deslocamento temporal se torna oportuno para falar da gênese da empreitada idealizada por Idylla. Ao Culturadoria, a artista da cena e pesquisadora confessa que não conseguiria situar precisamente o momento em que a semente da performance se insinuou em sua mente. No entanto, um acontecimento ocorrido em 2021 atuou como uma espécie da baliza. Naquele ano, Idylla Silmarovi participou de uma residência artística no centro coreográfico PACT Zollverein, na cidade de Essen, na Alemanha.

“Veja, o embrião da performance nasce antes da minha ida para a Alemanha. Mas, lá, ela se torna possível enquanto criação. Então, era um processo de muitos anos. Mas é preciso dizer que, na verdade, esse solo mais demarca uma continuidade da minha pesquisa, da minha prática como artista, com os parceiros com os quais trabalho já há muito tempo”, considera. “Então, ela é mais uma demarcação do que um ponto final, de fato. Não é algo do tipo: ‘Caminhei para chegar até aqui’. Ela (apresentação) é parte de um percurso que vem acontecendo há muitos anos. Desse modo, uma continuidade de pesquisas, práticas e de uma investigação”.

Tijolinho a tijolinho

Em Essen, o processo adquire tônus também mediante à liberdade e ao respeito que Idylla encontrou para organizar as ideias e os pensamentos que lhe acorriam. “Criamos, eu e os profissionais da PACT, uma relação muito bonita de trabalho, na qual eu não lidava com a exigência de mostrar o material pronto. Ao contrário. No curso do intercâmbio, a equipe do centro visitava meu ateliê. Então, o tempo inteiro fomos trocando ideias, informações, estratégias. Assim, pensando, juntos, modos de criação, de produção. Logo, foi algo construído tijolinho a tijolinho, sabe?”, explana ela.

Na última semana da residência lá, uma das programadoras do espaço perguntou a Idylla se porventura ela enxergava algum fruto sendo gerado no curso do processo. “E respondi: ‘Claro’. Daí, a gente começou a discutir a possibilidade de uma coprodução, cujo resultado chega ao público agora com CAÇADA”.

Ação de risco

Aliás, ela ressalta que, no curso do tempo, o solo recebeu outros nomes, desde que começou a ser experimentado. “Assim, já se chamou ‘guerra retomada’, ‘pátria’, cadela, extração, exposição, rastro, chão. Até que finalmente assume esse nome, CAÇADA, com o qual a gente se identifica”. A performance, prossegue Idylla, é uma ação de risco. Demanda uma relação direta com o espectador e com o espaço. “Ela exige a presença do público, então, na verdade, é ainda um mistério, o que efetivamente vai acontecer no dia 20. Óbvio, a gente tem o nosso repertório de criação, as cenas, as estratégias, textos. Mas a performance, eu tenho ela como um mistério, como algo que irei caçando mesmo, como diz o título. Acho que tem um pouco essa perspectiva”.

Confira, a seguir, outros trechos da entrevista com Idylla

Residência

Queria que me falasse uma pouco mais da residência artística em Essen… Como surgiu o convite?

Sobre a residência, em 2021, a gente, na Ka’adela (plataforma de pesquisa, investigação e prática em performance, idealizada e dirigida por Idylla junto a um grupo de artistas emergentes), realizou uma videoperformance para o festival Panorama Raft, do Rio de Janeiro. Esse festival era co-produzido por uma série de instituições de arte de outros países. E uma dessas instituições era a PACT Zollverein, de Essen.

E aí, quando termina o processo do Panorama, eles pedem uma indicação à curadoria do festival, porque tinham duas bolsas de pesquisa para ceder a artistas do Brasil. Assim, meu nome foi indicado, junto ao de Tieta Macau (Idylla se refere à artista nascida no Maranhão, mas radicada no Ceará). E aí, a partir dessa bolsa de pesquisa, eu criei um vínculo com a instituição e, desse modo, apresentei a eles um pouco do resultado da pesquisa. E daí surgiu o interesse de a gente se conhecer pessoalmente e eu ir para o programa de residência dar sequência à pesquisa. Eu me inscrevi, era um edital. Fui aprovada, e aí eu fui para lá.

Memórias

Quanto tempo você ficou lá e como era a residência?

Minha residência artística foi de cinco semanas. E tinha uma estrutura bem livre. Ela é voltada mais para que os artistas desenvolvam seus próprios trabalhos, então a PACT não faz nenhum tipo de exigência de programação ou de relação com outras pessoas. Assim, isso vai se dando a partir do desejo e tempo de cada artista durante o processo. No meu caso, a minha residência foi para dar sequência à minha pesquisa, que era basicamente estabelecer relações entre a história do Brasil e a minha trajetória familiar.

Desse modo, traçar pontos de encontro a partir dessas duas memórias e ver onde elas tinham interseção. Como eu vinha há muito tempo trabalhando em espaços públicos, também me interessou o fato de essa residência ser um exercício de voltar novamente à galeria. Portanto, possibilitar a recuperação de algumas práticas de criação dentro da galeria teatral. A residência consistia basicamente nisso, nessa pesquisa a partir das memórias somada a um desejo meu de voltar para a galeria teatral depois de uma experiência extensa na rua.

Concreto rachado

Embora eu encontre estas respostas no release, queria ouvir, com suas palavras: que questões a performance trabalha, bem como de que maneiras?

Eu acho que esse espetáculo trabalha um pouco o aguçar dos nossos sentidos. Assim, essa proximidade com o público, no palco, comigo. Esse escancarar da maquinaria do teatro, da performance, do edifício teatral…. Eu acho que tudo isso pretende aguçar os sentidos, tato, olfato. Entendo que tem um pouco essa pegada de caçarmos, juntos, essas histórias, memórias. Caçarmos juntos o presente, a ação coletiva… Caçarmos juntos o nosso tempo. Talvez, na verdade, outro tempo. E isso refletindo a partir da ideia de território, territorialidade. A gente tem pensado muito nessa questão: Estamos em cidades, centros urbanos, que cimentam nossas narrativas, a nossa história, os nossos desejos… Esse concreto que está rachado. A gente está com o planeta rachado. Então, a partir dessas territorialidades, dessas experimentações, é pensar que existe alguma coisa que pulsa. E é dela que a gente precisa ir atrás dela.

Fronteiras

No material de divulgação do solo, há uma fala sua muito interessante, que relaciona a performance à investigação em torno da ideia de territórios, cartografias, mapas, rotas e fronteiras. A partir daí, como esses elementos se relacionariam com as nossas memórias, que, nas suas palavras, “são um direito negado pelo sistema colonial, afetando noções de pertencimento e lutas”. Gostaria que destrinchasse mais o sentido desta fala para a gente…

Vamos lá. A questão dos mapas. Tento discutir que cartografias são essas que desenharam para a gente. Que criaram fronteiras para a gente, as quais a gente por vezes não concorda, ou mesmo as vive. Veja, se você vai para qualquer lugar de fronteira, você vê como a lógica de outro território opera de um jeito frágil. Porque a fronteira é uma linha imaginária criada por alguém que possivelmente não perguntou para quem já estava lá. E que desenha essa ordem de tudo. Então, acho que a gente discute isso um pouco também no campo da linguagem. No solo, a gente vai trabalhar com performance, audiovisual, dança, teatro. É um pouco essa discussão também em torno dessas fronteiras. (Querendo dizer) Que já passou da hora de a gente borrar e desmanchar essas fronteiras, que só geram conflitos e guerras.

Como a que estamos assistindo neste momento…

Sim, a gente está vendo isso acontecendo agora. Assim, a ideia é compartilhar essa experiência e pensar sobre isso, juntos, durante 50 minutos. Nessa efemeridade mesmo que a performance tem. Nada heroico. É só um convite para compartilhar o tempo e tentar produzir outro imaginário. Apesar de efêmero, mas outro.

Em tempo

Idylla Silmarovi é artista da cena e pesquisadora. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto, com pesquisa intitulada “Estratégias da arte em estado de guerrilha”. Investiga as interseções entre a arte e o ativismo dentro das artes cênicas, principalmente no que tange ao debate em torno da memória como um direito negado pela colonialidade. Se movimenta junto a coletivos em parceria com a Toda Deseo, Academia TransLiterária e outres artistas. Diretora artística e idealizadora da plataforma / residência Zona de Encontro. Criadora do projeto de pesquisa e experimentação E.C.O.S – experimentos cênicos de orientação sudaka. Tal qual, criadora e diretora geral da plataforma Ka’adela.

Serviço

“CAÇADA – Esse Nome que Ainda não Temos”
Dia 20 de dezembro, quarta-feira, às 20h
Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3613, Horto)
Ingressos: R$ 30 (inteira) R$ 15 (meia entrada)
Vendas pela plataforma Sympla

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