O filme de Dandara Ferreira e Lô Politti faz um recorte dos primeiros anos de trajetória artística da baiana Gal Costa, falecida em novembro de 2022
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Nem bem foi anunciada, a sessão para o público de “Meu Nome é Gal” no Cine Santa Tereza teve os ingressos – gratuitos – esgotados. Para atender a parte dos que ficaram de fora, a gerência do espaço, simpaticamente, colocou algumas cadeiras móveis, extras. Do lado de fora, uma fila de pessoas aguardavam alguma desistência. Assim, momentos antes de a projeção começar, a sala lotada deu provas inequívocas de que o longa deve fazer boa bilheteria. Dirigido por Dandara Ferreira e Lô Politi, “Meu Nome é Gal” recorta a fase inicial da carreira de Maria da Graça Penna Burgos. Melhor dizendo, da baiana Gal Costa, falecida em 9 de novembro de 2022, aos 77 anos.
Ao fim da sessão, o público aplaudiu entusiasticamente o filme – lembrando que alguns dos presentes não se constrangeram a, furtivamente, registrar algumas cenas no celular. Naturalmente, parte do interesse em relação à produção pode ser creditado ao impacto provocado pela partida abrupta e precoce de Gal. Tal qual, ao recente burburinho gerado pela matéria da revista “Piauí” sobre a vida privada da artista. Mas, claro, mesmo somados, os dois fatores não superam o chamariz maior: o poderio da cantora, dona de uma das vozes mais admiradas da MPB.
Sophie Charlotte
Além disso, havia também a curiosidade em saber como a Sophie Charlotte se sairia neste baita desafio de encarnar Gal Costa. E a boa notícia é que sim, a atriz corresponde às boas expectativas. Mesmo que porventura o espectador não se esqueça de que ali, na tela, é a atriz Sophie Charlotte interpretando Gal Costa, certamente sentirá uma profunda admiração pelo notável esforço da atriz, seja em reproduzir maneirismos da cantora seja no próprio cantar. O figurino é um capítulo à parte, e exprime a preocupação em reproduzir com fidelidade as vestimentas que Gal portou em shows e momentos icônicos.
Recriação de época
Do mesmo modo, são muitas as escolhas acertadas, como desfocar fundos em algumas cenas feitas nos dias atuais nas quais a Gal fictícia passeia pelo Rio de Janeiro do passado. Tal qual, a inserção de imagens documentais da época é feita com muito cuidado. Conforme se vê na tela, o recurso se mostra fundamental e informativo. Principalmente em momentos como o que lembra a Passeata dos 100 mil, de 1968, no bojo da morte do estudante Edson Luís de Lima Souto.
Um outro recurso empregado foi o uso de filtros que imprimiram a aparência de imagens do passado a cenas rodadas nos dias atuais. Já os imensos outdoors que cobrem empenas de prédios parecem ter sido obtidos com a manipulação digital. No entanto, se for o caso, com um resultado bem satisfatório. Além dos figurinos, é preciso ressaltar toda a reconstrução de época, que passa também pelos cenários, de objetos a mobiliário, perfeitos.
Fa-Tal
Como dito, o filme faz um recorte da trajetória de Gal. Logo, do inicinho, quando chega ao Rio, aos 20 anos, e é apresentada a Guilherme Araújo (1936-2007), ao icônico show Fa-Tal – Gal a Todo Vapor. Este foi realizado em 12 de outubro de 1971, no Teatro Tereza Rachel, em Copacabana. A direção artística era de Waly Salomão. Portanto, que o espectador de “Meu Nome é Gal” não espere ver momentos mais recentes da vida da cantora. Muito menos no que se refere a episódios como o processo de adoção do filho, Gabriel, hoje com 18 anos, ou o relacionamento com a paulista Wilma Petrillo. Wilma, aliás, é produtora associada do filme.
Mas sim, ao fim, há um mosaico de imagens reais, de períodos posteriores ao que marca o final de “Meu Nome é Gal”. Porém, de shows, como o antológico momento em que, em 1994, sob a direção de Gerald Thomaz, Gal ergue o braço e mostra os peitos. O momento aconteceu na interpretação de “Brasil” (Cazuza, George Israel e Nilo Romero, 1988). Do mesmo modo, cantando “Festa do Interior” (Abel Silva e Moraes Moreira, 1981). Do mesmo modo, explica-se que, infelizmente, Gal não teve acesso ao filme pronto. Lembrando, porém, que ela acompanhou o início da produção, aprovando a escolha de Sophie Charlotte).
Elenco
No elenco, além da já citada Charlotte, é impossível não destacar o trabalho de outros atores, como George Sauma, que dá vida ao poeta Waly Salomão (1943 – 2003). Tal qual, a gestora cultural, diretora teatral e atriz soteropolitana Chica Carelli como Mariah, a mãe da cantora, e Camila Márdila (de talento já comprovado no filme “Que Horas Ela Volta?” ou na minissérie “Onde Está Meu Coração”), maravilhosa, como Dedé Gadelha, mulher de Caetano Veloso à época.
Na verdade, todo o círculo que acompanha Gal Costa naquela fase está muito bem representado no filme. Assim, com atores que defendem muito bem figuras emblemáticas como Tom Zé (Pedro Meirelles), Torquato Neto (Claudio Leal) ou Rogério Duarte (Caio Scott). E ainda, o cantor, compositor, ator e poeta Barroso, na pele de Jards Macalé. No filme, a cantora Maria Bethânia ganha vida por meio da própria Dandara, a diretora do filme. Como noticiado, à época das filmagens, a sugestão partiu da já citada Chica Carelli. Funcionou. A caracterização incluiu uma prótese no nariz.
Panela
O elenco traz, ainda, Elen Clarisse (como Lélia, namorada de Gal), Fábio Assunção (diretor de TV), Caroline Andrade (Rita Lee), Liza Schechtmann (Sandra Gadelha) e Lavínia Castelari (a Gal Costa criança). Aliás, consta que Gracinha percebeu ainda criança a vocação para o canto por conta da panela de fazer feijoada da mãe, Dona Mariah Costa Penna, falecida em 1993. Nela, ela testava os timbres. Não por outro motivo, no show “Gal – Coisas Sagradas Permanecem”, a cantora Adriana Calcanhotto adentrava o palco com uma grande panela.
E mais
Participações maiores têm, obviamente, os baianos Rodrigo Lélis e Dan Ferreira, que interpretam, respectivamente, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Verdade seja dita: a tarefa dos dois não foi das mais fáceis, mesmo ambos tendo já toda uma trajetória no plano da atuação. Muito bela, a cena em que o personagem Gil carrega Gal. Acontece no momento em que a cantora estava depressiva, trancafiada no quarto, e Gil a leva para o chuveiro.
Luiz Lobianco faz Guilherme Araújo, o que, involuntariamente ou não, traz ao filme um tom que, pelo bem do propósito maior do longa, não é o que detém a primazia na narrativa: o humor. É que, ao menos na sessão a que a jornalista acompanhou, muitas das falas do personagem suscitaram gargalhadas na plateia. Ficou a dúvida se por conta de ele ainda ser mais identificado pelo gênero humor – embora seja um ótimo ator independentemente do gênero, o que ficou comprovado na peça teatral “Gisberta”, sobre Gisberta Salce Júnior, assassinada por um grupo de jovens na cidade do Porto (Portugal), em 2006.
“O Nome Dela é Gal”
Em tempo: sobre Gal Costa, Dandara Ferreira já havia assinado a direção da minissérie documental “O Nome Dela é Gal”, exibido na HBO.
Confira o trailer de “Meu Nome é Gal”
Serviço
Estreia nesta quinta-feira, dia 12 de outubro de 2023.