Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Confira cinco narrativas góticas escritas por mulheres

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Ao longo da história, várias escritas femininas também se enveredaram pelas narrativas góticas, fornecendo novos elementos ao gênero

Carolina Cassese | Especial para o Culturadoria

O Halloween se aproxima e, junto à data festiva, muitas vezes emerge a vontade de conferir obras que trazem representações da cultuada atmosfera gótica. Pensando nisso, selecionamos cinco histórias escritas por mulheres – porque sim, elas definitivamente contribuíram, e seguem contribuindo para revolucionar o gênero. Como sabemos, não foram poucas as grandes obras de autoria feminina apagadas por décadas. Assim, nunca é demais destacar histórias que criaram novos paradigmas e trouxeram frescor a estruturas previamente estabelecidas.

Cena do filme "Frankenstein" (1931), de James Whale (frame)
Cena do filme "Frankenstein" (1931), de James Whale (frame)

Algumas das narrativas com pitadas góticas citadas aqui mesclam elementos de terror a outros gêneros, como a ficção científica, o realismo mágico ou o suspense. Em alguns casos, as características góticas estão presentes por meio da ambientação ou, ainda, pelas temáticas abordadas. Porque, sim, o horror pode se manifestar de diferentes maneiras (nem sempre é sobre os famosos jump scares ou cenas muito explícitas). Desse modo, as seguintes narrativas – e uma infinidade de outras obras clássicas e contemporâneas – ilustram que terror também é coisa de mulher.

“Frankenstein”, de Mary Shelley

O romance de Mary Shelley é, sem dúvida, um dos principais clássicos das obras com chaves góticas – com frequência e por motivos evidentes, também categorizado como uma das principais obras de ficção científica. A história, publicada pela primeira vez em 1818, é bastante conhecida. Assim, o leitor acompanha a tentativa obcecada do cientista Victor Frankenstein de criar um ser que desafie as normas da ciência. No entanto, o protagonista acaba ficando horrorizado com o resultado.

Cena do filme "Frankenstein", de 1931 (Frame)
Cena do filme “Frankenstein”, de 1931 (Frame)

Assim, a autora utiliza vários elementos góticos para a construção da narrativa, como a descrição de espaços que enfatizam a ideia de devastação. Desse modo, em algumas passagens, há referências a tempestades e lugares bastante isolados. Por exemplo, o solitário castelo em que o monstro decide se esconder. O clássico já foi adaptado diversas vezes para o cinema e, tal qual, também para outros suportes midiáticos.

Capa do disco "First Two Pages of Frankenstein", do grupo The National (reprodução)
Capa do disco “First Two Pages of Frankenstein”, do grupo The National (reprodução)

Dessa forma, um exemplo recente de intermidialidade é o álbum “First Two Pages of Frankenstein”, da banda estadunidense The National. Como o título indica, as faixas foram inspiradas nas páginas iniciais do romance de Mary Shelley. Em entrevistas, o vocalista Matt Berninger chegou a declarar que conseguiu sair de um angustiante bloqueio criativo graças ao livro. E explicou: “Foi a partir da obra que consegui escrever sobre toda a minha depressão e o lugar onde estava o meu cérebro. A tundra gelada do início de ‘Frankenstein’ se encaixava com onde eu estava mentalmente…”. Definitivamente, o livro de Shelley continua presente no imaginário coletivo.

“A Loteria”, de Shirley Jackson

Considerado um clássico do terror, o conto “A Loteria”, da estadunidense Shirley Jackson, foi publicado em 1948 na revista The New Yorker. A história é ambientada numa pequena comunidade fictícia americana que segue uma tradição anual conhecida como “loteria”, com o objetivo de garantir uma boa colheita e livrar a cidade de supostos maus presságios. A narrativa, que apresenta um desenrolar macabro, explora temas como o comportamento de manada e a irracionalidade das ações humanas.

Capa da edição brasileira da versão em quadrinhos de "A Loteria" (DarkSIde/Divulgação)
Capa da edição brasileira da versão em quadrinhos de “A Loteria” (DarkSIde/Divulgação)

O conto de Jackson completou 75 anos neste ano e, para celebrar a data, o The New York Times convidou autores para comentarem a narrativa. Stephen King declarou: “Li-o na sala de estudos, no bom e velho Lisbon High School. Minha primeira reação: Choque. Minha segunda reação: como ela fez isso?”. A importância da autora para o terror é tal que, em 2007, foi criado o Prêmio Shirley Jackson, com o objetivo de condecorar os principais lançamentos de suspense psicológico, horror e fantasia sombria. Vale destacar ainda o fato de que “A Loteria” virou HQ. Assim, em 2016, o neto de Jackson, Miles Hyman, lançou uma versão autorizada da história, que chegou a receber o prêmio de Melhor Romance Gráfico Adulto do Solliès Comics Festival 2017. As ilustrações adicionam uma nova dimensão de pavor à narrativa original.

“Amada”, de Toni Morrison

A emblemática obra de Toni Morrison foi publicada em 1987 e venceu o Prêmio Pulitzer de Ficção no ano seguinte. A narrativa examina o devastador legado da escravidão ao narrar a vida de uma mulher negra chamada Sethe, desde seus dias pré-Guerra Civil como escrava em Kentucky até seu tempo em Cincinnati, Ohio, em 1873. A personagem principal é mantida como uma prisioneira das lembranças de sua vida como escrava.

Capa do livro "Amada", de Toni Morrison (Edição Companhia das Letras)
Capa do livro “Amada”, de Toni Morrison (Edição Companhia das Letras)

O romance é carregado de características góticas, já que o narrador realiza diversas referências a elementos sobrenaturais – em especial, fantasmagóricos. Além disso, a obra dialoga bastante com a tradição do terror psicológico, já que trata de traumas e lembranças de uma vida difícil.

Sobre o fato de “Amada” nem sempre ser classificado como um livro de horror, o autor Grady Hendrix escreveu: “A maior razão, a meu ver, é que o horror se afastou do literário. Abraçou os filmes de terror e as próprias raízes dele do século XX, ao mesmo tempo que negou as raízes do século XIX na ficção de autoria feminina e fingiu que os escritores do gênero, de meados do século, como Shirley Jackson, Ray Bradbury ou mesmo William Golding, não existiram”.

O filme "The Beloved", com Oprah Winfrey, adapta o romance de Morrison (Frame)
O filme “The Beloved”, com Oprah Winfrey, adapta o romance de Morrison (Frame)

Resgatar essas histórias, portanto, é também uma maneira de expandir as definições do gênero. Vale destacar o fato de que Oprah Winfrey protagonizou uma adaptação fílmica de “Amada”. Batizada como “Bem-Amada”, a versão foi lançada em 1988.

“Venha ver o pôr do sol”, de Lygia Fagundes Telles

Publicado pela paulistana Lygia Fagundes Telles em 1988, “Venha ver o pôr do sol” é um dos poucos contos de autoria feminina que costumam ser incluídos em antologias brasileiras de terror. Primeiramente, é preciso dizer que a narrativa gótica integra uma coletânea de mesmo nome. A história é ambientada primordialmente num cemitério, onde acontece um encontro entre dois ex-namorados, Raquel e Ricardo. Desse modo, o personagem masculino está inconformado com a separação dos dois e, por isso, propõe uma última conversa no o sombrio endereço. A discussão toma rumos trágicos.

Capa de edição da Ática da obra de Lygia Fagundes Telles (Reprodução)
Capa de edição da Ática da obra de Lygia Fagundes Telles (Reprodução)

As ruínas, elemento presente em várias ficções góticas, são importantes para esse conto de Fagundes Telles: ao longo da história, os personagens discutem sobre o abandono da necrópole e do mausoléu da família. Além de contar com uma atmosfera macabra, a narrativa gera reflexões sobre importantes temas sociais.

“Voladoras”, de Mónica Ojeda

Recém-lançado pela editora Autêntica (mais especificamente pelo selo Autêntica Contemporânea), a obra “Voladoras”, da escritora Mónica Ojeda, reúne oito contos que carregam elementos de horror. As histórias da equatoriana abordam temáticas como as relações de familiares e de amizade, mesclando cenas cotidianas com acontecimentos insólitos. Em entrevista ao El País, Ojeda chegou a afirmar que “a geografia determina a forma como se vê e como se conta o mundo.” Várias das narrativas presentes no livro tratam da realidade latino-americana e, mais especificamente, da sociedade equatoriana. Dessa maneira, as histórias acabam muitas vezes fugindo do script estadunidense e, por isso, surpreendem ainda mais. A autora é um dos nomes confirmados para a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontecerá no próximo mês de novembro.

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