O longa “Folhas de Outono”, de Aki Kaurismäki, está concorrendo ao Globo de Ouro e consta na shortlist do Oscar 2024
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Em cartaz na cidade, o filme “Folhas de Outono” (Fallen Leaves”), do diretor finlandês Aki Kaurismäki, tem se sobressaído na lista de indicados a filme estrangeiro. Assim, o longa-metragem, que teve estreia mundial no Festival de Cannes, é, por exemplo, um dos candidatos à 81º Globo de Ouro (na categoria citada). O anúncio dos vencedores, aliás, acontece neste domingo, dia 7 de janeiro. Da mesma forma, “Folhas de Outono” está na shortlist dos filmes estrangeiros indicados ao Oscar 2024. Neste caso, vale lembrar que haverá, ainda, uma nova triagem. A lista completa de indicados será anunciada no dia 23 deste mês.
Trabalho precário
Na coletiva de imprensa relativa à première do filme em Cannes, onde o filme arrebatou o Prêmio do Júri, Aki Kaurismäki respondeu às perguntas dos jornalistas tendo, ao lado, a atriz Alma Pöysti e o ator Jussi Vatanen, os protagonistas. E foi de Vatanen a melhor definição para o longa: “Há muito amor e comédia neste filme”, disse ele, conforme reproduzido no site Nordisk Film & TV Fond. Na história, Alma é Ansa (“presa”, em finlandês), uma mulher que, a princípio trabalha em um supermercado.
Uma das tarefas de Ansa é recolher e descartar os produtos vencidos – lembrando que, tal como no Brasil, há pessoas bastante interessadas em levar para casa os alimentos que já ultrapassaram a barreira do prazo de validade. Há uma cena na qual um rapaz pede a Ansa um dos alimentos que iria para o lixo, mas a surpresa é que ela própria também se vale deste estratagema.
Cinema
Na verdade, Ansa é uma mulher solitária, que mora numa casa modesta, com seus parcos pertences e alguns objetos de adorno – entre eles, um boneco de Charlie Chaplin. A vida parece ordinária e sem grandes atrativos, não fosse a amiga que eventualmente a convida para sair. E é em uma ida a um karaokê que ela conhece um homem de sobrenome Hollapa, personagem de Jussi Vatanen. Detalhe: o primeiro nome do personagem nunca é citado. Hollapa, vale dizer, tem nítidos problemas com o álcool.
Enquanto, no citado karaokê, Liisa, a amiga de Ansa, se aproxima do divertido Raunio, Ansa acaba acordando um cinema com Hollapa – o filme a que os dois assistem é “Os Mortos Não Morrem” (2019), de Jim Jarmusch, com Adam Driver, Bill Murray e Tilda Swinton. Ao mesmo tempo, Kaurismäki faz várias referências à nouvelle vague, ao mostrar, em cena, cartazes de filmes como “Pierrot, Le Fou”, de Jean-Luc Godard. Ou ao neo-realismo italiano, com “Rocco e Seus Irmãos”. Ao fim da sessão a que os personagens assistem, Ansa decide anotar o número do telefone em um papel, para Hollapa, que, sem perceber, acaba perdendo-o.
Solitários, com bagagem
Angustiado, ele trata de conseguir encontrá-la, no que é bem sucedido. Mas nem tudo será um mar de rosas nesta relação. Na já citada coletiva em Cannes, a atriz Alma Pöysti pontuou que o filme é “sobre pessoas solitárias com bagagem”. Assim, um homem e uma mulher que se encontram mais tarde na vida. “É preciso coragem para se apaixonar mais tarde na vida”, emendou ela.
Aos jornalistas, Alma também descreveu Ansa como uma trabalhadora esforçada, que se orgulha do seu trabalho. “Mesmo que seja mal remunerado e ela continue perdendo o emprego”. Aliás, no citado trabalho no supermercado, Ansa acaba sendo demitida, ao ser flagrada levando para casa um sanduíche vencido – mesmo que o destino dele fosse o lixo.
Trilogia sobre o trabalho
Assim, Aki Kaurismäki afirma ser “Folhas de Outono” também um desdobramento do que ele inicialmente imaginou como uma trilogia sobre o trabalho. Neste caso, a trilogia era composta por “Sombras no Paraíso” (1986), “Ariel” (1988) e “A Garota da Fábrica de Caixas de Fósforos” (1990).
Ou seja: além do romance que se insinua entre duas pessoas da classe trabalhadora, solitárias e sem grandes expectativas para o futuro, “Folhas de Outono” também traz uma crítica ao mundo do trabalho, em particular, aquele no qual empregados transitam exercendo funções em dissonância com as leis que, em tese, se cumpridas, assegurariam o mínimo no que tange a direitos.
Chaplin
Além disso, é um filme que, como já apontado, é rico em referências cinematográficas – além do adorno de Charlie Chaplin, o ator e diretor é também reverenciado quando Ansa acolhe um cão de rua e o batiza de “Chaplin”. O gesto, aliás, ecoa muito de um sentimento que paira sobre as marcas deixadas pelas agruras do cotidiano nas pessoas, digamos assim, de boa alma. Assim, ao saber que o cão seria sacrificado, Ansa decide adotá-lo mesmo sem condição financeira alguma para ter um animal.
O lado doce que permanece ali, impávida, mesmo mediante uma vida imersa em dissabores também emerge quando ela prepara com capricho e dedicação o modesto jantar para Hollapa.
Conflito Rússia X Ucrânia
Um outro componente interessante em “Folhas de Outono” é a presença de menções, via rádio, durante todo o tempo, à guerra entre Rússia e Ucrânia. E assim, mais uma vez, vamos recorrer à tal coletiva concedida em Cannes, quando Aki Kaurismäki foi questionado sobre a recorrente citação. “Era inevitável mencioná-la. Eu não poderia ter feito esse filme sem comentar essa guerra sangrenta, então, optei por fazer isso pelo rádio. Precisamos de histórias de amor agora, mas não importa o que fazemos na Finlândia”, disse.
Não bastasse, o elemento humor se faz presente em “Folhas de Outono” em cenas de absoluto nonsense, como a que traz duas moças (aliás, uma delas parecendo estar trajada com um pijama) cantando uma música que resvala uma desilusão ímpar. Em dado momento, a letra diz que “até os cemitérios têm cercas”. Assim, nem os mortos têm total liberdade.
Edward Hopper
Por último, não menos importante, em “Folhas de Outono”, Aki Kaurismäki oferece belos quadros a cada cena. Muitos deles, lembrando fortemente as pinturas de Edward Hopper (1882 – 1967).
Aliás, o uso de cores por Kaurismäki é extremamente belo e inspirador, o que o público brasileiro já tinha percebido com o maravilhoso “O Porto”, certamente o filme do diretor mais visto por aqui. Abaixo, frame do filme, que tem o título original de “Le Havre”.
Em tempo: se você não assistiu a essa maravilha, para os assinantes do MUBI, vale demais! Enquanto isso, corra para ver “Folhas de Outono” nos cinemas.
Confira, abaixo, o trailer