
Os crepes da Francette foram servidos em forma de cone na Aproxima (Foto: Philippe Watel)
Com planos de ter um endereço físico aberto em setembro, o Francette dá o ar da graça neste sábado, na Festa Francesa
Patrícia Cassese | Editora Assistente
O simpático casal formado pelo parisiense Philippe Watel, 57, e pela belo-horizontina Silvana Watel, 53, se tornou, nos últimos anos, uma (boa) referência na vida gastronômica da capital mineira. Primeiramente, ao conduzir o charmoso bistrô Au Bon Vivant, que ficava localizado na rua Pium-í, no bairro Cruzeiro. Com a pandemia, porém, o lugar, como todos os outros restaurantes do país, teve que interromper suas atividades.
Depois, os dois tocaram o Cheguei!, que foi uma experiência direcionada a comidas congeladas à vácuo – e sem conservantes. “A ideia veio de um movimento que, na verdade, inclusive já é muito comum na França, e que também vem se disseminando em São Paulo: a de separar os componentes de um prato congelado, ou seja, os acompanhamentos. E por qual motivo? Porque, no dia a dia (ou mesmo quando a pessoa for oferecer um jantar especial em casa), proporciona muitas vantagens. Digamos que você já tem alguns dos acompanhamentos prontos em casa e que só precisaria, naquele dia, da proteína”, exemplifica ele, sobre o que se configura como uma ótima iniciativa, até mesmo para evitar o desperdício. No entanto, Philippe reconhece: “Infelizmente, esta ideia acabou não ‘pegando’, aqui, em BH”.
Mas eis que a vontade de voltar a ter um convívio mais estreito com o público (aos moldes do que o casal tinha com o Au Bon Vivant) foi, aos poucos, e graças ao arrefecimento da pandemia, voltando a habitar os planos de Philippe e Silvana. Só que, desta vez, já com a mente em um novo negócio, a escolha recaiu para um item que é praticamente um clássico da culinária francesa: o crepe. Daí surgiu o projeto Francette, que, por ora, começa a dar paulatinamente o ar da graça em feiras gastronômicas de rua da capital mineira. Neste sábado, o Francette estará na Festa Francesa.
Nestas iniciativas, o casal literalmente coloca a mão na massa para apresentar o novo produto para os clientes.
Endereço físico em breve
A tradicional Festa Francesa acontece na Praça Mendes Júnior, que fica ali, ao lado do Palácio da Liberdade. Mas o crème de la crème de toda essa história está previsto para acontecer quando entrar setembro. É que, naquele mês, a Francette terá, enfim, o seu endereço físico – precisamente, na rua Alagoas, na Savassi. Será, como Philippe descreve, um “café-creperia” que vai funcionar de segunda a segunda, das 9 às 21h. Além do crepe francês – cumpre frisar, preparado na versão tradicional francesa, sobre a qual falaremos mais adiante -, o cardápio vai contar com quiches, opções de croque-monsieur, brioches, croissants.

De acordo com Philippe, a ideia é atuar como um “pouso gostoso” a qualquer hora do dia, pode o cliente estar visando um café da manhã, um brunch, um almoço, um lanche ou mesmo um jantar.
Farinha sarracena
Uma característica que faz toda a diferença nos crepes oferecidos pela Francette é que a massa é preparada com a farinha tipo sarraceno – que, vale dizer, é de origem asiática.
Aliás, uma curiosidade é que, apesar de não ser muito usada na culinária daqui, do Brasil, o sul do país produz este que é chamado de “trigo sarraceno” ou “trigo mourisco”. Porém, Philippe lembra não se tratar de um cereal, e, sim, de uma graminácea.
De toda forma, o produto se destaca por três características listadas por ele: primeiramente, o fato de não ter glúten, de ser altamente proteico e ser orgânico. Ou seja, não necessidade de nenhum produto fitossanitário para crescer. Assim, o próprio sarraceno toma conta de tudo por onde cresce, e, assegura Philippe, é até usado por agricultores para regenerar solos pobres.
O sarraceno colhido no Brasil, acredite, é praticamente todo exportado para países asiáticos. Dessa forma, por aqui, seu consumo está mais restrito ao soba, o famoso macarrão chinês. Perguntando sobre as expectativas quanto a este tipo de crepe cair no gosto mineiro, Philippe diz: “Na verdade, ele (mineiro) já reagiu muito bem. Começamos a testar este crepe bem antes da pandemia. E fizemos uma festa francesa, com o Eduardo Maya. Nela, oferecemos uma Galette Saucisse, com linguiça. É uma comida de rua, street food francesa, que deu super certo, todo mundo adorou. E ultimamente, no Aproxima, também adoraram, vendemos tudo. Enfim, acho que o público mineiro já foi convencido. O lado douradinho, moreninho, tostado, além de um certo sabor de avelã, aliado o fato de não ter glúten e de ser proteico, fez com que as pessoas topassem”.
Desembarque na Bretanha
Reza a lenda que o sarraceno apareceu na Bretanha cerca de mil anos atrás. Logo se destacou, por fornecer um plantio de fácil cultivo. Não bastasse, com aportes nutritivos bem-vindos à região que, na época, era considerada “pobre”. O grão foi chamado de “sarraceno” por um motivo curioso. É que, antes de aportar na França, fez um desvio pela África do Norte. E, como se sabe, a região era povoada pelos “sarracenos”, assim chamados pelos europeus.
Em seguida, os bretões teriam inventado o crepe de sarraceno, que virou tradição até hoje. No Brasil, os crepes, sejam salgados ou doces, são, geralmente, preparados com a mesma massa, preparada à base de trigo comum. Na França, há uma diferenciação também no que tange ao nome do prato. É que, lá, a iguaria que leva o recheio (ou cobertura) salgada é chamada de “galette”.
Receitas-teste
Na Feira Aproxima, a Francette apresentou duas receitas. Primeiramente, uma que já demonstra uma ligação com Minas. É o crepe com copa lombo confitado (“com alguns temperos da Silvana”, conta Philippe), chutney de abacaxi, queijo curado da Canastra e crocante de bacon. “Além de algumas ervinhas”, acrescenta ele.
Os vegetarianos, claro, não foram negligenciados: a versão vegetariana veio recheada com queijo de cabra, abobrinhas assadas, tomatinhos e crocante de limão siciliano. “O bom do crepe é que, com este prato, é possível ter liberdade. Ele vem para embrulhar, se posso falar assim, uma comida de qualquer lugar do mundo. É o que o gente pretende fazer com algumas preferências para a França, para Minas… E vai ter opções veganas também”, arremata Philippe.

Escolha do nome
Perguntado sobre o nome escolhido para a creperia, Philippe explica: “A gente queria grafar, dentro do nome, uma ideia de uma França simplificada, descontraída. Um pouco fora do padrão de, vamos dizer, castelos do Loire, villes, queijos. A gente queria reter só a parte da comida gostosa da França, mas despojar um pouco do brilho, da tradição, de tudo o que é luxuoso, elaborado etc. Porque o crepe – ou, como nomeamos lá, galette – é uma comida de rua. Também uma comida de restaurante, depende da dobra. Mas é uma comida bem mais simplificada, descontraída. Tanto é que o Francette terá, como falei, a forma de café-crepe. Assim, a pessoa poderá ir lá e se sentar a qualquer momento. Provavelmente vai haver momentos em que a casa vai ficar mais cheia, mas sempre será possível encontrar um lugar e degustar algo, um quiche, um croque. Esse é o espírito”.
Ele lembra, ainda, que o ette, de Francette, corresponde, grosso modo, ao “inho” nosso. Ou seja, uma maneira de usar o diminutivo de forma carinhosa. “Então, com a escolha deste nome, a gente queria remeter, de certa forma, ‘a uma pequena França’. Mas uma curiosidade: eu tenho uma tia com esse nome, a irmã do meu pai. E isso também nos veio à mente. E tem, ainda, a brincadeira do A, do Francette, que (na logomarca) fizemos com a forma da Torre Eiffel. Vamos brincar bastante com isso”.
Experiências anteriores/Paixão por Minas
Philippe, vale dizer, já morou na Bahia, onde, junto a Silvana (sempre!), tocava um hotel-restaurante. Ele adorou a experiência, mas se diz particularmente encantado pela capital mineira. “Gosto de muitas coisas daqui, e falo não só da cidade, como do estado de Minas. Como o clima, que me remete à Europa, às vezes gosto de usar roupas de frio. A cultura… Em termos de diversidade, a cultura de Minas, penso que é muito rica. Tem a questão da arquitetura, há muita coisa muito interessante aqui. Fora que a minha família de adoção (referindo-se à família de Silvana) é daqui – e gosto muito dela. A nossa filha, que morou cinco anos na Bahia, ficou muito mais feliz ao vir para cá, e ficar mais perto dos parentes, da avó”.
Mas a lista de chamarizes de Minas segundo Philippe é ainda mais longa: “Tem a comida, os queijos, os vinhos produzidos aqui. No Bon Vivant, fazia muito um trabalho com meus clientes sobre a produção excelente das vinícolas daqui. Claro, pode até ser que um dia eu volte para a França, mas, hoje, posso dizer que estou muito bem aqui”, afiança.